segunda-feira, 7 de novembro de 2016

Reforma íntima, já!


“E disse-lhes: Por que estais dormindo? Levantai-vos e orai para que não entreis em tentação”.¹

No Monte das Oliveiras, o crepúsculo anunciava a chegada da noite, momento sublime convidando à meditação. Jesus, na companhia de Simão Pedro, João e Tiago, alcançou o monte para viver a derradeira hora com os discípulos amados. Sabia que ali mesmo seria preso, sentenciado e condenado ao calvário.
Solicitou o Mestre aos companheiros que permanecessem em oração e vigilância, junto com ele, para que tivesse a glorificação de Deus no supremo testemunho. Afastou-se e, colocando-se em prece, a pequena distância, pôde ser observado em toda sua sublimidade por aqueles corações que o ouviam e amavam.
Narra Lucas¹ que, sem motivo que pudesse ser explicado, os três adormeceram no decurso da oração, enquanto Jesus orava fervorosamente, mesmo diante de tão grande dor que se avizinhava.
Pensemos um pouco: O sono, conhecido por nós, é necessário para o refazimento das nossas energias físicas. Ele é indispensável à vida humana a fim de restaurarmos as condições orgânicas para a continuação da nossa vida material. Obviamente o ensino de Jesus não se referia a ele.
Essa passagem evangélica remete-nos, assim, a duas reflexões que devem ser expostas por estarem ligadas à nossa condição atual de eternos aprendizes da Sabedoria Divina. A primeira é uma chamada à conscientização das tarefas que estão sob nossos cuidados. Diz Emmanuel² que o aprendiz do Evangelho deve ser “o campo de trabalho do Reino, onde se esforçará, operoso e vigilante, compreendendo que o Cristo prossegue em serviço redentor para o resgate total das criaturas” – “Nenhuma das ovelhas de meu Pai se perderá”.
Todavia, não ignoramos a presença de inúmeros companheiros – e quantas vezes nós próprios! –com atividades alicerçadas nos ensinamentos cristãos a permanecerem dormindo nas conveniências pessoais, geralmente ligadas a interesses mesquinhos, nas vaidades efêmeras. Os chamamentos transitórios iludem-nos e fazem com que o tempo seja gasto em futilidades. Malbaratamos as oportunidades valiosas que nos são oferecidas para nosso crescimento espiritual e permanecemos voltados apenas para as questões pessoais que nos afetam o cotidiano.
O Mestre fala, então, de um sono diferente. Refere-se o Excelso Amigo ao sono da indiferença, do descaso, do comodismo, da invigilância, diante dos deveres que nos competem.
Com propriedade, ainda, lembra Emmanuel que “falam do Cristo, referem-se à sua imperecível exemplificação, como se fossem sonâmbulos inconscientes do que dizem e do que fazem, para despertarem tão só no instante da morte corporal, em soluções tardias”.² Somos os discípulos de hoje que esquecem o mandato do qual somos portadores, que se inquietam pela rápida execução dos seus desejos e caprichos, procurando aproveitar cada momento da existência como se fosse o último, acreditando que os dias correm depressa demais, sem tempo para tantos prazeres materiais a serem experimentados.
Esquecemos que a vida é eterna e que o tempo no corpo físico, ante essa eternidade, é quase nada. E ao despertarmos no mundo espiritual, obreiros distraídos que somos, os trabalhadores ausentes de suas obrigações, sob a cobrança das próprias consciências, choramos e clamamos pelo reencontro da paz do Cristo. “A minha paz vos dou. Não a paz do mundo, mas a minha paz.”
Assim, como Jesus, ao ver os discípulos dormindo, lhes disse: “Por que estais dormindo? Levantai-vos e orai para que não entreis em tentação”, também o discípulo invigilante ouve, nos refolhos da sua consciência, a voz do Senhor dizendo a Pedro: “Então, nem por uma hora pudeste velar comigo?” ³. E se não conseguimos, ainda, permanecer uma hora com o Cristo, na prática dos seus ensinamentos, como pretender a união com Ele para sempre?
Todo cristão sabe que a Terra só se libertará do império do mal se todos nós, trabalhadores do bem, ajudarmos Jesus com nossos recursos. Mas, para que isso ocorra, Ele precisa de auxiliares que cumpram seus deveres, nas atividades diárias e justas, como exemplos vivos, dando testemunhos em toda parte.
Somos, meus irmãos, os Lázaros modernos a quem o Cristo chama: Acorda! Levanta! Sai!
Acorda para a consciência de que és um ser espiritual, imortal, criado por Deus para viver na plenitude do Seu Amor.
Levanta dessa ociosidade que te prende às algemas materiais, que te limita a mente e te engessa no passado.
Sai do egoísmo que te bitola a visão do cosmo e te faz imaginar que és o centro do Universo.
Sai do “eu” fantasioso e amplia a mente para tudo que esteja ao teu redor, seja estrela, seja homem.
Abandona a velha estrutura que te mantém atado a valores antigos de cor, religião, posição social, e entrega-te a Deus, como ser cósmico que és,ser divino com luz própria e infinitas capacidades de voar para a felicidade plena.
Meus irmãos, Jesus desceu à Terra para deixar uma mensagem que tem, na sua essência, um alerta à necessidade de transformação das nossas predisposições íntimas, em relação à vida, com vistas ao nosso aprimoramento moral e espiritual.
Sem essa modificação, ficaremos, simplesmente, estacionados nos caminhos da vida, convivendo e praticando todas as espécies de vícios, de desregramentos, endurecendo nossos corações aos ensinamentos benditos.
E o maior problema que enfrentamos com esse sono da alma é a nossa imensa disponibilidade para as coisas materiais e a total falta de tempo, vontade, interesse, de disposição, de jeito para as coisas do Espírito. Com uma vida repleta de contradições, com diferentes tipos de sentimentos negativos a fazer morada em nós, é esperado que nos defrontaremos na vida espiritual, quando deixarmos o corpo físico, com as dificuldades de não termos amealhado os tesouros imperecíveis do céu: valores morais, valores perenes.
Dissemos que havia duas reflexões sobre a narrativa de Lucas e Mateus. Vamos encontrar a segunda, num conto de grande beleza,de Humberto de Campos.4 Diz o querido Instrutor Espiritual que, após o episódio do Horto das Oliveiras, onde dormira com seus companheiros – não atendendo ao pedido de Jesus para a oração e a vigilância –, no momento em que o coração amoroso do Mestre mais necessitava de assistência e afeto, João, o filho de Zebedeu, implorava, em lágrimas, que Ele perdoasse seu descuido da hora extrema.
“Certa noite, após as reflexões costumeiras, sentiu ele que um sono brando lhe anestesiava os centros vitais. Como numa atmosfera de sonho, verificou que o Mestre se aproximava. (...) Precedendo suas palavras do sereno sorriso dos tempos idos, disse-lhe Jesus:

