quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Não fique atolado no passado


O passado constitui a base para a edificação do presente,
com os olhos postos na felicidade do futuro 

“Aceite o passado como passado, sem negá-lo ou descartá-lo. Tenha suas lembranças, mas não viva no passado.” -      Morrie Schwartz 

Morrie Schwartz estava morrendo... Durante mais de três décadas fora um daqueles professores que marcam especialmente a vida dos alunos. Ensinou Sociologia na Universidade Brandeis, em Waltham, Massachusetts, por 35 anos, antes de aposentar-se...
Pouco antes de morrer, já completamente paralisado sobre o leito, depois de inglória luta contra uma insidiosa enfermidade conhecida pelo nome de esclerose lateral amiotrófica (ELA), ou doença de Lou Gehrig, ditou suas reflexões, enfeixadas no livro intitulado: “Lições Sobre Amar e Viver”, da Editora Sextante, do qual extratamos parte do capítulo cinco:

“(...) Viver no momento presente não significa rejeitar o passado; significa reagir a qualquer coisa que esteja ocorrendo agora. Se ficarmos pensando no passado, estaremos presos a ele em termos emocionais. Não são só os idosos ou pessoas com doenças graves que têm motivos para remorsos. Todos nós, no correr da vida, em algum momento pensamos: ‘se ao menos eu tivesse agido assim; se ao menos eu me tivesse casado com aquela pessoa; se ao menos eu tivesse dado aquele passo na minha carreira’. Se nos deixamos dominar por esses pensamentos, ficamos atolados no passado, o que é um grande desperdício de tempo. Em vez disso, olhemos para o passado e perguntemos: o que posso aprender com ele? Como ele pode me ajudar aqui e agora?”

APRENDA A SE PERDOAR E A PERDOAR OS OUTROS...

“(...) O perdão enternece o coração, esgota o rancor e dissolve a culpa.”

M. Schwartz.

A epígrafe acima tem o mesmo sentido daquela proferida por José, Espírito protetor, registrada há décadas no livro terceiro da codificação espírita[1]: “(...) sede indulgentes, meus amigos, porquanto a indulgência atrai, acalma, ergue; ao passo que o rigor desanima, afasta, irrita!...”

Completa M. Schwartz: “(...) somos excessivamente rigorosos conosco mesmos pelo que não realizamos ou pelo que deveríamos ter feito. O primeiro passo é perdoar-se por tudo aquilo que você não fez e que deveria ter feito, assim como por tudo o que fez e que não deveria ter feito. Livre-se da culpa. Sentimentos negativos não fazem bem a ninguém. A melhor forma de lidar com eles é perdoando-se e perdoando os outros.
O perdão é um termo difícil. Ele não significa apenas um pedido de desculpas, embora o remorso pelo que se fez sem dúvida faça parte dele. Podemos querer reparar o erro, se possível, mas há algumas circunstâncias em que não há nada mais que se possa fazer. Mesmo quando não temos como fazer as pazes com alguém, é preciso dizer a nós mesmos: é, fiz isso, e teria sido melhor se não tivesse feito, mas agora quero me perdoar por ter cometido esse erro.

O perdão nos ajuda a entrar em harmonia com o passado. Aprendi a me perdoar e isso me ajudou a não sentir mais tristeza ou remorsos profundos acerca do meu passado”.

UTILIDADE PRÁTICA DO PASSADO

“(...) Há uma diferença fundamental entre usar o seu passado e chafurdar nele” – continua explicando ainda M. Schwartz – “digamos que eu tenha tido uma experiência com uma pessoa grosseira e que eu tenha retribuído com grosseria, mas que não queira mais agir dessa forma. Posso usar aquela experiência para desenvolver uma atitude diferente, sempre que alguém não for simpático comigo. Se eu não gostei da minha reação no passado, posso mudar minha atitude de resposta.

