quinta-feira, 23 de março de 2017

A carne é fraca


“Há tendências viciosas que são evidentemente próprias do Espírito, porque se apegam mais ao moral do que ao físico; outras parecem antes dependentes do organismo, e, por esse motivo, menos responsáveis são julgados os que as possuem: consideram-se como tais as disposições à cólera, à preguiça, à sensualidade etc.
Hoje está plenamente reconhecido pelos filósofos espiritualistas que os órgãos cerebrais correspondentes a diversas aptidões devem o seu desenvolvimento à atividade do Espírito. Assim, esse desenvolvimento é um efeito, e não uma causa.
Se a atividade do Espírito reage sobre o cérebro, deve também reagir sobre as outras partes do organismo.
O Espírito é, deste modo, o artista do próprio corpo, por ele talhado, por assim dizer, à feição das suas necessidades e à manifestação das suas tendências.
Desta forma a perfeição corporal das raças adiantadas deixa de ser produto de criações distintas para ser o resultado do trabalho espiritual, que aperfeiçoa o invólucro material à medida que as faculdades aumentam.
Por uma consequência natural deste princípio, as disposições morais do Espírito devem modificar as qualidades do sangue, dar-lhe maior ou menor atividade, provocar uma secreção mais ou menos abundante de bílis ou de quaisquer outros fluidos.
…Compreende-se que um Espírito irascível deve encaminhar-se para estimular um temperamento bilioso, do que resulta não ser um homem colérico por bilioso, mas bilioso por colérico. O mesmo se dá em relação a todas as outras disposições instintivas: um Espírito indolente e fraco deixará o organismo em estado de atonia relativo ao seu caráter, ao passo que, ativo e enérgico, dará ao sangue como aos nervos qualidades perfeitamente opostas. A ação do Espírito sobre o físico é tão evidente que não raro vemos graves desordens orgânicas sobrevirem a violentas comoções morais.
Pode admitir-se, por conseguinte, ao menos em parte, que o temperamento é determinado pela natureza do Espírito, que é causa, e não efeito.
E nós dizemos em parte, porque há casos em que o físico influi evidentemente sobre o moral, tais como quando um estado mórbido ou anormal é determinado por causa externa, acidental, independente do Espírito, como sejam a temperatura, o clima, os defeitos físicos congênitos, uma doença passageira etc.
O moral do Espírito pode, nesses casos, ser afetado em suas manifestações pelo estado patológico, sem que a sua natureza intrínseca seja modificada. Escusar-se de seus erros por fraqueza da carne não passa de sofisma para escapar a responsabilidades.
A carne só é fraca porque o Espírito é fraco, o que inverte a questão, deixando àquele a responsabilidade de todos os seus atos. A carne, destituída de pensamento e vontade, não pode prevalecer jamais sobre o Espírito, que é o ser pensante e de vontade própria.
O Espírito é quem dá à carne as qualidades correspondentes ao seu instinto, tal como o artista que imprime à obra material o cunho do seu gênio. Liberto dos instintos da bestialidade, o Espírito elabora um corpo que não é mais um tirano de sua aspiração, para espiritualidade do seu ser, e é quando o homem passa a comer para viver e não mais vive para comer.
A responsabilidade moral dos atos da vida fica, portanto, intacta, mas a razão nos diz que as consequências dessa responsabilidade devem ser proporcionais ao desenvolvimento intelectual do Espírito. Assim, quanto mais esclarecido for este, menos desculpável se torna, uma vez que com a inteligência e o senso moral nascem as noções do bem e do mal, do justo e do injusto.
Esta lei explica o insucesso da Medicina em certos casos. Desde que o temperamento é um efeito, e não uma causa, todo o esforço para modificá-lo se nulifica ante as disposições morais do Espírito, opondo-lhe uma resistência inconsciente que neutraliza a ação terapêutica. Por conseguinte, sobre a causa primordial é que se deve atuar. Dai, se puderdes, coragem ao poltrão, e vereis para logo cessados os efeitos fisiológicos do medo. Isto prova ainda uma vez a necessidade, para a arte de curar, de levar em conta a influência espiritual sobre os organismos.”
Caro leitor amigo, permitimo-nos, para nossas reflexões, transcrever acima parte do texto escrito por Allan Kardec e inserido no livro O Céu e o Inferno, capítulo VII, sobre a fraqueza do Espírito em relação ao seu corpo físico.
Pensemos nisso.

