terça-feira, 25 de julho de 2017

O sopro curador


“Sim, meu amigo – respondeu Alfredo, atenciosamente -, o sopro curador, mesmo na Terra, é sublime privilégio do homem. No entanto, quando encarnados, demoramo-nos muitíssimo a tomar posse dos grandes tesouros que nos pertencem. Comumente, vivemos por lá, perdendo tempo com a Fantasia, acreditando em futilidades ou alimentando desconfianças. Quem pudesse compreender, entre as formas terrestres, toda a extensão deste assunto, poderia criar no mundo os mais eficientes processos soroterápicos… Como o passe, que pode ser movimentado pelo maior número de pessoas, com benefícios apreciáveis, também o sopro curativo poderia ser utilizado pela maioria das criaturas, com vantagens prodigiosas. Entretanto, precisamos acrescentar que, em qualquer tempo e situação, o esforço individual é imprescindível. Toda a realização nobre requer apoio sério. O bem divino, para manifestar-se sem ação, exige boa vontade humana. Nossos técnicos do assunto não se formaram de pronto. Exercitaram-se longamente, adquiriram experiências a preço alto. Em tudo há uma ciência de começar.”

Esse trecho do livro “Os Mensageiros”, do Espírito André Luiz pela psicografia de Francisco Cândido Xavier, está no capítulo “O Sopro” e constitui esclarecimentos dados pelo orientador Alfredo a André Luiz que iniciava seu trabalho de auxílio nas atividades de assistência aos círculos carnais e que nos fazem refletir sobre o esforço do mundo espiritual em intuir-nos o bem, para que nós, os encarnados, não percamos tempo precioso com nossas imperfeições e infantilidades. Todo auxílio nos é dado a todo instante, basta sentirmos e fazermos o esforço de movimentarmos as nossas energias na ação do bem, saindo da inércia, como que movimentando a água estagnada.
André Luiz ficou muito impressionado com o tal do sopro curador e nós, leitores, mais ainda. Assim como a escovação diária e o fio dental preservam o nosso hálito bucal, as nossas ações e pensamentos poderão ser “perfumados” se decidirmos estar e agir no bem, esforçando-nos em nossa melhora, vigiando os pensamentos, o que demanda somente boa vontade e esforço.

Em O Livro dos Espíritos a melhora interior de cada um de nós está na questão 909: “O homem poderia sempre vencer as suas más tendências pelos seus próprios esforços? – Sim, e às vezes com pouco esforço; o que lhe falta é a vontade. Ah, como são poucos os que se esforçam!”. 

