sexta-feira, 29 de agosto de 2014

De Saulo a Paulo


E eis que no meio da estrada repentina luz se faz, mais luminosa que o sol, quase ofuscando o rapaz. 
Tremendo de comoção, Saulo tomba do camelo. 
No céu se rasga um caminho e desce alguém para vê-lo. 
Voz suave, olhar profundo, rosto belíssimo, santo, pergunta esse Alguém a Saulo:  

— Por que me persegues tanto?
Responde Saulo espantado: 
— Mas quem sois vós, meu Senhor? 
— Sou Jesus, a quem persegues, com tanta raiva e rancor!

Há exatos 40 anos, quando tinha apenas 11 anos de idade, li pela primeira vez Paulo e Estêvão, romance de Emmanuel, psicografado por Chico Xavier. Ou melhor, minha mãe leu em voz alta para mim, porque descobriu que eu estava lendo escondido no banheiro. Ela achava que o livro era muito pesado para minha idade e não queria que eu lesse. Mas acabou ela mesma fazendo a leitura, não sei se censurando alguma coisa. Morávamos então em Berlim. E no inverno sombrio daquela cidade, na época ainda com o muro, que tanto nos deprimia, fiquei apaixonada pela figura de Paulo, pela história de sua vida. 
Depois dessa primeira vez, li mais que 50 vezes esse livro. E isso não é hipérbole. Parei de contar quando cheguei à 50ª leitura. E passei a estudar vorazmente todas as versões da vida do apóstolo. A que está nos Atos, suas Epístolas, li narrativas católicas, protestantes, ateias e a que mais me encantou foi a escrita na primeira metade do século XX, por um judeu, Sholem Ash, intitulada O Apóstolo. Nos últimos 15 anos, com o intenso envolvimento com a Pedagogia Espírita e questões educacionais, não me dediquei mais a esse tema. 
Agora estou lançando o livro de Saulo a Paulo, a história recontada inteiramente em versos para crianças e que faz parte da série Grandes Pessoas. Na verdade, muito antes de imaginar lançar essa série, quando ainda nem tinha fundado a Editora Comenius e minha mãe ainda estava encarnada, escrevi esse texto, constituído de 70 estrofes. Talvez uns 18 ou 19 anos atrás. 
Por conta desse lançamento, reli de cabo a rabo Paulo e Estêvão e decidi fazer esse balanço público da minha relação com Paulo de Tarso. Essa releitura me fez muito bem, porque me levou às motivações profundas que enraizaram os ideais dessa minha presente vida e aos sentimentos mais viscerais que ainda nutrem a minha personalidade. 
Primeiro, devo dizer, que o romance de Emmanuel resistiu ao tempo, em sua estrutura literária, belissimamente escrito, em sua mensagem que revitaliza o espírito e acende ideais. Apesar, é claro, de hoje minha visão a respeito desse livro ser muito diversa de anos atrás. Dediquei-me ao estudo dos primeiros 300 anos de Cristianismo, com autores como Bart Ehrman, Richard Rubenstein ou Paul Johnson, afora todas as novidades de manuscritos descobertos no século XX, que lançaram novas luzes sobre os Evangelhos. Com esse conhecimento, fica claro que o romance de Emmanuel é um romance. Tem uma validade histórica relativa. Por exemplo, sabemos hoje que os conflitos entre Paulo e Tiago não foram tão amistosos como parecem ter sido nos relatos de Emmanuel, com uma reconciliação final tão fraterna e cristã. Mais: Paulo certamente conservou traços de autoritarismo de sua personalidade depois de sua conversão. E não se tornou aquele modelo de humildade que Emmanuel retrata. Outra coisa que me chamou atenção nessa leitura de agora: na narrativa de Emmanuel, a leitura e a cópia de um manuscrito de Levi ocupam lugar central da história. Todos os apóstolos liam, copiavam etc. Hoje se sabe que eram todos analfabetos. Com exceção do próprio Paulo, que era doutor da Lei e talvez de Mateus (ou Levi), que era cobrador de impostos. A escrita e a leitura não ocupavam essa centralidade entre os primeiros cristãos, mas sim o ensino oral, pois a maioria da população não sabia nem ler nem escrever. 
Tudo isso apenas para dizer que os romances mediúnicos (os bons romances que hoje nem existem mais) não têm a intenção de nos dar informações históricas, porque cabe a nós, encarnados, pesquisar a História. A intenção dos Espíritos é de nos edificar com uma mensagem estimulante, uma inspiração positiva – como aliás, fez comigo. 
Mas voltemos à figura de Paulo. Passado esse arrebatamento juvenil pelo apóstolo, tive que me defrontar com as numerosas críticas que existem em torno de sua doutrina e atuação. Muitos historiadores do cristianismo, entre eles Charles Guignebert (que li por conselho de Herculano Pires) ou Paul Johnson, consideram que Paulo é o verdadeiro fundador da Igreja, tendo lançado a base dos dogmas que ainda empanam a pureza da mensagem de Jesus. Exemplo disso é a ideia do pecado original, que não aparece nas palavras de Cristo, sempre otimista em relação ao ser humano: “vós sois deuses”, “sede perfeitos como vosso Pai celestial é perfeito”. 
