segunda-feira, 30 de junho de 2014

Seiva essencial

“Se vós estiverdes em mim e as minhas palavras estiverem em vós, pedireis tudo o que quiserdes, e vos será feito.” – Jesus (João, 15:17.)

O homem vulgar passa grande parte da sua existência queixando-se ou sentindo-se em lugar impróprio às suas aspirações ou aptidões, e pensando, mesmo, que suas atividades não são importantes. Entretanto, mister se faz que nos lembremos de que as leis de Deus colocam cada um de nós nas condições em que melhor podemos produzir e aprender para não incorrermos nos mesmos antigos enganos. Em verdade, estamos sendo protegidos de nós mesmos. 

Desejando maiores responsabilidades – de preferência as que nos exponham à admiração pública - e imaginando que as criaturas colocadas nessas posições usufruem mando especial ante a Providência Divina, não nos damos conta de que cada criatura traz, ao nascer, uma tarefa particular e intransferível, que a coloca no lugar certo, na família ideal e no melhor trabalho para o seu progresso evolutivo. Não importa se sob as luzes da ribalta ou no mais obscuro lar, a tarefa de cada um de nós é de suprema importância na execução do plano universal de Deus. “A folha de papel que te sai das mãos pode ser aquela em que se grafarão palavras destinadas ao consolo de toda a comunidade, e o menino que te obriga a pesadas noites de insônia pode trazer consigo o trabalho de auxílio providencial a um povo inteiro.”¹  
Assim, também, o nosso trabalho junto à Natureza, através da plantação, da limpeza, da proteção a ela, pode transformar-se em manancial de alimentos a sustentar o planeta, porque todos os bens materiais que o Pai entregou ao homem, para seu progresso, podem, em suas mãos, transformar-se em instrumentos de benefício ou destruição, pois tudo e todos produzem alguma coisa. 
Emmanuel ilustra, de maneira bem interessante, essa colocação ao afirmar que pedras produzem asperezas; espinhos, dilacerações; e lama, sujidade. Como podemos ver, a Natureza produz sempre. O problema está na maneira como o homem se utiliza desses recursos. Se produzimos para o bem, esses recursos transformam-se em instrumentos valiosos; entretanto, cada criatura produzirá em conformidade com os agentes que a inspiram. Por exemplo: o delinquente produz o desequilíbrio; o preguiçoso produz a miséria e o pessimista produz o desânimo. Desse modo, onde estivermos, estaremos produzindo de acordo com as influências a que nos afeiçoamos, e servindo de exemplo àqueles que estejam sintonizados a nós.² 
Seguindo essa linha de pensamento, cabe perguntar: Como produzir frutos de paz e aperfeiçoamento, regeneração e progresso, luz e misericórdia? A resposta vem sem muito esforço: Seguindo os passos de Jesus, se nos dizemos Seus seguidores. Como produzir alguma coisa sem a seiva essencial? A resposta vem do próprio Jesus: “Permanecei em mim e eu permanecerei em vós. Como não pode o ramo produzir frutos de si mesmo, se não permanecer na videira, assim nem vós o podeis dar, se não permanecerdes em mim”.³  
Jesus está conosco em todas as posições da vida. Nossa obra, hoje, é o serviço que Deus nos deu para realizar. Façamos tão bem, quanto esteja em nossas possibilidades, a obra parcial confiada a nós, porque a maior parte é trabalho do Criador.

Bibliografia: 
1 – XAVIER, F. C. - Palavras de Vida Eterna – ditado pelo Espírito Emmanuel, 20. ed., CEC – UBERABA/MG - 1995, lição 82.
2 - Idem, lição 103.
3 – JOÃO, 15:4.
4 – XAVIER, F. C. - Fonte Viva – ditado pelo Espírito Emmanuel, 31ª. ed., Federação Espírita Brasileira, RIO DE JANEIRO/RJ – 2005, lição 146. 

