domingo, 5 de julho de 2015

O necessário e o supérfluo, mas sem passar batido


O jornalista espírita André Trigueiro, meu amigo-irmão, é especialista na área ambiental. Tem livros publicados e também faz inúmeras palestras sobre o assunto, tanto em centros espíritas como em universidades, igrejas católicas e em todo local onde houver um grupo religioso, estudantil ou entidade de classe interessada em meio ambiente, assunto de suma importância para melhor nos situarmos no mundo atual, às voltas com mudanças climáticas, consumismo e afins. 
Certa vez, em Petrópolis, durante o seminário “Ecologia e Paz”, o André, ressaltando que a Doutrina Espírita aborda várias vezes a questão ecológica, disse que precisamos deixar de passar batido pelo item “O necessário e o supérfluo”, de “O Livro dos Espíritos” (terceira parte, capítulo cinco, questões 715 a 717). 
Confesso que não lia essas questões há um tempo. Passei batido também, como advertiu o André. E fiquei surpreso ao ver que são apenas três questões que, de fato, devem passar despercebidas para muitos. É como se as três formassem um item de menor importância, perdido na parte que estuda as Leis Morais. Como nada nas obras de Kardec é mais ou menos importante (tudo tem o mesmo e importantíssimo peso) e eu também sou um entusiasta da questão ambiental, resolvi me debruçar sobre as três. Que Santo André Trigueiro, padroeiro das causas ecológicas, me ajude! 
Na questão 715, Kardec pergunta “Como pode o homem conhecer o limite do necessário?”. A resposta diz que o homem ponderado conhece tal limite por intuição. Muita gente, no entanto, só irá conhecê-lo à própria custa, ou seja, batendo cabeça. 
Quando reli essa questão, lembrei-me de uma senhora com quem dividi algumas sessões de fisioterapia quando torci o tornozelo há alguns anos. Conversa vai, conversa vem, ela contou que ela e o marido moravam numa casa com cinco suítes. Uma para o casal. As demais, para os quatro filhos homens. Só que os filhos já haviam saído de casa por terem casado ou ido trabalhar em outra cidade. Ficaram ela e o marido morando numa residência cheia de suítes, que ela mantinha fechadas e nas quais não entrava havia meses. Contou, também, que por ser uma casa grande, havia demorado a ficar pronta. Por isso, os filhos aproveitaram pouco das suítes. Perguntei se ela pensava em vender a casa, quem sabe para alguém interessado em transformá-la numa pousada. A casa, disse a senhora, estava à venda, mas ainda não havia aparecido comprador. 
É claro que se tenho dinheiro e sou pai de quatro filhos, não vou morar com minha família numa casa apertada. Mas se ajo com ponderação, como ressalta “O Livro dos Espíritos”, perceberei que, em breve, eu e minha esposa corremos o risco de ficar sozinhos numa casa imensa. Creio que se os proprietários tivessem construído uma casa com dois quartos para os filhos (dois filhos por quarto) e dois banheiros sociais, fora a suíte de marido e mulher, a casa estaria num bom tamanho. Todos teriam aproveitado mais não só a casa, mas também a companhia uns dos outros. 
Na Região Serrana do RJ, onde vivo, há casas cinematográficas em profusão. Todas com inúmeras suítes (com closet), churrasqueira, forno a lenha, salão de jogos, casa de hóspedes, piscina, sauna seca e a vapor e por aí vai. Muitas delas à venda há meses. Não aparece comprador. Hoje em dia, muita gente não dispõe de tempo e dinheiro para manter uma mansão. 
Quando “O Livro dos Espíritos” diz que muitos vão conhecer o limite do necessário pela própria – e muitas vezes sofrida – experiência é porque não sabemos lidar com a matéria de forma equilibrada. Geralmente, pensamos que ser materialista é não acreditar em Deus ou na existência de algo além da morte. Mas materialismo também é não parar para pensar na hora de construir um imóvel que, mais adiante, se transformará num elefante branco. Não só pelo tamanho do mesmo, mas pela quantidade de tempo e dinheiro que a casa mega linda requer para permanecer de pé e arrumada. Estou falando de impostos altos, número de empregados, material de limpeza... Tudo para dar conta do número exagerado de quartos, salas e banheiros que a gente inventou. Haja material de construção! E cimento, barro, madeira e Cia. Ltda. vêm de onde? Da Natureza, que já demonstra sinais de saturação por causa de tanta extravagância. 