Outra acusação séria e verdadeira, feita a Paulo, é que se encontram em suas epístolas, traços do machismo que promoveu a exclusão da mulher como participante ativa nas práticas cristãs. E ainda há seu conservadorismo político, manifesto por exemplo na Epístola aos Romanos, que pode ter fundamentado a teoria do “direito divino” na Idade Média, ideia segundo a qual temos de respeitar a autoridade constituída, porque ela foi posta por Deus. 
É verdade que Paulo, como ex-doutor da Lei judaica, como filho de seu tempo, numa cultura greco-romana e judaica (as três extremamente patriarcais), inserido num contexto pessoal de culpa (tinha matado Estêvão, promovido vasta e sangrenta perseguição aos cristãos), impregnado dos conceitos bíblicos do pecado, não poderia se furtar a carregar tudo isso para sua interpretação da mensagem de Jesus! Não é possível julgarmos um homem de dois mil anos atrás, com nossos conceitos de hoje. Ele compreendeu e traduziu Jesus, como um ex-doutor da Lei daquele contexto histórico e com aquela história pessoal poderia compreender! 
Mas o que pode ainda nos inspirar Paulo, sua luta, sua vida?…Muitas coisas. Tanto que ao reler sua história agora, aos 51 anos de idade, consegui sentir em mim as mesmas emoções motivadoras, que me tocaram aos 11 anos de idade. 
Embora carregando para a sua tarefa de difusão do cristianismo nascente, as marcas de sua herança cultural, só Paulo podia fazer o que fez: arrancar a mensagem de Jesus do exclusivismo judaico e espalhá-la aos quatro cantos do Império Romano. Não foi à toa que Jesus o chamou para isso. O que me fascina em Paulo, ainda hoje, é seu espírito desbravador e universalista, fiel até o sacrifício e a morte a uma incumbência recebida. É daquelas almas que quando possuídas de um ideal, quando encarregadas de uma missão, não medem esforços, não se detém diante de nenhum obstáculo, percorrem estradas, atravessam mares, se defrontam com inimigos e vão até o fim. Devoção sem limites, ímpeto sem descanso, coragem sem esmorecimento. 
Exatamente dessas virtudes precisava o homem que fosse desentranhar a mensagem de Jesus do seu horizonte apenas judaico, para lançá-la ao mundo e semeá-la na história e fazer com que ainda hoje a tivéssemos em mãos. E isso, apesar de suas licenças históricas, o romance de Emmanuel retrata muito bem. 
E exatamente dessas virtudes que precisa qualquer pessoa ainda hoje que queira levar adiante uma causa nobre, que queira participar do bom combate pela mensagem do Reino, qualquer pessoa que tenha recebido alguma incumbência existencial que implique em mexer com mentalidades cristalizadas, com corações adormecidos, para acordar consciências! 
Mudanças significativas, desbravamento de novas ideias, semeaduras de paradigmas transformadores não se fazem com pessoas mornas, pacatas e sossegadas no seu canto. É preciso garra e paixão, ímpeto e capacidade de sacrifício para empreendimentos assim. Isso não significa santidade e perfeição, como Paulo não era santo, nem perfeito. Apenas a pessoa certa para a tarefa em vista. 
A personalidade de Paulo também me atrai pela sua sinceridade absoluta, com seu ódio à hipocrisia, pela sua incapacidade de fazer compromissos com princípios e ideias (o que para muitos pode parecer agressividade e inflexibilidade). 
É fácil entender por que Paulo tanto me encantou. Minha tarefa existencial – que não é maior ou melhor do que outras tarefas – também requer essa coragem, esse espírito desbravador e essa sinceridade de princípios. 
Às vezes, isso não agrada a muitos. Mas, espero estar cumprindo com a fidelidade paulinamente teimosa a incumbência recebida. A releitura de Paulo me realimentou, passados 40 anos, os mesmos sentimentos apaixonados de agir pela mensagem do Reino, nesse mundo que ainda é um grande Império Romano. E não posso deixar de mencionar que o meu grande inspirador na infância e adolescência, J. Herculano Pires, assinou durante décadas uma coluna no Diário de São Paulo, com o pseudônimo de Irmão Saulo. Coincidência de inspirações? 
Para finalizar, uma consideração a respeito das Epístolas de Paulo, que hoje são consideradas pelos pesquisadores das escrituras como efetivamente os documentos mais antigos que temos do cristianismo primitivo (todos os evangelhos foram escritos depois das epístolas): apesar das heranças judaicas, apesar de algumas ressonâncias da cultura da época, esses textos de Paulo contém pérolas espirituais muito valiosas. Por exemplo, apesar da ideia de pecado original, há frases profundamente otimistas em relação ao ser humano, como “somos herdeiros de Deus e co-herdeiros do Cristo”. E apesar de muitas vezes se acusar Paulo de ser um espírito duro e autoritário, ele escreveu umas das mais belas páginas de todos os tempos sobre o amor:

Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse amor, seria como o metal que soa ou como o sino que tine. E ainda que tivesse o dom de profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda que tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse amor, nada seria. E ainda que distribuísse toda a minha fortuna para sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, e não tivesse amor, nada disso me aproveitaria. O amor é paciente, é benigno; o amor não é invejoso; o amor não trata com leviandade, não se ensoberbece. Não se porta com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita, não suspeita mal; Não folga com a injustiça, mas folga com a verdade; Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. (Cor. I, 13) 

Dora Incontri 

sábado, 23 de agosto de 2014

O susto da ajuda espiritual


Popularmente, se diz que “Deus escreve certo por linhas tortas”, e essa realidade se apresenta com certa constância em nossa vida. Presenciei uma cena especial, estava sentado observando o quintal, quando percebi um pequeno pássaro, um filhote que não voava e certamente seria presa fácil aos cães e possíveis felinos que apareceriam pelo canto escandaloso do filhote. Tocado por um senso instintivo de auxílio ao mais fraco, resolvi ajudar o pequeno pássaro a sair da provável zona de risco, levando-o a um lugar seguro. No processo de execução do meu plano de auxílio, levantei e segui em direção ao filhote, que começou a correr em voos mínimos que mal saiam do chão e gritava crendo que eu o mataria. No momento parei, tocado pelo desespero do filhote, que deveria me ver como um gigante avassalador, mas segui na intenção de salvá-lo. Os gritos dele aumentavam significativamente e finalmente entre minhas mãos, acreditei que ele estouraria pelos gritos que emitia sem sessar, com as pequenas asas desarrumadas pelo constante debatimento. Conduzi o filhote vencido entre as mãos, imaginando que ele estaria esperando ser devorado, até que o coloquei lentamente num canto protegido por folhagens e me afastei. Sai pensando o que ficou na cabeça do pássaro (se é que ele pensa), não deve ter entendido nada, primeiro eu saio atrás dele até pegá-lo e depois solto, creio que ele nunca saberá que a angustia que ele sentiu era justamente a ajuda. Conosco acontece o mesmo, muitas vezes passamos por angustias injustificáveis e por mais que tentemos não entendemos o porque de tantas dificuldades e mal sabemos que muitas vezes, trata-se justamente da ajuda que precisamos. Nem sempre para sanar nossas necessidades imediatistas, mas sempre atendendo as nossas necessidades como espíritos imortais. Na questão 501 de “O Livro dos Espíritos” encontramos a seguinte pergunta: 

- Por que é oculta a ação dos Espíritos sobre a nossa existência e por que, quando nos protegem, não o fazem de modo ostensivo? 