Leda Maria Flaborea
ledaflaborea@uol.com.br
São Paulo, SP (Brasil)  

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quinta-feira, 26 de junho de 2014

Ação e Reação nos cinemas


No dia 3 de julho, quinta-feira, estreia nos cinemas o filme Causa e Efeito. O tema é pertinente aos diversos desafios atuais enfrentados pela sociedade humana, exatamente no que diz respeito às ações e reações ou consequências de atitudes, posturas e desdobramentos, nem sempre saudáveis, que se refletem no tempo.
Afinal, a pergunta que sempre fica: há um destino traçado? Como encarar os extremos que todos vivemos na área do intelecto, da moralidade, do equilíbrio ou desequilíbrio emocional e psicológico e mesmo da diversidade social tão gritante que emoldura a vida humana?
E os acidentes, as tragédias, as doenças terminais, as deficiências físicas e mentais, as limitações e carências que caracterizam a vida humana? De onde as causas de tantas diferenças? E a diversidade dos desdobramentos de cada atitude, fato ou circunstância?
O tema é empolgante e lembra uma realidade patente: há uma causa que se desdobra num efeito imediato ou remoto, com desdobramentos infinitos no tempo. E por outro lado há igualmente várias causas que se desdobram num único ou vários efeitos, envolvendo uma vida única ou entrelaçando outras vidas. Como entender a complexa questão?
A temática faz pensar, provoca reflexões de abundância e levanta questões que sempre estão presentes nos debates e perguntas que se multiplicam conforme avança a sociedade humana com seus complexos e desafiadores degraus da história humana.
E mais interessante porque cada caso é um caso. Não há dois idênticos e muitos deles se entrelaçam ou em muitos outros casos em nenhum ponto se encontram.
É a lei de causa e efeito. Agora todo o manancial teórico da velha questão foi transformado em filme, numa síntese para provocar reflexão expressiva naqueles que assistirem a produção. E não se pense que os efeitos ou desdobramentos são sempre desagradáveis ou desastrosos. Em absoluto. Muitas vezes os efeitos são saudáveis, construtivos ou de extraordinário benefícios individuais ou coletivos, a depender, é claro, da causa ou causas iniciais que motivaram o efeito no tempo. Claro! Afinal, o cuidado, a prudência, as boas ações e iniciativas com responsabilidade e bondade só podem mesmo gerar efeitos que trazem felicidade. No mesmo sentido, alcança-se o lado oposto. Negligência, vícios, perversidade, descuidos e leviandades só podem gerar más consequências.
Para motivar o leitor, apresento a sinopse: O policial Paulo levava uma vida bastante tranquila com sua família, sendo casado e tendo um filho. No entanto, em um determinado dia, sua família é atropelada por um motorista bêbado. O culpado pelo crime não foi preso, e Paulo decide fazer justiça com suas próprias mãos, acabando com todos aqueles que a quem considera criminosos. Eis que Paulo é contratado para assassinar uma jovem, porém, ele não consegue concluir a missão e resolve fugir com sua “vítima” para tentar protegê-la. Paulo se apaixona por ela e ambos decidem reajustar suas vidas. E aí procuram ajuda, o que traz o desdobramento da produção cinematográfica.
Não deixe de ver. E se possível peça a exibição do filme em sua cidade ou em Shopping próximo. Afinal, com os desafios pessoais e sociais intensos da atualidade, o filme traz um bom momento para pensar sobre as razões e finalidade de viver e construir o próprio equilíbrio.



Orson Peter Carrara

sábado, 21 de junho de 2014

Aos fiéis a Allan Kardec


Sendo todo Espírito um livre-pensador, como designou Allan Kardec, é natural que existam diferentes vertentes de pensamento e entendimento dos seus ensinos, que cintilam em torno do que trouxeram os Espíritos responsáveis pela Codificação da Doutrina Espírita.
Encontramos, porém, alguns que, mesmo considerando-se espíritas, insistem equivocadamente em caminhar professando Espiritismo longe das bases em que ele foi edificado.
Quando aprendemos Espiritismo, cultivando as bases da racionalidade e do bom senso, geralmente somos impulsionados a nos colocar como opositores a todas as manifestações contrárias ou doutrinariamente distorcidas.
Aprendemos com Léon Denis, em sua magistral obra “No Invisível”, que “Saber é o supremo bem, e todos os males provêm da ignorância”. Assim, devemos respeitar essas diferenças e apenas aguardar que o amadurecimento natural das ideias, promovido pelo despertar da consciência, ocorra.
Combater esses conceitos equivocados causa mais ajuda para que eles prossigam, do que ignorá-los, pois combater é uma maneira de divulgar.
Para que um livro alcance grandes cifras de vendagem, basta correr o livre boato de que: “É bom não ler...”, que rapidamente todos se sentem impelidos a comprá-lo num impulso destituído de razão.
Diante dos que professam Espiritismo sem comprometimento, nos detenhamos a prosseguir com Kardec.
Aos que escrevem oferecendo informações que não podem ser defendidas pelo bom senso, divulguemos Kardec.
Em resposta às divulgações que multiplicam falsas novidades, iluminar com Kardec.
Claro que devemos oferecer esclarecimento aos que buscam orientação correta, porém, os divulgadores descomprometidos não querem respostas, mas sim, divulgar suas certezas fundadas na ficção do pouco estudo.
Verdadeiramente comprometidos com Kardec, são aqueles que não dispõem de tempo para atacar ou combater o que é frágil e será consumido inevitavelmente pela Lei do Progresso.
As trevas nunca consumiram as trevas, mas o poder luminoso das ideias edificantes se soma e absorve, ao invés de eliminar, a escuridão da ignorância.
Desavisados, muitas vezes, servimos aos interesses que desejamos combater e gastamos vitalidade e tempo na direção contrária aos objetivos esclarecedores.
Divulgar o mal é servi-lo, e trabalhar para o esclarecimento é acender a luz da solidez espírita, comprometidos com aquele que foi instrumento para trazê-la ao mundo e respeitar com silêncio os que caminham sem esse entendimento.