Podemos examinar o nosso passado, tirar proveito dos nossos sucessos e aprender com nossos erros sem nos julgarmos. Essa é uma hora excelente para passar a vida em revista, reparar erros, identificar arrependimentos e encará-los com desapego, procurar harmonizar relacionamentos não resolvidos e acertar assuntos pendentes.”
Consoante a Doutrina Espírita, ainda existem outros motivos pelos quais é de toda a conveniência o esquecimento do passado: lá pelos meados do século XIX, Allan Kardec[2] e os Espíritos Superiores escreveram: “(...) o homem não pode e tampouco deve saber tudo. Deus, em Sua infinita sabedoria, assim o quer. Esquecido o passado, ele é mais senhor de si... Em cada nova existência, o homem dispõe de mais inteligência e melhor pode distinguir o bem do mal. Onde o seu mérito se se lembrasse de todo o passado? Quando o Espírito volta à vida anterior (a vida espírita), diante dos olhos se lhe estende toda a sua vida passada: vê as faltas que cometeu e que deram causa ao seu sofrer, assim como de que modo as teria evitado. Reconhece justa a situação em que se acha e busca então uma existência capaz de reparar a que vem de transcorrer. Escolhe provas análogas às que não soube aproveitar, ou as lutas que considere apropriadas ao seu adiantamento e pede a Espíritos que lhe são superiores que o ajudem na nova empresa que sobre si toma, ciente de que o Espírito, que lhe for dado por guia nessa outra existência, se esforçará pelo levar a reparar suas faltas, dando-lhe uma espécie de intuição das em que incorreu. Tendes essa intuição no pensamento, no desejo criminoso que frequentemente vos assalta e a que instintivamente resistis, atribuindo, as mais das vezes, essa resistência aos princípios que recebestes de vossos pais, quando é a voz da consciência que vos fala. Essa voz, que é a lembrança do passado, vos adverte para não recairdes nas faltas de que já vos fizestes culpados. Em a nova existência, se sofre com coragem aquelas provas e resiste, o Espírito se eleva e ascende na hierarquia dos Espíritos, ao voltar para o meio deles.
Não temos, é certo, durante a vida corpórea, lembrança exata do que fomos e do que fizemos em anteriores existências; mas temos de tudo isso a intuição, sendo as nossas tendências instintivas uma reminiscência do passado. E a nossa consciência, que é o desejo que experimentamos de não reincidir nas faltas já cometidas, nos concita à resistência àqueles pendores.

(...) Gravíssimos inconvenientes teria o nos lembrarmos das nossas individualidades anteriores. Em certos casos, humilhar-nos-ia sobremaneira; em outros nos exaltaria o orgulho, peando-nos, em consequência, o livre-arbítrio. Para nos melhorarmos, dá-nos Deus exatamente o que nos é necessário e basta: a voz da consciência e os pendores instintivos. 

Acrescentemos que, se nos recordássemos dos nossos precedentes atos pessoais, igualmente nos recordaríamos dos dos outros homens, do que resultariam talvez os mais desastrosos efeitos para as relações sociais. Nem sempre podendo honrar-nos do nosso passado, melhor é que sobre ele um véu seja lançado.
(...) Mergulhado na vida corpórea, perde o Espírito, momentaneamente, a lembrança de suas existências anteriores, como se um véu as cobrisse. Todavia, conserva algumas vezes vaga consciência dessas vidas, que, mesmo em certas circunstâncias, lhe podem ser reveladas. Esta revelação, porém, só os Espíritos superiores espontaneamente lha fazem, com um fim útil, nunca para satisfazer a vã curiosidade.
As existências futuras em nenhum caso podem ser reveladas, pela razão de que dependem do modo por que o Espírito se sairá da existência atual e da escolha que ulteriormente faça.
O esquecimento das faltas praticadas não constitui obstáculo à melhoria do Espírito, porquanto, se é certo que este não se lembra delas com precisão, não menos certo é que a circunstância de tê-las conhecido na erraticidade e de haver desejado repará-las o guia por intuição e lhe dá a ideia de resistir ao mal, ideia que é a voz da consciência, tendo a secundá-la os Espíritos superiores que o assistem, se atende às boas inspirações que lhe dão.
O homem não conhece os atos que praticou em suas existências passadas, mas pode sempre saber qual o gênero das faltas de que se tornou culpado e qual o cunho predominante do seu caráter. Bastará então julgar do que foi, não pelo que é, sim, pelas suas tendências. As vicissitudes da vida corpórea constituem expiação das faltas do passado e, simultaneamente, provas com relação ao futuro. Depuram-nos e elevam-nos, se as suportamos resignados e sem murmurar...
A natureza dessas vicissitudes e das provas que sofremos também nos pode esclarecer acerca do que fomos e do que fizemos, do mesmo modo que neste mundo julgamos dos atos de um culpado pelo castigo que lhe inflige a lei”.