E a resposta é merecedora de profunda reflexão: “Se vos fosse dado contar sempre com a ação deles, não obraríeis por vós mesmos e o vosso Espírito não progrediria. Para que este possa adiantar-se, precisa de experiência, adquirindo-a frequentemente à sua custa. É necessário que exercite suas forças, sem o que, seria como a criança a quem não consentem que ande sozinha. A ação dos Espíritos que vos querem bem é sempre regulada de maneira que não vos tolha o livre-arbítrio, porquanto, se não tivésseis responsabilidade, não avançaríeis na senda que vos há de conduzir a Deus.

Roosevelt Andophato Tiago
Barra Bonita, SP (Brasil) 

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quarta-feira, 20 de agosto de 2014

A hipótese insuperável de Kardec


Terminei esta semana a leitura do livro “Kardec, a biografia”, de Marcel Souto Maior. Gostei do Livro, com os senões (e vantagens) de uma obra escrita por alguém que está de fora das fileiras espíritas, pelo menos no discurso, mas que soube retratar de forma leve os eventos históricos que conduziram a chamada codificação da doutrina espírita e que hoje nos alenta e nos inspira, nas lutas cotidianas. 
Bem redigido, de forma clara e didática, antecipando o roteiro da película a ser produzida, o livro mostra um Kardec homem, com dificuldades, inserido em um contexto político e filosófico, para assim ser o baluarte do espiritualismo moderno, que entre mesas girantes e cadernos manuscritos, produziu um manancial de conhecimento a influenciar o mundo até hoje, passados mais de 150 anos. 
A leitura do livro mostrou-me um homem de ciência, sagaz e bem-intencionado que, diante de fenômenos populares envolvendo mesas girantes, busca identificar a sua gênese e com o apoio das informações fornecidas pelos próprios causadores dos fenômenos, os Espíritos, elabora assim uma tese que deu conta daquela casuística, abrangendo um sistema filosófico amplo, sobre a natureza e o destino do ser humano no universo. 
 Essa tese, fundamentada na imortalidade da alma, na comunicabilidade dos Espíritos e nas múltiplas existências, inédita na sua integração, jaz insuperável, influenciando um sem-número de produções culturais, que trazem nesse paradigma seu espelho, no qual, apesar da baixa difusão percentual do Espiritismo como movimento religioso, esta doutrina tem, por meio de seus princípios basilares, conquistado seu espaço nesses mais de 150 anos, ao sol das ilações sobre a vida futura. 
A imortalidade da alma, hipótese comum à maioria das religiões, tem mais recentemente ganhado corpo nas pesquisas sobre EQM-Estado de Quase Morte do Dr. Raymond Moody Júnior e Sam Parnia, na análise de pessoas que em estado de coma retornam à vida e narram situações similares. A despeito das hipóteses formuladas sobre a ação do subconsciente, os estudos continuam, amparados na hipótese básica. 
As múltiplas existências tiveram também seus baluartes, nas pesquisas e produções de Hemendras Banerjee, Brian Weiss, Albert de Rochas e Ian Stevenson, com destaque para os estudos da Profa. Hellen Wambach, que comparou dados das regressões com informações históricas sobre as sociedades. Recentemente a Terapia de Vidas Passadas se vulgarizou entre os profissionais, e tem-se estudado relatos de vidas passadas e a sua associação a marcas de nascença. Tem-se ainda, aí bem recentemente, os estudos na Universidade do Prof. Jim Tucker, que vira e mexe aparece nos programas televisivos com intrigantes casos de lembranças de vidas passadas. 
No campo da comunicação com o Além, os médiuns brasileiros forneceram grande material de estudo, nas mediunidades de Chico Xavier e os diversos estudos correlatos, em especial na questão da grafoscopia. Os casos mediúnicos de Divaldo Franco, Arigó, Peixotinho e do Médium de cura João de Deus têm sido objeto de estudos que ratificam e fortalecem as ideias postas por Kardec. 
