terça-feira, 29 de março de 2016

Mediunidade sempre existiu. Espiritismo só a partir de Kardec


O fenômeno mediúnico sempre existiu, pois é uma habilidade inata que todos os homens possuem, em maior ou menor grau. Sua utilização, entretanto, nem sempre foi bem orientada.
Nos primórdios da humanidade, era praticada apenas pelos chamados “iniciados”, ou seja, homens ou mulheres especialmente treinados e que, muitas vezes, a exerciam com fim egoísta e material. Essa é a razão pela qual Moisés chegou a proibir o intercâmbio mediúnico (Deuteronômio, Cap. 18, vs. 9-12), embora Moisés também fosse médium, o que bem demonstra que a sua intenção não era condenar a mediunidade, mas coibir os abusos então existentes. 
Mais tarde, a passagem de Jesus entre nós marcou a “liberação” do uso da mediunidade, já que Ele, em muitas passagens, afirma, ensina e exemplifica a prática mediúnica. É interessante observar que, no Novo Testamento, não há uma única passagem em que a proibição de Moisés seja mencionada. O próprio Mestre estimulou as faculdades mediúnicas nos discípulos (“conferiu-lhes o poder”), ordenando que trabalhassem com elas (“curai os doentes, ressuscitai os mortos, purificai os leprosos, expulsai os demônios”) (Mt. 10, vs. 1 e 8.) 
Alguns séculos depois, ignorando a postura de Jesus, as religiões dominantes tentaram novamente proibir a mediunidade. Não lhes interessavam as revelações dos Espíritos tais como a lei de que a semeadura é livre, mas a colheita é obrigatória, nesta ou numa próxima reencarnação, ou ainda que Jesus não se sacrificou para “pagar” pelos pecados de toda a humanidade, mas sim para nos mostrar o verdadeiro caminho da salvação. E assim por diante, ou seja, nada das lendas que interessavam ao poder religioso a fim de manter o domínio das mentes.
Como sói acontecer em tais situações, passaram então a inventar mentiras, do tipo “a mediunidade é obra do demônio”. E perseguiram de forma implacável os que a praticavam, sob a acusação de serem feiticeiros.
Entretanto, não se pode proibir aquilo que faz parte das leis naturais, da mesma forma que não se pode insistir que o Sol gira ao redor da Terra, quando a ciência prova o contrário...
Como toda semente só germina em terra fértil e na época certa, os desígnios superiores aguardaram o passar dos séculos, até que as luzes intelectuais e científicas permitissem uma discussão menos fanática sobre o tema.
E foi aí que surgiu o Espiritismo, com a publicação de O Livro dos Espíritos, organizado por Allan Kardec, em 18 de abril de 1857, marco da nova fase da evolução humana.
Primeira pergunta de Kardec aos Espíritos, contida nessa obra: que é Deus? (Atenção ao detalhe, que e não quem). E a resposta: “Deus é a inteligência suprema, causa primeira de todas as coisas”.
E segue com perguntas e respostas cada vez mais oportunas e inteligentes sobre a justiça e o perfeito equilíbrio das leis divinas.

Pedro Fagundes Azevedo
Ex-presidente da Legião Espírita de Porto Alegre, é jornalista.
tvp-sul-az@uol.com.br
Porto Alegre, RS (Brasil)

Imagem ilustrativa

sexta-feira, 25 de março de 2016

Um minuto com Chico Xavier


O Chico é um ser emocionante, eis a expressão que melhor traduz a sua personalidade. Situa-se ele para muito além da dimensão que possa conceber.
Muito haverá que se falar de Chico, no futuro, além do que agora se fala. Casos sobre ele e relacionados com ele multiplicar-se-ão quase ao infinito. Muitos há ignotos e, desses muitos, alguns vêm à tona de quando em vez.
O narrado em frente é um deles. E, dada a pureza e simplicidade de linguagem da principal protagonista, Maria Helena Falcão dos Santos, advogada e esposa de meu prezado colega magistrado, Clodoaldo Moreira dos Santos, ora na inatividade, transcrevo-o "ipisis litteris":