A resposta à pergunta 716 diz que a Natureza deu ao homem uma organização que lhe traça os limites da necessidade. O homem, porém, tudo alterou por causa de vícios que o fizeram criar necessidades nada reais. 
Hoje em dia, é farta a oferta de confeitarias, restaurantes de comida a quilo, lanchonetes de comida rápida... Comida saborosa, farta e acessível. Mas será que temos necessidade de, todo santo dia, tomar refrigerante, comer brigadeiro, se entupir de batata frita? 
Em 16 de dezembro de 2013, o pediatra carioca Fábio Becker deu entrevista ao programa “Roda Viva”, da TV Cultura. Ele abordou a questão da comida pronta de hoje em dia. Nos Estados Unidos, paraíso do alimento industrializado, a comida é feita com sabor, crocância e consistência ideais para que a criança rejeite o alimento natural quando o provar. Dessa forma, diz ele, corremos o risco de ter crianças que só aceitam comida fabricada e rechaçam a couve, o chuchu, a beterraba... Vícios que alteram nossa constituição e criam necessidades irreais, conforme observa o sempre atual “O Livro dos Espíritos”. 
O André Trigueiro é inimigo do closet. Em suas palestras, ele sempre fala da desnecessidade de fazermos um cômodo estilo sala de troféus para exibir a coleção de sapatos, gravatas, lingerie, camisas, toalhas felpudas e sabe lá Deus o quê. E esse cômodo supérfluo tem, ainda por cima, iluminação especial, feita por um “light designer”. Haja energia elétrica! 
Se o André elegeu combater o closet, eu escolhi a varanda gourmet como inimiga. Tenho visto, em recentes lançamentos imobiliários no RJ e SP, apartamentos com as tais varandas, que vêm equipadas com churrasqueiras. Será que precisamos de churrasqueiras em varandas de apartamentos? Fico imaginando o fumacê se todo mundo resolver fazer churrasco no mesmo dia. Sabemos que uma das grandes causas de desmatamento na Amazônia é a criação de pastos para o gado. Portanto, a fumaça do exagero churrascal é a mesma das queimadas na Amazônia. Será que precisamos consumir tanto churrasco assim? Será que virou um item de primeira necessidade, a ponto de novos apartamentos já virem com a tal da varanda gourmet? Além disso, a área de serviço teve o espaço bastante reduzido para dar lugar à dita cuja gourmet. Há lugar para tanque, máquina de lavar e um pequeno armário. Nada mais. Será que só eu lavo e seco roupa em casa? 
Todos nós sabemos que o dia a dia doméstico não é varanda gourmet. É, entre outros itens, um local para secar a roupa que foi lavada. Digo isso porque já vi apartamentos de condomínios luxuosos cheios de varais de chão na varanda gourmet. Ou seja, não há local para secar a roupa. E quando chove, os varais de chão repletos de panos de pratos, meias e afins molhados ficam na sala. Eu particularmente prefiro uma boa área de serviço a uma varanda gourmet. Abaixo a varanda gourmet! 
Por fim, a questão 717, que diz que os homens que se apropriam dos bens da Terra para ter o supérfluo enquanto muitos não possuem o necessário terão de responder pelas privações que causam. Estas palavras me fazem lembrar Madre Teresa de Calcutá. Uma vez, ao desembarcar nos Estados Unidos para uma conferência, ela ficou horrorizada ao ver a quantidade de comida que estava sendo jogada fora no aeroporto. Comida industrializada, cheia de gordura. Mas ainda assim, comida. Comida feita de trigo, carne, leite, milho, batata e outros itens, que foram tirados na Natureza (Olha ela aí novamente!), para alimentar um bando de gente que come em excesso e joga fora toneladas de alimentos todos os dias. Até quando? 
No livro “Mundo Sustentável”, o André Trigueiro, referindo-se ao desenho animado “Mogli, o Menino Lobo”, cita a música cantada pelo Urso Balu, amigo do personagem-título: - Necessário, somente o necessário. O extraordinário é demais. 
Sei que às vezes é difícil estabelecer o limite entre o necessário e o supérfluo. Mas como diz o André Trigueiro, um bom indício é evitarmos fazer coleção. Todos sabem quantos sapatos, celulares, automóveis, toalhas e peças de roupa devem ter. É questão de foro íntimo. Mas se alguém começa, por exemplo, a fazer coleção de sapatos, é melhor acender o sinal de alerta. Afinal, como diz o adendo à questão 717, “Tudo é relativo, cabendo à razão regrar as coisas”.

Marcelo Teixeira

Imagem ilustrativa

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