O ceticismo ainda campeia, por comodismo, por interesse ou por decepção. Ainda que surjam explicações isoladas de céticos, de forma integrada esses fenômenos encontram guarida nas formulações kardequianas à luz dos depoimentos dos Espíritos, o que vem sendo reforçado pela ação dos estudiosos citados e outros desconhecidos, que labutam de forma incansável, enfrentando o preconceito da academia e a pressão de ideologias religiosas, como enfrentou Allan Kardec no seu tempo, conforme bem descrito pela sua presente biografia. 
Para além de uma revelação, Kardec apresentou um sistema lógico coerente como resposta ao fenômeno posto, construído a partir do material coletado das comunicações com os Espíritos. Uma hipótese que ele mesmo apresentou e refutou as contradições, ao estudar os sistemas no Capítulo IV de “O Livro dos Médiuns”. Ali, Kardec já se posiciona sobre as demais hipóteses em relação ao fenômeno mediúnico e expõe, por argumentos, por que a tese espírita se apresenta insuperável para dar conta da situação. E, até hoje, a explicação ainda é válida. 
Os pilares, a visão de que o fenômeno derivava de inteligências que, chamadas de Espíritos, nada mais eram dos que os homens sem a roupagem carnal, que se sucediam em existências no mundo de cá e de lá, permanecem robustos e convergentes aos estudos que se seguiram, pelas regressões, comunicações e lembranças. Dizer que Kardec é atual não é tomá-lo pela letra idêntica de um suposto livro sagrado e sim pela força do paradigma por ele proposto na explicação da fenomenologia espírita e de todo o contexto com base nesses pressupostos. 
O aspecto filosófico da hipótese espírita, abraçando Deus e o problema do ser, do destino e da dor, traz a essa uma grande força, impulsionando vidas à modificação de disposições, à reforma íntima e à prática da caridade, tornando nosso mundo melhor. Outras hipóteses, além de não atenderem a completude dos fenômenos, baseiam-se em pressupostos teológicos estranhos à razão, com deuses seletivos e injustos, atendendo a injunções e poderes estranhos à visão do bem. O Espiritismo se apresenta como uma verdade ratificada pela razão e pelos fenômenos, na cantiga de esperança que embala a humanidade, mas que se faz incômoda. 
Incômoda, pois rompe os grilhões filosóficos do mundo antigo, da idade de trevas e das visões escravizantes de vida futura, que Kardec não se furtou a tratar no livro “O Céu e o Inferno”. Ideias que ainda pululam por aí, acompanhadas dos mesmos fenômenos de outrora, à busca de soluções razoáveis, que já surgiram no século retrasado pelas mãos do mestre Lionês. 
Assim como ocorreu na biografia de Chico Xavier, acredito que o livro do escritor Marcel Souto Maior despertará o interesse pela obra Kardequiana no público em geral, obra essa que se apresenta insuperável, pelo método e pela consistência, na resposta aos fenômenos mediúnicos. O estudo sistematizado das obras nos permite entender a essência do Espiritismo e de como chegamos a compreender que mesas que giravam nos forneciam uma resposta filosófica para a existência. 
As ideias de Kardec influenciaram o mundo. Ainda que carentes de autoria específica do Espírito A ou B, talvez como um bom caminho para evitar a captura e a exposição, essas ideias seguem por aí em filmes e livros, distantes da estranheza de outras épocas. Ideias de um Deus justo, de vidas que não terminam, de mortos que não se calam, de falhas que são reparadas. Uma visão de mundo libertador que, pelo esforço de um homem, das pessoas à sua volta e das gerações que se seguiram, do mundo de cá e de lá, continua a nos brindar com o consolo que ampara, mas também com a sagacidade que liberta.

Marcus Vinícius de Azevedo Braga
Rio de Janeiro, RJ (Brasil) 

Imagem do livro e seu autor

domingo, 17 de agosto de 2014

Até quando viveremos assim?