Vivemos, atualmente, uma era em que o sentir e ouvir mais o coração são ações essenciais para a nossa mudança interna. Todavia, não podemos mais, simplesmente, termos consciência de nossas falhas e ficar numa posição cômoda de contemplação. Não. Precisamos tentar fazer melhor, ser melhor. Ser mais paciencioso, mais misericordioso, menos crítico e mais tolerante. Só que tudo isso exige um esforço que nos parece hercúleo, mas, na realidade, temos tal visão, dada nossa falta da iniciativa e de coragem em dar o primeiro passo.
Urge que nos libertemos de rotinas egocêntricas, dando espaço, por exemplo, para caridades simples como a palavra amiga resultante do ouvir o outro com sincera atenção e respeito, ou para estar de corpo e alma presentes com a família reunida, conversando, esquecendo um pouco os nossos lixos mentais, ou o celular que nos “exige” a atenção a todo instante. Dediquemos um tempinho de sobra ao trabalho voluntário, sem desculpas de que iremos perder a liberdade ou de que não queremos compromissos. Somente dessa forma criaremos uma sintonia sutil com os Bons Espíritos.
Comecemos por pequenas e simples ações com aqueles próximos de nós. Por exemplo: só por agora, pelo menos, vou respeitar a irritação do meu esposo/a, filho/a, não reagindo. Quem sabe ele/a só precisa desabafar a raiva, nem era para nos magoar? Esses minutinhos de tolerância e misericórdia podem tornar-se rotina se nos esforçarmos em repeti-los. Por que não?
São Francisco nos falou, há muito tempo, que é compreendendo que se é compreendido, que é dando que se recebe e que é amando que se é amado, que é ajudando que seremos ajudados, sem o interesse de receber, mas por vontade de ver o outro feliz. A satisfação e paz proporcionadas pela caridade são insubstituíveis, nada se compara a isso. Alguma coisa que faltava parece preencher o nosso ser e podemos dizer com toda a propriedade: “É isso que me faltava, é isso que quero repetir na minha vida.” Quando chegamos a este ponto, teremos mais chance de sintonizarmo-nos com espíritos, por exemplo, como os técnicos do sopro, pois eles esperam sempre por nós.
Ainda nesse mesmo capítulo de “Os Mensageiros”, é esclarecido que esses técnicos “São servidores respeitáveis pelas realizações que atingiram, ganham remunerações de vulto e gozam de enorme acatamento, mas, para isso, precisam conservar a pureza da boca e a santidade nas intenções”. Então, porque não nos empenharmos, assim como eles, em fazer o melhor que pudermos a cada instante? Principalmente, naqueles momentos em que temos dificuldade em orar e aguardar com um pouco mais de paciência para que o nosso amigo tempo e a ação dos bons espíritos possam colaborar conosco, fazendo-nos contar pelo menos até dez antes de manchar o nosso hálito com palavras rudes, provindas de impulsos insensatos.
Tenhamos consciência que, devagarinho, estamos andando a caminho de nossa regeneração. Algumas luzinhas modestas já estão acendendo em nosso querido planeta Terra e nos sentimos aliviados porque sabemos que Jesus está no leme desta nave e também sabemos que o bem contamina. Com o esforço de cada um de nós, abriremos juntos, de mãos dadas, mais caminhos de luz, formados pela soma de nossas humildes chaminhas, pertinho umas das outras, propagando-se a pequeninos passos, porém firmes e resolutos.
Agradeçamos ao Mestre, a Deus, a existência destes técnicos do sopro a nos curar e a nos inspirar.

Maria Lúcia Garbini

Tradutora, mora em Porto Alegre/RS, estudante da Doutrina Espírita, trabalha no Grupo Espírita Francisco Xavier como médium.

Imagem do livro mencionado

quinta-feira, 20 de julho de 2017

Ter e ser.


É um desafio muito difícil, dizia aquela senhora de cabelos nevados pelo tempo, falando do convívio entre pessoas com diferentes objetivos de vida.
Comentava que quando se casara, imaginou que seria fácil fazer o companheiro ver o mundo com outros olhos.
Porém, a realidade na sucessão dos dias, foi mostrando que as mudanças somente acontecem quando as pessoas querem.
Ela fora professora e se entregava, de coração, ao trabalho voluntário, auxiliando os demais a enfrentar a vida com alegria.
Seu companheiro, no entanto, era comerciante e seu sonho era a autorrealização no campo das finanças.
Para ele, todos deveriam lutar pelas conquistas materiais para favorecer a vida na velhice.
Por isso, cobrava dela mais colaboração na conquista de bens que pudessem constituir riqueza.
Passados anos, idosa, ela lhe disse que desejaria cursar uma faculdade. Era seu sonho.
Dele recebeu somente críticas pela sua maneira de encarar a vida como se fosse uma fantasia.
Será que ela não percebia que estava próxima da idade de morrer? Para que criar ilusões?
Ela silenciou, com o coração retalhado.
Mais tarde, com os ânimos amenizados, ela lhe disse que a diferença de visão entre eles, era somente de uma letra.
E explicou: Você sempre lutou por ter mais. Mais dinheiro, mais propriedades, mais títulos. Quanto a mim, o meu sonho era e continua sendo somente ser. Ser melhor, intelectual e moralmente.