Roosevelt Andophato Tiago
www.roosevelt.net.br
Barra Bonita, SP (Brasil) 

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sábado, 14 de junho de 2014

Um minuto com Chico Xavier


Solicitado a narrar a irmãos de fala castelhana um dos inúmeros fatos mediúnicos que o sensibilizaram no correr das suas quatro décadas de tarefas ininterruptas de mediunidade com Jesus, Chico Xavier disse o seguinte:
– Das experiências de nossa tarefa mediúnica, citaremos uma delas, para nós, inesquecível. Nos arredores de Pedro Leopoldo, há anos passados, certa viúva viu o corpo de um filho assassinado, quando chegava repentinamente à casa. Desde então, chorava sem consolo.
O irmão homicida fugira, logo após o delito, e a sofredora senhora ignorava até mesmo porque o rapaz perdera tão desastradamente a vida. Agravando-se-lhe os padecimentos morais, uma nossa amiga, já desencarnada, D. Joaninha Gomes, convidou-nos a ir em sua companhia partilhar um ligeiro culto do Evangelho com a viúva enlutada.
A desditosa mãe acolheu-nos com bondade e, logo após, em círculo de cinco pessoas, entregamo-nos à oração.
Aberto em seguida "O Evangelho segundo o Espiritismo", ao acaso, caiu-nos sob os olhos o item 14 do capítulo X, intitulado "Perdão das Ofensas".
Ia, de minha parte, começar a leitura, quando alguém bateu à porta. Pausamos na atividade espiritual, enquanto a dona da casa foi atender. Tratava-se de um viajante maltrapilho, positivamente, um mendigo, alegando fome e cansaço. Pedia um prato de alimento e um cobertor.
A viúva fê-lo entrar com gentileza, a pedir-lhe alguns momentos de espera. O homem acomodou-se num banco e iniciamos a leitura. Imediatamente depois disso, comentamos a lição de modo geral. Um dos assistentes perguntou à dona da casa se ela havia desculpado o infeliz que lhe havia morto o filho querido, cujo nome passou, na conversação, a ser, por várias vezes, pronunciado.
A viúva asseverou que o Evangelho, pelo menos, lhe determinava perdoar. Foi então que o recém-chegado e desconhecido exclamou para a nossa anfitriã:
– Pois a senhora é mãe do morto?
E, trêmulo, acrescentou que ele mesmo era o assassino, passando a chorar e a pedir de joelhos.
A viúva, igualmente, em pranto, avançou maternalmente para ele e falou:
– Não me peça perdão, meu filho, que eu também sou uma pobre pecadora.. Roguemos a Deus para que nos perdoe!...
Em seguida, trouxe-lhe um prato bem feito e o agasalho de que o desconhecido necessitava. Ele, entretanto, transformado, saiu do Culto do Evangelho conosco e foi-se entregar à Justiça.
No dia imediato, Joaninha Gomes e eu voltamos ao lar da generosa senhora e ela nos contou, edificada, que durante a noite sonhara com o filho a dizer-lhe que ele mesmo, a vítima, trouxera o ofensor ao seu regaço de Mãe, para que ela o auxiliasse com bondade e socorro, entendimento e perdão.