"Há dezesseis anos, mais precisamente no dia 13/04/1975, sofri o maior golpe da minha vida.
Tinha verdadeira adoração por minha mãe. Nossa afinidade era muito grande. Na manhã daquele dia fatídico, estava eu fazendo a mamadeira para o meu filho caçula, quando o neto mais velho de minha inesquecível mãe e que com ela morava chegou em minha casa gritando: ‘Tia, a vovó está morrendo!’
Sem acreditar, pois à tarde do dia anterior ela tinha passado comigo e estava bem, corri até a sua casa, que era perto da minha, e a encontrei já sem fala, deitada em sua cama. Peguei-a nos braços e, chegando ao alpendre da casa, pedi a um vizinho, que ia passando de carro, que, pelo amor de Deus, nos levasse ao Hospital Santa Helena.
No banco de trás do carro eu sentia que todo o mundo desabava sobre mim. Minha santa mãe, com seus lindos olhos azuis, me fitava com todo o carinho que lhe era peculiar.
Eu, em desespero, passava a mão em sua cabeça e rezava. De repente, ela estremeceu e aquela luz tão forte, que emanava de seus lindos olhos azul, desapareceu. Os olhos ficaram opacos, sem vida.
Minha adorada mãe tinha acabado de desencarnar em meus braços. Entrei em desespero e nada mais fiz conscientemente disseram-me, depois, que, na hora do sepultamento, tiveram que me tirar a força de cima do caixão.
Sofri demais. Não conseguia tirar da minha mente seus olhos opacos, sem brilho que tanto os embelezava.
Com o passar dos anos, lendo muitas obras espíritas e cuidando de meu amado pai que, depois de três anos de sofrimento no leito, também retornou ao Além, pude ter outra visão do mundo, das pessoas, da morte. Porém, persistia em mim a lembrança sofrida dos olhos sem vida de minha mãe.
Acalentava o sonho de um dia ver o médium Chico Xavier. Há seis anos, dez depois do desenlace de minha adorada mãe, fui surpreendida com o telefonema de uma amiga, dizendo que o Chico estava em Goiânia e que estaria na Colônia Santa Marta, às 13 horas. Fiquei muito feliz e pensei: hoje vou realizar o meu sonho de vê-lo! Pelo menos de longe!...
Troquei rapidamente de roupa e, ao sair de casa, senti um desejo incontrolável de pegar uma florzinha do pé de manacá que minha mãe adorava e havia plantado para mim. Peguei a florzinha e, fechando-a na mão, dirigi-me para a Colônia.
Ao ver Chico Xavier passar por mim, fui invadida por forte emoção e senti um desejo muito grande de falar com ele. Vi que ele se sentou em uma cadeira e as pessoas, que eram muitas, formavam fila para cumprimentá-lo. Entrei na fila. Sentia a florzinha na minha mão, que eu conservava fechada, e algo me dizia que continuasse assim. O Chico estendia a mão e cumprimentava um a um.
Quando chegou a minha vez, para meu espanto, ele, cabisbaixo, estendeu a mão para mim, só que com a palma virada para cima, como à espera que fosse colocado algo. Eu, imediatamente, sem saber por que, coloquei em sua mão a florzinha de manacá, que só eu sabia estar fechada em minha mão. Ele, ainda com a cabeça baixa, abriu o paletó e guardou-a no bolso interno do mesmo. Só aí levantou a cabeça e me encarou. Sentia eu uma grande emoção. Meu rosto estava banhado pelas lágrimas. Queria dizer alguma coisa, mas não conseguia.
Ele, então, me disse:

– ‘Minha filha, os olhos dela brilham mais que a água marinha mais pura que possa existir neste planeta’.

E olhava para o meu lado, como se visse alguém. Eu, que já estava totalmente embargada pela emoção, entendi que ele estava vendo minha adorada mãe, ali, ao meu lado, mais viva do que nunca e que os olhos opacos e sem vida, cuja lembrança tanto me doía e fazia sofrer, não existiam.
Dominada por intensa emoção, afastei-me daquele santo homem, sem dizer uma palavra, mas com a certeza de que minha mãe estava muito bem e que seus belos olhos azuis brilhavam ainda mais que antes.”

Depoimento de Weimar M. de Oliveira, em artigo publicado na Folha Espírita de maio/2002.

José Antônio Vieira de Paula
depaulajoseantonio@gmail.com
Cambé, Paraná (Brasil)

segunda-feira, 21 de março de 2016

Vinha de Luz


Em carta publicada nesta mesma edição, Rosane Machado Xavier da Silva, de Alvorada (RS), solicita-nos esclarecimentos sobre a correta interpretação da mensagem intitulada “Facciosismo”, constante do cap. 36 de Vinha de Luz, obra mediúnica escrita por Emmanuel por intermédio de Francisco Cândido Xavier.

A mensagem citada reproduz, em seguida ao título, o seguinte versículo:

"Mas se tendes amarga inveja e sentimento faccioso em vosso coração, não vos glorieis nem mintais contra a verdade." (Tiago, 3:14.)

Eis o teor integral do texto escrito por Emmanuel:

“Toda escola religiosa apresenta valores inconfundíveis ao homem de boa vontade. Não obstante os abusos do sacerdócio, a exploração inferior do elemento humano e as fantasias do culto exterior, o coração sincero beneficiar-se-á amplamente, na fonte da fé, iluminando-se para encontrar a Consciência Divina em si mesmo. 
Mas, em todo instituto religioso, propriamente humano, há que evitar um perigo – o sentimento faccioso, que adia, indefinidamente, as mais sublimes edificações espirituais. 
Católicos, protestantes, espiritistas, todos eles se movimentam, ameaçados pelo monstro da separação, como se o pensamento religioso traduzisse fermento da discórdia. 
Infelizmente, é muito grande o número de orientadores encarnados que se deixam dominar por suas garras perturbadoras. Espessos obstáculos impedem a visão da maioria. 
Querem todos que Deus lhes pertença, mas não cogitam de pertencer a Deus. 
Que todo aprendiz do Cristo esteja preparado a resistir ao mal; é imprescindível, porém, que compreenda a paternidade divina por sagrada herança de todas as criaturas, reconhecendo que, na Casa do Pai, a única diferença entre os homens é a que se mede pelo esforço nobre de cada um.” (Vinha de Luz, cap. 36.) 