O ínclito Codificador aduz com sua habitual lucidez[3]: “(...) em vão se objeta que o esquecimento constitui obstáculo a que se possa aproveitar da experiência de vidas anteriores.
Havendo Deus entendido de lançar um véu sobre o passado, é que há nisso vantagem. Com efeito, a lembrança traria gravíssimos inconvenientes. Poderia, em certos casos, humilhar-nos singularmente, ou, então, exaltar-nos o orgulho e, assim, entravar o nosso livre-arbítrio. Em todas as circunstâncias, acarretaria inevitável perturbação nas relações sociais.
Frequentemente, o Espírito renasce no mesmo meio em que já viveu, estabelecendo de novo relações com as mesmas pessoas, a fim de reparar o mal que lhes haja feito. Se reconhecesse nelas as a quem odiara, quiçá o ódio se lhe despertaria outra vez no íntimo. De todo modo, ele se sentiria humilhado em presença daquelas a quem houvesse ofendido.
Ao nascer, traz o homem consigo o que adquiriu[4], nasce qual se fez; em cada existência, tem um novo ponto de partida. Mas, pouco lhe importa saber o que foi antes: se se vê punido, é que praticou o mal. Suas atuais tendências más indicam o que lhe resta a corrigir em si próprio e é nisso que deve concentrar-se toda a sua atenção, porquanto, daquilo de que se haja corrigido completamente, nenhum traço mais conservará. As boas resoluções que tomou são a voz da consciência, advertindo-o do que é bem e do que é mal e dando-lhe forças para resistir às tentações.
Aliás, o esquecimento ocorre apenas durante a vida corpórea. Volvendo à vida espiritual, readquire o Espírito a lembrança do passado; nada mais há, portanto, do que uma interrupção temporária, semelhante à que se dá na vida terrestre durante o sono, a qual não obsta a que, no dia seguinte, nos recordemos do que tenhamos feito na véspera e nos dias precedentes.

E não é somente após a morte que o Espírito recobra a lembrança do passado. Pode dizer-se que jamais a perde, pois que, como a experiência o demonstra, mesmo encarnado, adormecido o corpo, ocasião em que goza de certa liberdade, o Espírito tem consciência de seus atos anteriores; sabe por que sofre e que sofre com justiça”.
“O passado merece ficar soterrado, constituindo a base para a edificação do presente, com os olhos postos na felicidade do futuro”.


[1] - KARDEC, Allan. O Evangelho seg. o Espiritismo. 125. ed. Rio: FEB, 2006, cap. X, item 16, § 5º.

[2] - KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 88. ed. Rio [de Janeiro]: FEB, 2006, questões: 392 a 399.

[3] - Kardec, A. O Evangelho segundo o Espiritismo.  104. ed. Rio [de Janeiro]: FEB, cap. V, item 11.

[4] - Mt., 16:27.

Rogério Coelho
rcoelho47@yahoo.com.br
Muriaé, MG (Brasil)

Imagem ilustrativa

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