No mundo corpóreo as influências dominam as relações humanas. Isso pode ser bom ou ruim para as pessoas, dependendo do caráter dessas influências. Um bom exemplo tem força de transformação a ponto de melhorar hábitos e renovar ideias. O contrário é ainda mais verdadeiro: por conta das suas imperfeições morais, o ser humano assimila o mau comportamento com grande facilidade.
Há, entre nós, a tendência em seguir modelos. Gostamos de imitar os outros. Fazemos isso automaticamente. Sem raciocinar, muitas vezes nos surpreendemos falando, pensando ou agindo igual àquele que nos impressionou com seu modo de ser.
A comparação é outro processo de influência entre os homens. Queremos nos comparar aos outros para medir nossa posição social, nosso desempenho, nossa inteligência etc. Normalmente nos comparamos a quem julgamos nos ser superior, jamais a quem está abaixo de nós. Tolo orgulho.
Curioso é que imitamos e nos comparamos, quase sempre, ao que é ruim, e acabamos “incorporando” em nossa vida vícios e erros que nos atraem. Identificamos, nos outros, aquilo que temos dentro de nós e isso estabelece uma ligação que não percebemos. Esse motivo existe neles, forte a ponto de nos influenciar; e em nós, a ponto de querer parecer com eles. Passamos a escravos da conduta alheia, deixamos de ser nós mesmos. Esquecemos nossa identidade própria e adotamos um estereótipo. Vivemos uma vida de aceitação passiva, sem nenhuma avaliação crítica, guiados pela moda, conformados com o estabelecido, o que nos acarretará frustrações e desenganos, cedo ou tarde.
Até quando viveremos assim, seguindo os outros, com prejuízo do nosso livre-arbítrio? Até quando agiremos pela cabeça de terceiros, sem pensar que isso possa estar nos desviando dos compromissos que nos compete realizar? 
Precisamos reagir e pensar sério num bom projeto de vida para nós; ganhar experiência, construir nossa personalidade sob valores de qualidade, aprimorar as características pessoais e fazer escolhas com mais cuidado. Importante ajuizar se os modelos que copiamos não estão atrasando nossa vida; se as pessoas em quem nos espelhamos e cujas atitudes parecem o máximo, não estão equivocadas. O nível de exigência em relação a nós precisa aumentar. O que é bom para os outros pode não servir para nós. Precisamos exercer nossa vontade, independentemente da opinião em voga, sem desprezar as referências éticas. 
Essas medidas garantirão nosso processo de crescimento interior, sem ilusões. Construtores do nosso destino, nós desenvolveremos um modelo próprio, segundo as características que nos identificam como seres individuais. As influências, naturais no convívio humano, nos afetarão de modo menos impactante, já que passaremos a filtrá-las segundo padrões assertivos. De tudo o que é lícito, acataremos só o que nos convier, conforme o ensino de Paulo de Tarso (I Coríntios, 6,12).
Está na hora de reagir, portanto, e seguir com mais fidelidade a nossa própria vocação, dando ouvidos à consciência, escolhendo o modelo de vida que mais tem a ver conosco e que nos porá no caminho de grandes realizações.

Cláudio Bueno da Silva
Osasco, SP (Brasil) 