José Antônio Vieira de Paula
depaulajoseantonio@gmail.com
Cambé, Paraná (Brasil) 

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sábado, 7 de junho de 2014

Tempestades em família


Um antigo ditado diz que quando um não quer dois não brigam. Se é fácil entender o significado desse conselho, seu exercício na prática já não se mostra do mesmo modo. Temos observado explosões de cólera desfechadas por um ou ambos os cônjuges, a partir de situações verdadeiramente irrelevantes. Comprovamos, igualmente, a presença de entes invisíveis atiçando o fogo a manifestar-se em labaredas formidáveis, de difícil extinção. Indagamos, então: onde a felicidade conjugal?
Deparamos, noutro dia, com um aconselhamento tão simples quanto embasado em experiência de quem originou: “Se você for solteiro e deseja casar para ser feliz, não case, permaneça solteiro; se você for solteiro e pensa em casar parafazer alguém feliz, então case e você será feliz”.
Fácil deduzir, a partir dessa premissa, a importância da renúncia na obtenção da felicidade por parte de qualquer um, quando coloca o outro no centro de suas cogitações e não poupa esforços em proporcionar-lhe pequenas e constantes satisfações. Nesse clima, difícil a intromissão de seres indesejáveis.
Para o espírita, vale considerar outra questão: é na família que travamos as maiores batalhas: lá encontramos amigos e inimigos do passado, que ressurgem com simpatias e antipatias, proporcionando-nos paz ou desassossego, ensejando estes últimos a ativação de nosso potencial de amor e compreensão, tolerância e perdão, estreitando laços que serão outras tantas asas a nos elevar no espaço imensurável da própria alma.
Sabemos da dificuldade de alguém se revestir da blindagem necessária contra quem tem o hábito mórbido de remoer coisas desagradáveis do passado ou tocar com estilete algum ponto que machuca. O resultado é quase sempre a devolução virulenta à provocação. Costuma-se dizer que não se apaga fogo com gasolina. Quem fere, quem provoca, quem inicia uma discussão deve ser levado à conta de necessitado de paciência e tolerância. O silêncio, em tais casos, é antídoto comprovadamente eficaz.
Presenciou, certa vez, um médium vidente, duas sombras que se punham junto a cada cônjuge, estimulando a contenda. Lembrava jogo de pingue-pongue, onde as ofensas deslizavam céleres de parte a parte, para alegria de um cortejo de outras sombras, que exultavam pelo desfecho que esperavam.
O “orai e vigiai” ainda é a recomendação atualizada de nosso Mestre Jesus. A prece emite ondas de paz a espraiar-se no lar, partindo de quem mantém sintonia com as forças do Bem. 

Everaldo Ferraro
everaldoferraro@gmail.com
Niterói, RJ (Brasil) 

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quinta-feira, 5 de junho de 2014