* * *

Nesta vida, presos à realidade material, quase todos ficamos aturdidos e nos enamoramos pelas posses terrenas.
A busca que nos encanta é a do poder.
Lutamos incansavelmente, nos jogando na tarefa de possuir tudo o que nos possa destacar.
O poder do dinheiro nos faz sentir uma falsa superioridade junto aos demais, porque podemos adquirir o que quisermos.
Dizem os sábios que quando desejarmos conhecer profundamente um indivíduo basta lhe conferirmos qualquer poder.
São ilusões materiais que cegam e nos apresentam esse suposto ar de superioridade.
Jesus, que conhecia profundamente as almas humanas, alertou-nos a respeito das posses que deveríamos acumular.
Seus ensinamentos visavam as riquezas espirituais, as únicas que, depois de conquistadas, nada, nem ninguém, nos poderá retirar.
Disse-nos dos talentos que devemos trabalhar em nós, a fim de nos enriquecermos intimamente.
Naturalmente, enquanto na Terra, necessitamos buscar meios honestos de ganharmos o pão de cada dia, garantindo-nos o sustento.
Porém, como somos estrangeiros, passando uma temporada na Terra, não podemos nos descuidar da bagagem que levaremos ao retornar à casa verdadeira, que nos aguarda.
Essa bagagem é constituída do conhecimento que adquirirmos, dos sentimentos que burilarmos e do bem que fizermos.
Somos Espíritos imortais em busca de luz.
Somente o amor e a sabedoria têm o poder de nos conferir enriquecimento definitivo.
Saibamos optar pelo caminho que nos faça brilhar interiormente, irradiando luz ao nosso redor.
E, então, simplesmente, sejamos felizes.

Jornal Mundo Maior

Imagem ilustrativa

quarta-feira, 12 de julho de 2017

A navalha de Occam


É fácil escrever difícil. Basta colocar no papel as ideias que surgem no bestunto, ainda que, não raro, desandem em destemperos mentais.
Difícil é escrever fácil. Exige demorada e árdua elaboração para tornar a leitura elegante, atraente e objetiva, sem impor prodígios de concentração e entendimento.
Trata-se de uma gentileza que todo autor esclarecido deve ao leitor que se dispõe a examinar suas criações. O texto que exige cuidadosa interpretação é mais charada do que literatura. Fica por conta da capacidade de quem lê, no empenho em orientar-se por labirintos tortuosos, fruto dos devaneios do autor.
Jesus dizia que a verdade está ao alcance dos simples.
Os doutos e entendidos costumam sofrer uma intoxicação intelectual que oblitera o bom senso e os leva a imaginar que tortuosidade e complexidade são sinônimos de cultura e saber.
A propósito vale lembrar Guilherme de Occam (1285-1349), notável teólogo e filósofo inglês (nascido em Occam, nos arredores de Londres). Ingressou bem jovem na ordem franciscana. Estudou e lecionou na gloriosa universidade de Oxford.
Inteligente e lúcido estimava a simplicidade na exposição de suas ideias. Complexidades ou conjecturas, apenas se absolutamente necessárias.
Adotou um princípio que ficaria conhecido como a navalha de Occam, definindo o empenho em retirar de um pensamento ou de uma tese acessórios e complicações desnecessários, louvando-se no bom senso.
Se a aplicássemos em textos herméticos e obscuros dos filósofos que fazem a história das contradições do pensamento humano, seria uma “carnificina”. Pouco sobraria.

***

Nem sempre Occam conseguiu usar sua navalha.
Aconteceu particularmente em relação à existência de Deus, assunto que preferia não abordar. Não a negava, mas considerava que, devido à transcendência do tema, seria impossível conjeturar sobre o Criador sem recorrer a argumentos complexos, de difícil entendimento.
Os Espíritos que orientaram a codificação da Doutrina Espírita ensinaram diferente. Dotados de notável capacidade de síntese, própria da sabedoria autêntica, demonstraram que é possível passar a navalha de Occam em lucubrações complexas e reduzir a argumentação em favor da existência de Deus à sua expressão mais singela.
Isso acontece na questão número quatro, em O Livro dos Espíritos.