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sábado, 9 de agosto de 2014

A religião em nós


Dessa forma, como observadores e observados, nos apoiamos, reconstruímos nossos valores e nossas crenças.
Somos seres sociais. Precisamos um do outro para o exercício do autoconhecimento. No outro, admiramos o belo, reconhecemos o feio, aprendemos sobre o erro, aplaudimos o acerto, identificamos fraquezas, reconhecemos a força. Ao contrário do dito popular, são os iguais que se atraem e não os opostos.
Toda religião merece nosso respeito. Toda religião pretende a mesma coisa: a evolução espiritual, através da prática do bem; e condena a mesma coisa: o exercício do mal. Afirma que somos irmãos por termos a mesma Filiação Divina, que somos iguais e devemos nos amar e nos ajudar. Então, se todas as religiões possuem os mesmos princípios, por que são tão diferentes entre si?
Não existe diferença substancial no pensamento religioso, mas sim no entendimento, no posicionamento a partir da maturidade espiritual. O bem é sempre o bem, o mal é sempre o mal. Em todos os livros sagrados da humanidade encontramos diretrizes e normas que não se alteram na essência. O que se altera são as expressões e o entendimento dos homens.
A religião tem como função aproximar aqueles que possuem as mesmas necessidades evolutivas. Cada ser acompanha o pensamento religioso de acordo com a sua maturidade espiritual. Assim, em grupo, ao identificarmos no outro uma fraqueza semelhante a que temos e observarmos sua luta para superá-la, nos fortalecemos e criamos coragem para lutar nossas próprias batalhas. Dessa forma, como observadores e observados, nos apoiamos, reconstruímos nossos valores e nossas crenças.
Todo agrupamento pela religião, seja ela qual for, não está reunido ao acaso, mas pelas necessidades de aprendizado. Em Mateus, 6:33, encontramos: “Buscai primeiro o reino de Deus e sua justiça, e tudo o mais vos será dado por acréscimo”. O verdadeiro religioso deve crer que, se houver sinceridade em seus atos, Deus fará sua parte. E, então, deverá trabalhar para seu sustento material, mas trabalhará com a certeza de que nada lhe faltará para uma vida tranquila. Isso porque estará disponibilizando, com sinceridade, uma parte de seu tempo para aprender e praticar o que Jesus nos deixou: o conhecimento e o exemplo através da caridade.
Ser religioso não se resume em dizer-se espírita, católico, budista, umbandista, protestante etc. Significa, sim, agir com sinceridade, que nada mais é do que fazer ao próximo o que se deseja para si mesmo. Todo equívoco nos dá a oportunidade de aprendizado, de transformação. Deus não castiga. Ele nos premia. O castigo é uma invenção humana. Ele é a justiça suprema.
Ir à casa religiosa, participar de todos os seus eventos, chamar Jesus de Mestre, proclamando-nos crentes em Deus e possuidores de muita fé não nos torna verdadeiros religiosos. Os atos exteriores, se não refletirem nossa modificação íntima e a conscientização de nossos deveres, de nada servirão para nos ajudar ou ajudar a quem precisa. Deus reconhece o que temos dentro de nosso espírito, independentemente do que dizemos ser.
Há falsos religiosos, que enganam a boa fé dos que os escutam. Falam de Deus, pregam sobre Jesus através dos Evangelhos, enchem casas religiosas prometendo milagres para quem se dispuser a lhes dar o pagamento da enganação, mas seus corações só buscam o prazer material, proporcionado pela ingenuidade de quem os segue.
“Basta a cada dia o seu mal”, lembra o Mestre. Cuidemos de nosso presente, dando a devida importância para a verdadeira religião e a vida nos sorrirá com mais frequência. Não haverá por que praticarmos religião por conveniência, pois sua busca com consciência e responsabilidade nos tornará homens melhores, e sentiremos esta mudança em nossas vidas.
Sejamos como o bom samaritano que, independentemente da raça e da religião, era um verdadeiro homem de bem, um sincero religioso. 

“Como crês? Ninguém sabe... O mundo apenas
 Sabe que és luz nas aflições terrenas,
 Pela consolação que te abençoa.

 Seja qual for o templo que te exprime,
 Deus te proteja o coração sublime
 Alma querida e bela, humilde e boa.”

(Alma Querida, Auta de Souza, psicografia de Francisco Cândido Xavier)

Maria Angela Miranda
Londrina, PR (Brasil)  

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Encontro com Divaldo - Ciclo de palestras pela Europa (2014)

terça-feira, 5 de agosto de 2014

Aproveitar o tempo


Lúcio, de dez anos, estava sempre a reclamar não ter tempo para nada. Quando a mãe lhe perguntava se tinha tarefas da escola para fazer, ele respondia:
— Sim, mas agora não tenho tempo. Estou brincando.
Mais tarde a mãe voltava a perguntar:
— Meu filho, você já fez os deveres da escola?

— Não, mamãe. Depois eu faço; agora estou vendo televisão!
E assim ele deixava para depois tudo que era realmente importante. Certo dia, a professora Meire mandou um recado para a casa dele, pedindo que a mãe de Lúcio comparecesse à tarde. Surpresa, a mãe agradeceu, confirmando.