Graça, mérito e outros assuntos afetos ao Amor Divino


Por conta da conclusão do ensino médio de pessoa próxima, compareci a um culto ecumênico, no qual, na fala de diversos segmentos religiosos representados, destacou-se uma que tratou da temática da graça, como caminho de salvação e de redenção da criatura humana, a despeito de sua conduta ou dos conceitos mais elementares de justiça.
Defendeu o companheiro, em um discurso conhecido de outras plenárias e atores, a visão de uma salvação que viria pela fé, independente das suas obras. Fé em um conceito difuso, que mistura um sentimento íntimo e de superação com uma crença específica em determinada entidade, no caso Jesus. Uma dita salvação dos filhos de Deus que nega aspectos geográficos e históricos, distribuindo bênçãos de forma segregadora e não universalizante.
De Lutero às indulgências da Idade Média, essas ideias e discussões são antigas, imbricadas nos velhos jogos entre a religião e o poder formal. Surgem às vezes travestidas com roupagens do novo, perambulando por aí, nos discursos, nas ideias sedutoras de sermos salvos por uma opção momentânea, ignorando a grandeza do que pensamos ser uma vida eterna. Causa-nos espanto, mas são posturas concretas e que se materializam em situações tragicômicas do bom ser tomado pelo mau, na desconsideração da sentença cristã que se reconhece a árvore pelos frutos.
Instigante discussão esta, que pode aplacar consciências ao justificar os atos mais reprováveis, dissociando, de forma lamentável, a ação, a intenção do Espírito encarnado e o seu destino futuro, subordinando essa vinculação a crenças determinadas, ao humor divino, em um movimento que fortalece os sectarismos, as lutas e as politicagens que pululam na história das religiões.
Dependeríamos, nessa ótica, da graça, como um bem imerecido, um dom gratuito que Deus concede à humanidade, motivado pela sua misericórdia, em situações que, apesar de parecerem sem lógica, são regidas por regras implícitas, como a fé ou a adoção de determinados ritos, que fariam esse Deus sorrir para nós.
Aí, surge o “pulo do gato” de Kardec e dos Espíritos da codificação. A proposta espírita é diferente! É uma proposta que conjuga a ideia de mérito e a de misericórdia. Alia justiça com amor...
Mérito na Lei de Ação e Reação, na necessidade de reparação do ato que prejudica o próximo pelo próprio autor, na colheita livre, mas que tem a semeadura obrigatória, na Lei de “causa e efeito”, na qual erramos e aprendemos. Segundo Emmanuel, “Jesus a ninguém prometeu direitos sem deveres(1)”. Ideias estampadas nas próprias obras espíritas, nos romances e narrativas do plano espiritual, e que elevam a ideia de justiça a outro patamar. 
O mérito é pedagógico, permite ao Espírito aprender e crescer, com erros e acertos, tornando factível o conceito da vida eterna. Não importa nesse sentido o punir e sim o crescimento, a luta, na justa interrogação de “O Livro dos Espíritos”: “Onde estaria o merecimento sem a luta?(2)”.
Entretanto, Deus é amor e assim também é a sua Lei... O que seria de nós sem a misericórdia divina? É necessário compreender a fragilidade da criatura humana, e a sua luta para superar seus desafios diariamente. A obra evangélica transmite essa compaixão em várias passagens, nas quais Jesus mostrou que conhece bem a natureza do Espírito encarnado, suas fraquezas e possibilidades.
A palavra misericórdia vem da fusão das palavras miserere (ter compaixão), e cordis (coração), ou seja, um novo olhar da realidade com amor no coração. “A misericórdia é o complemento da mansuetude (...). Ela consiste no esquecimento e no perdão das ofensas(3).” Amor com equilíbrio, pois o perdão das ofensas não implica em abandonar o conceito de justiça e a ideia de que o Espírito necessita aprender para crescer.
O psicólogo Erich Fromm tratou bem da questão dessas duas grandezas, quando se referiu ao equilíbrio entre o princípio paternal e maternal, representado o segundo pelo amor incondicional, sem recompensas, e o primeiro pelo amor em razão dos próprios méritos(4). Deus tem os dois princípios em harmonia. Ama seus filhos incondicionalmente, mas exige deles compromissos com o seu crescimento espiritual, na medida de suas capacidades. Esses princípios permeiam toda a evolução da humanidade!
A graça, por esse prisma, seria fruto de um Deus carente, sequioso de servidores para adorá-lo, como eram os deuses da antiguidade que inspiraram alguns desses paradigmas. Voltamos aos deuses antropomórficos! Essa visão teológica tornaria valores, como respeito ao próximo, trabalho e justiça, sem sentido. O mundo seria um paraíso da inação, com todos à espera dessa graça, como ocorreu concretamente na Idade Média, em espetáculos de hipocrisia e de miséria moral.
 Não se trata só de uma questão de justiça, de punir, e sim uma questão de pedagogia, de evolução, de crescimento e aprimoramento, como necessidades intrínsecas do Espírito. Que graça teria sermos criados apenas para acolher um caminho que muitos não têm acesso, para sermos salvos de um pecado que não cometemos, por circunstâncias ao bel-prazer da divindade?
Assim, no paradigma espírita, para todos é possível crescer, nas diversas roupagens reencarnatórias, e esvaziam-se instrumentos de poder e caminhos exclusivistas, pois a justiça e o mérito se fazem para cada um, mas têm como fiel da sua balança o amor, a misericórdia divina que, com seus múltiplos acréscimos, nos conduz diante das provas duras da existência, para a cada dia recomeçar.
O Espiritismo, como se propõe a ser uma doutrina libertadora, de amadurecimento e evolução de Espíritos, nos aponta o crescimento espiritual pela construção de nosso caminho, com os outros, convivendo e vivendo, amando e sendo amado, errando e tentando acertar, mas sob o olhar de um Pai amoroso, que vela por nós, ajudado por outros Espíritos como nós.
 

[1] Caminho Espírita - Psicografia de Francisco Cândido Xavier. Espíritos Diversos.
[2] O Livro dos Espíritos, Pergunta 119.
[3] O Evangelho segundo o Espiritismo.
[4] A Arte de Amar. Erich Fromm. Editora Martins Fontes. 


Marcus Vinicius de Azevedo Braga
acervobraga@gmail.com
Rio de Janeiro, RJ (Brasil)

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