Nota do autor:
Os grifos são do autor deste ensaio.

Antônio Carlos Navarro
Estudioso e palestrante espírita. Trabalhador do Centro Espírita Francisco Cândido Xavier em São José do Rio Preto - SP

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sexta-feira, 17 de março de 2017

Problemas de interpretação


Angustiado visitante reclamava com Chico Xavier:

– Tentei cumprir rigorosamente o Evangelho, mas devo lhe dizer que não deu certo.

– O que houve, meu irmão?

– Sou gerente de uma agência bancária. Concedi vultoso empréstimo a uma pessoa que implorou ajuda, em face de suas dificuldades financeiras. Ocorre que o título venceu e não foi pago. Sou o responsável e vou ter que vender minha casa para pagar ou serei demitido. Por que esse castigo, se apenas cumpri o Evangelho?

E Chico:

– Emmanuel está dizendo que devemos sempre cumprir o Evangelho, mas com o nosso dinheiro, não com o dinheiro dos outros.

A bem-humorada observação do mentor de Chico nos remete a um problema relacionado com a vivência evangélica: a interpretação, em que muitas vezes se confunde alho com bugalho. O nosso gerente de Banco certamente pretendeu observar a recomendação de Jesus, no Sermão da Montanha (Mateus, 5:42): Dá a quem te pedir, e não te desvies daquele que quiser que lhe emprestes.
Porém, levada às últimas consequências, essa orientação de Jesus determinaria a falência de indivíduos e instituições. Por outro lado, não é nada evangélico um lacônico não a quem nos pede ajuda ou a disposição de não receber quem nos pede um empréstimo.
Sob o ponto de vista humano, é um direito agir assim e, talvez, até mais correto do que mentir, como ocorre frequentemente.

Se é o pobre que bate à porta, pedindo ajuda:

– Hoje tem nada não!

Além de assassinar o vernáculo, mentiu, porquanto sempre há algo que se possa oferecer a quem nos bate à porta.

Se é o amigo, que pede empréstimo:

– Sinto muito. Tive muitos gastos recentemente e não tenho como atender à sua solicitação.

Não raro, para evitar o constrangimento da recusa, pede-se a alguém que informe ao visitante:

– Ele não está.

Aqui, o cuidado de dar essa incumbência a uma criança, que na sua inocência, poderá complicar, informando ao ansioso visitante:

– Papai mandou dizer que saiu.

Quando mentimos em situações dessa natureza, incorremos em dupla falta, porquanto infringimos outro artigo do código evangélico. Palavras de Jesus (Mateus, 5:37): Seja o vosso “Sim”, sim, e o vosso “Não”, não. O que disso passar procede do maligno.
Pois é, prezado leitor. Sempre que pretendemos nos livrar de alguém partindo para a mentira, estamos apelando para o maligno que mora em nós, estabelecendo sintonia com as sombras.
Mentir é algo muito sério e comprometedor!

***

O ideal, na vivência evangélica, é o nem tanto ao Céu, nem tanto à Terra. Sempre haverá algo que se possa oferecer ao que bate à porta. Entendo mesmo que sua carência maior, que raramente satisfazemos, é um pouco de atenção.
Lembro uma mensagem de Meimei, em psicografia de Francisco Cândido Xavier, quando diz E, em verdade, se os famintos e os nus te pedem pão e agasalho, esperam de ti, acima de tudo, o sorriso de ternura e compreensão que lhes acalme as chagas ocultas.
Quanto aos empréstimos, amigo leitor, se você está “dando tratos à bola”, buscando uma fórmula intermediária entre o não e o sim, passo-lhe a experiência de um amigo. Diante dos que lhe solicitam empréstimo, que ele sabe, será pago no dia de São Nunca, diz o seguinte:

– Você está me pedindo duzentos reais. Disponho de vinte. Pague quando puder.