Antes de qualquer comentário, é importante lembrar o significado da palavra facciosismo, substantivo comum derivado do adjetivo faccioso acrescido do sufixo “ismo”. 
Facciosismo significa: qualidade de faccioso, parcialidade; sectarismo, paixão partidária. É o mesmo que faciosismo ou facciosidade. 
Emmanuel afirma que tal sentimento é altamente pernicioso porque adia, indefinidamente, as mais sublimes edificações espirituais. 
A fé religiosa, seja ela qual for, não poderia jamais ser motivo de discórdia, de ódio, de separação entre as pessoas, fato que, infelizmente, como a História registra, tem sido uma constante nas relações entre católicos e protestantes, entre muçulmanos e cristãos, entre evangélicos e espíritas, como se Deus não fosse o Pai de todos nós, mas tão somente daqueles que rezam pela mesma cartilha. 
Enquanto o sectarismo, a paixão partidária, a parcialidade comandarem as ações humanas, dificilmente a fraternidade se tornará na Terra um sentimento comum a todos os povos, independentemente de suas convicções religiosas ou políticas. 
Somos todos irmãos e filhos do mesmo Deus. 
Não existem, pois, motivos reais para que sejamos facciosos. 
É esse o ponto central da mensagem de Emmanuel. 
Como ele nos propõe, é absolutamente imprescindível que compreendamos a paternidade divina por sagrada herança de todas as criaturas e reconheçamos que, na Casa do Pai, a única diferença entre os homens é a que se mede pelo esforço nobre de cada um, e não pela cor de nossa pele, pelos nossos saldos bancários ou pela crença que orienta os nossos passos. 

Sem fraternidade, – escreveu certa vez Allan Kardec, ao comentar o conhecido lema da Revolução Francesa –, não haverá liberdade real nem igualdade no mundo em que vivemos.

Astolfo O. de Oliveira Filho
Londrina, Paraná (Brasil)

Imagem do livro

quarta-feira, 2 de março de 2016

Tensão ou harmonia nos grupos espíritas


Da preciosa coleção da Revista Espírita (editada por Kardec no período de 1858 a 1869), extraímos para o leitor pequeno trecho do texto Organização do Espiritismo – publicado na edição de dezembro de 1861 –, cuja atualidade impressiona face aos desafios sempre encontrados pelas instituições e grupos no que se refere aos relacionamentos entre seus integrantes.
A velha questão dos melindres de suscetibilidades, dos conflitos de opinião e daí os desdobramentos próprios da desorganização das ideias diferentes, leva muitas iniciativas ao fracasso, interrompe bênçãos de trabalho, afasta valorosos cooperadores, com prejuízos evidentes à proposta espírita.
Como o fim do Espiritismo é essencialmente moral, espera-se que busquemos nesse esforço do auto aprimoramento as bases de nossa atuação individual e coletiva, para não ocorrência dos prejuízos bem próprios de nossa condição humana.
Acompanhemos o pequeno trecho selecionado, que se refere aos grupos:

“(...) Se eles forem formados de bons elementos, serão tantas boas raízes que darão bons rebentos. Se, ao contrário, são formados de elementos heterogêneos e antipáticos, de espíritas duvidosos, se ocupando mais da forma que do fundo, considerando a moral como a parte acessória e secundária, é preciso se prever polêmicas irritantes e sem desfecho, melindres de suscetibilidades, seguido de conflitos precursores da desorganização. Entre verdadeiros espíritas, tais como os havemos definido, vendo o propósito essencial do Espiritismo na moral, que é a mesma para todos, haverá sempre abnegação da personalidade, condescendência e benevolência, e, por consequência, certeza e estabilidade nos relacionamentos. Eis porque insistimos tanto nas qualidades fundamentais. (...)”

A sempre constante questão dos conflitos ou da harmonia está no comportamento individual que se reflete diretamente nos grupos. Exatamente aquele comportamento de boa vontade que busca superar o egoísmo e a vaidade para o bem coletivo. Quando nos fechamos em pontos de vistas, quando nos achamos melhores que os demais, quando pensamos que nossa opinião é a melhor, quando não valorizamos o esforço alheio ou quando optamos pelos tristes caminhos do orgulho, serão nossos acompanhantes a irritação, a intolerância e seus desdobramentos próprios.
Quando, todavia, optamos pelo caráter solidário dos relacionamentos, quando desejamos sinceramente o bem de todos ou direcionamos nossas ações para a permanência da harmonia, os frutos de nossas realizações conjuntas serão doces e sempre com benefícios gerais que extrapolam os limites do próprio grupo, pois que se irradiam de si mesmo em favor de muitos.
É que o afeto é capaz desses prodígios. O afeto há que ser construído, valorizado, conquistado, estimulado, vivido e cultivado.
Será de muito oportunismo uma releitura do texto Organização do Espiritismo, especificamente voltado à formação ou manutenção de grupos espíritas.

Orson Peter Carrara