Quando Lúcio chegou, a mãe quis saber como fora a manhã dele. O menino olhou para ela e respondeu:
— Tudo bem!
 Depois do almoço, a mãe deu uma desculpa e foi à escola.
Meire, que a esperava, levou-a até a sala dos professores e, após se acomodarem, a professora perguntou:
— Alzira, o que está acontecendo com Lúcio? Ele não tem feito os deveres de casa e não estuda para as provas, alegando não ter tempo. Gostaria de saber se isso é verdade, pois é grave a situação. As notas dele estão muito baixas!
A mãe, que ouvia de olhos arregalados, respondeu:
— Não sabia que ele estava mal assim! Quando pergunto sobre as provas, Lúcio diz que a professora ainda não deu as notas, nem entregou o boletim.
— Não é verdade. Procure conversar com seu filho e saber o que está acontecendo.  Estou preocupada, Alzira!
— Diante do que me disse, eu também! Obrigada, Meire. Vou falar com ele.

               
A mãe retornou a casa e encontrou o filho no computador, distraindo-se com um jogo. Pediu que ele desligasse para poderem conversar.
— Agora não posso, mãe. Estou ocupado, não vê? Não tenho tempo!
A mãe levou a mão na tomada e desligou o computador, afirmando:
— Agora nós vamos conversar, meu filho.
Levou-o para a sala e sentou-se com ele. Depois quis saber:
— Lúcio, você sabe o que significa “tempo”?
— Claro que eu sei, mãe! O tempo representa nossa vida. 60 segundos formam um minuto; 60 minutos, uma hora, e 24 horas representam um dia, e assim o mês e o ano... É isso que quer saber?
— Sim, mas vai muito além, meu filho. Perguntei de “tempo”, como oportunidade que Deus nos concede de vivermos e podermos aprender, não apenas na escola, mas com a própria vida; realizar coisas que nos agradem, crescer e evoluir. Mais tarde, escolher uma profissão para ajudar a nós mesmos e a outras pessoas. Entendeu?
— Sim, mãe, mas qual é o problema? Aonde quer chegar?
— Como você gasta seu tempo, Lúcio? — ela respondeu com outra pergunta.
O garoto baixou a cabeça e não disse nada. Então, a mãe considerou:
— O problema, meu filho, é que você gasta seu tempo inutilmente! Nada faz de bom ou de instrutivo, e, por isso, tem problemas. Não valoriza os estudos, especialmente.
— Ah, mãe, é que eu gosto de brincar, jogar, ver televisão! — o garoto murmurou, sem levantar a cabeça.
— Eu sei, você é criança ainda! Mas não pode fazer “apenas” isso! Tem que estudar também, filho. Teremos que prestar contas a Deus pelo tempo que desperdiçamos. Programando seu dia com cuidado, você pode fazer de tudo, sem se descuidar de nada.       
O garoto concordou, e contou à mãe, abrindo-lhe o coração:
— É verdade, mãe. Minhas notas estão péssimas! Eu sei que preciso estudar mais!
Depois, respirou fundo e sorriu aliviado:
— Mamãe, eu estava preocupado. Reconhecer essa verdade e contar para você deixou-me bem melhor. Preciso mesmo programar meu dia! Ajude-me!
— Eu o ajudo, meu filho. Pode contar comigo, mas procure colocar tudo no papel.

Lúcio pegou uma folha, colocou seus horários dividindo as horas. Com exceção da manhã — que era horário escolar —, e deixou um espaço para descanso logo após o almoço; depois, o horário de tarefas e estudo. E viu que ainda sobraria tempo, antes de escurecer, para brincar com os amigos! Feliz, ele mostrou a folha para a mãe, que aprovou.
— Muito bem, meu filho! Agora você só precisa obedecer a essa programação.


— Pode ter certeza, mamãe. Não quero que o Pai do Céu me cobre pelo tempo que desperdicei aqui na Terra. Vou fazer preces pedindo a Jesus que me ajude a ser mais organizado. Tenho certeza de que vou conseguir!
Alguns meses depois, as notas de Lúcio estavam bem melhores e mostrou o boletim para a mãe, com satisfação.
— Você está indo bem e, certamente, tem tido muita ajuda de Jesus! Parabéns, meu filho! Estou orgulhosa de você. Mostrou que tem vontade: decidiu mudar e manteve sua decisão.
— E sobra tempo para tudo, mamãe!

Meimei

(Recebida por Célia X. de Camargo, em 9/06/2014.) 

Enviado por: Célia Xavier de Camargo 
cxcamargo@uol.com.br
Rolândia-PR