Ele sabe que não mais verá a cor daquele dinheiro, mas fica o crédito de uma boa ação, contando com celeste remuneração: bênçãos divinas para sua vida.

Richard Simonetti
Richard Simonetti é de Bauru, Estado de São Paulo. Nasceu em 10 de outubro de 1935. De família espírita, participa do movimento desde os verdes anos, integrado no Centro Espírita Amor e Caridade, que desenvolve largo trabalho no campo doutrinário e filantrópico. Orador e Escritor espírita, tem mais de cinquenta obras publicadas.

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terça-feira, 7 de março de 2017

A Lição da Esperança


Manuel Bandeira, o respeitado poeta brasileiro, se expressou de forma sincera: “Como dói viver quando falta a esperança”.
A falta de esperança predispõe ao suicídio. Os deprimidos graves atentam contra a própria vida pelo sentimento de desesperança.
Dante Alighieri colocou os suicidas no centro do inferno, por terem cometido o maior de todos os pecados, a perda da esperança.
Certo sacerdote católico nos disse que considerava a esperança uma virtude maior do que a fé. Justificou sua opinião assim: “Muitos suicidas têm fé, pois em carta endereçada aos pais falam em Deus e pedem perdão. O que eles perderam é a esperança.”
O apóstolo Paulo, ao apresentar aos cristãos de sua época as três virtudes que ele considerava as mais importantes, colocou a esperança ao lado da fé e da caridade.
O cristão sincero jamais desanima, combate a desesperança e o tédio com rigor e não aceita “entregar os pontos” ou “jogar a toalha”.
A história das irmãs Mariana e Ana Maria de Castro, de 26 anos, residentes em Manaus, fala por si mesma. As gêmeas amazonenses ficaram 24 anos sem andar e sem falar por causa de uma doença neurológica que se manifestou quando as duas tinham dois anos de idade, após uma febre muito alta e convulsão. Elas viveram, todos esses anos, deitadas e para se comunicar com a mãe elas piscavam os olhos. O diagnóstico feito à época era de paralisia cerebral.
A família é humilde e mora num bairro pobre de Manaus. Sobrevivem da aposentadoria de uma delas. A mãe é analfabeta e lava roupa para fora para ganhar um dinheiro extra que serve para a manutenção da casa e compra de alimentos.
Há dois anos, elas foram examinadas por uma nova equipe de neurologistas e levantou-se uma nova possibilidade diagnóstica, uma doença caracterizada pela falta de dopamina no cérebro. Elas foram então medicadas com drogas usadas no tratamento da doença de Parkinson, que agem aumentando os níveis cerebrais de dopamina, e para surpresa geral voltaram a falar e andar.
Dona Socorro, a mãe das meninas, declarou que essa foi uma das maiores emoções de sua vida, ver as filhas andando e se alimentando sozinhas.
A ciência, às vezes, realiza também seus milagres. Mas o maior de todos os milagres é a disposição interior de confiança e perseverança. Deus vela por nós e na hora certa a sua presença se manifesta.

Ricardo Baesso de Oliveira 
Juiz de Fora, Minas Gerais (Brasil)

quinta-feira, 2 de março de 2017

Profilaxia contra o personalismo


"Aquele que quiser ser maior no Reino de Deus seja servidor de todos." - Jesus (Mt., 20:26)

A humildade esteve sempre regaladíssima na Vida de quantos - realmente - foram os Benfeitores da Humanidade.
João Batista não se considerava digno de atar as sandálias d`Aquele que verdadeiramente é a Luz do Mundo, reconhecendo, mesmo, publicamente, que deveria diminuir-se para que Ele crescesse.
Paulo de Tarso, acostumado às bajulações e ao destaque social, humildemente perguntou ao Mestre, ajoelhado nas escaldantes areias do deserto sírio, às porta de Damasco: "Senhor, que queres que eu faça."
O próprio Cristo, vexilário maior da humildade disse que "Bom é o Pai Celestial", não admitindo tal adjetivo para Si.
O exemplo dessas criaturas e de Jesus, em particular, é um verdadeiro e cristalino libelo à humildade!...
Por que, então, encontramos (inclusive nos arraiais espiritistas) algumas criaturas afeitas ao culto da própria personalidade?
Quem cultua a si mesmo, isto é, possui acentuado personalismo, está na mesma posição daquele empregado que enterrou o talento.
Paulo recomendou certa feita aos Filipenses: (Fil., 2:3)