Pergunta Kardec:

Onde se pode encontrar a prova da existência de Deus?

Resposta:

Num axioma que aplicais às vossas ciências. Não há efeito sem causa. Procurai a causa de tudo o que não é obra do homem e a vossa razão responderá.

Comenta Kardec:

Para crer-se em Deus, basta se lance o olhar sobre as obras da Criação. O Universo existe, logo tem uma causa. Duvidar da existência de Deus é negar que todo efeito tem uma causa e avançar que o nada pode fazer alguma coisa.

Simplíssimo! Se o Universo é um efeito inteligente, tão superior ao nosso entendimento que seus segredos são inabordáveis, forçosamente tem um autor infinitamente inteligente – Deus.
A partir dessa ideia o difícil é provar que Deus não existe. Teríamos que explicar o efeito sem causa, a criação sem um Criador.
Quaisquer argumentos em favor desta tese ingrata seriam facilmente eliminados pelo próprio Occam, usando a navalha do bom senso.



De Bauru, Estado de São Paulo. Nasceu em 10 de outubro de 1935. De família espírita, participa do movimento desde os verdes anos, integrado no Centro Espírita Amor e Caridade, que desenvolve largo trabalho no campo doutrinário e filantrópico. Orador e Escritor espírita, tem mais de cinquenta obras publicadas.

Imagem ilustrativa

sexta-feira, 7 de julho de 2017

Um leão por dia


Conta-se que um experiente caçador se encontrava em caça, quando uma situação inusitada se deu.
Seguindo a pista de um leão, apartou-se do seu grupo de caçadores e embrenhando-se na vegetação acabou por alcançar uma pequena clareira na qual, coincidentemente, o leão também adentrou, porém, em posição diametralmente oposta à sua.
Sozinho diante do grande felino, que vinha ao seu encontro, verificou que tinha somente um projétil disponível para tentar abater o animal.
Em um átimo de tempo, experiente que era, e diante do perigo iminente, decidiu pela prece nos seguintes termos:

– Senhor Deus, diante desta situação, que Você acompanha, peço que, se Você está do meu lado, ajude-me a acertar o animal com o único projétil que tenho, mas, se Você está do lado do leão, ajude-o a me matar com um único golpe, para que eu não sofra. Porém, se Você não está nem do meu lado, e nem do lado do leão, sente-se aqui perto, porque assim Você assistirá a uma luta jamais vista por estas redondezas.

*

Em nosso dia a dia nos envolvemos em muitas situações, consciente e inconscientemente, que nos pedem controle emocional e discernimento para o melhor proveito ao nosso espírito imortal.
A estória acima nos remete à realidade de nossas vidas, que nem sempre permite o prazer da vitória, segundo o entendimento humano, mas, ao contrário, muitas vezes nos impõe contrariedade e sofrimento, cabendo a nós a escolha de como vamos nos comportar diante da realidade dos fatos.
Qualquer que seja o retorno dado pela vida, tem o Espírito a possibilidade de tirar proveito para seu crescimento íntimo, sem as ilusões que alimentam o orgulho e a vaidade, quando o retorno é bom, e sem desculpismos, acusações ou inconformação, quando o retorno é motivo de dor e sofrimento.
Popularmente se diz, nos dias corridos e atribulados de hoje, que é preciso matar um leão por dia para se manter e prosperar diante da vida, o que significa estar disposto ao enfrentamento daquilo que há de vir. Como tudo o que ocorre em nossas vidas está concorde com a Lei de Deus, que é de Justiça e Amor, estamos sempre diante da possibilidade de crescimento, com a inércia, o desânimo e a fuga correndo por nossa conta.
Desta forma sempre será possível travar a “boa luta contra os leões” que se apresentam aos nossos espíritos, como se propôs aquele caçador que, consciente das possibilidades múltiplas, escolhe agir corajosamente sem se deixar levar pela aparente impossibilidade da vitória.
É fazer a nossa parte, porque o resto é com a vida.
Pensemos nisso.

Antônio Carlos Navarro

Imagem ilustrativa