– João, a minha soledade no horto é também um ensinamento do Evangelho e uma exemplificação! Ela significará, para quantos vierem em nossos passos, que cada Espírito na Terra tem de ascender sozinho ao calvário de sua redenção, muitas vezes com a despreocupação dos entes mais amados no mundo. Em face dessa lição, o discípulo do futuro compreenderá que a sua marcha tem que ser solitária, uma vez que seus familiares e companheiros de confiança se entregam ao sono da indiferença! Doravante, pois, aprendendo a necessidade do valor individual no testemunho, nunca deixes de orar e vigiar!...” 4
Assim, necessário se faz que, enquanto nos encontrarmos no corpo físico, não durmamos em espírito, desatentos aos convites de Jesus. É fundamental para nossa proteção e sustentação que nos levantemos e nos esforcemos, porque é “no sono da alma que se encontram as mais perigosas tentações, através de pesadelos ou fantasias”.²


Bibliografia:

Texto de apoio para a palestra – Quando Jesus teria sido maior? – Paulo Alves Godoy, 2ª ed., FEESP Editora - Reforma Íntima, Já! 1990 – p. 133 

1 – Lucas, 22:46.
2 – EMMANUEL (Espírito) – Caminho Verdade e Vida – [psicografado por] F.C.Xavier – FEB-Rio de Janeiro/RJ – 17ª ed., 1997 – Lições 87 e 88.
3 – Mateus, 26:40.
4 – CAMPOS, Humberto de (Espírito) – Boa Nova–[psicografado por] F.C.Xavier –FEB – Rio de Janeiro/RJ – 25ª ed., 1999 – Cap. 27.

Leda Maria Flaborea

ledaflaborea@uol.com.br
São Paulo, SP (Brasil)


Imagem ilustrativa

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