"Cada um considere os outros superiores a si mesmo."

Através da psicografia de Carlos A. Baccelli, irmão José afirma:

“ A recomendação de que cada um considere os outros superiores a si mesmo é, sem dúvida, profilaxia contra o personalismo, que, onde aparece, destrói as melhores intenções."
Não raro - e com muita tristeza - observamos o deplorável espetáculo oferecido por criaturas que, levadas por seus ancestrais e equivocados atavismos, acoroçoados pelo orgulho e vaidade, se deixam emaranhar nas tredas malhas da falsa modéstia e de mal disfarçada soberba à cata de elogios fáceis. É incompreensível que seguidores da Doutrina de Jesus se entreguem a atitudes tais que, via de regra, eclodem em danosas cizânias, tão prejudiciais aos trabalhos da Seara do Mestre.
Paulo recomenda também aos filipenses que todas as tarefas sejam feitas por humildade e não por espírito de contenda. Para lograr tal desiderato, faz-se mister que todos estejamos imbuídos da sinceridade de sentimentos, "de sorte que haja em nós o mesmo sentimento que houve em Jesus Cristo. "

É ainda Irmão José quem aconselha:

"Questionemo-nos acerca de nossos reais interesses em abraçando a Terceira Revelação. Estaremos interessados em nossa redenção espiritual diante de Deus ou em nossa projeção social aos olhos dos homens?!... Estaremos sinceramente empenhados em nossa renovação íntima, como devemos, ou em somente na mudança exterior que nos convém?!...
Porque, infelizmente, contam-se aos milhares os que ludibriam a si mesmos, imaginando iludir os outros, perdendo a valiosa oportunidade de crescimento interior que a presente reencarnação lhes faculta, entregando-se no Além a infindas lamentações sobre o desperdício do tempo.”

Paulo aconselha aos Coríntios (I Cor., 10:7.): "Não vos façais idólatras."

Não se justifica, pois, a tentativa de substituição dos antigos ídolos inertes pela auto-idolatria.

Aconselha Emmanuel[1]:

"Proscreve do teu caminho qualquer prurido idolátrico em torno de objetos ou pessoas (incluída aí a própria pessoa, acrescentamos), reafirmando a própria emancipação das seculares algemas que vêm cerceando o intercâmbio das criaturas encarnadas com o Reino do Espírito.
Recebemos hoje a incumbência de aplicar na edificação do bem desinteressado, o tempo e a energia que outrora desperdiçávamos, à frente dos ídolos mortos, de maneira a substancializarmos o ideal religioso, no progresso e na educação, prelibando as realidades da Vida Gloriosa."

1 - XAVIER, Francisco Cândido Xavier e VIEIRA, Waldo. O Espírito da Verdade. 3a ed. Rio de Janeiro: FEB, 1977, Cap. 72, p. 167.

Rogério Coelho
rcoelho47@yahoo.com.br

Muriaé, Minas Gerais (Brasil)

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

Bagagem


Bias, de Priene (século VI a.C.), um dos sete sábios da antiga Grécia, pontificava por elevados dotes intelectuais. Mais que isso: era íntegro e honesto. Jamais colocou seu talento e sua inteligência a serviço de interesses menos dignos. Diante de questões litigiosas, que exigiam um mediador sábio e justo, dizia-se:

– É uma causa para o cidadão de Priene!

Sua presença conciliatória serenava os ânimos e garantia o triunfo da verdade e da justiça.
Quando Ciro II, o Grande (585-529 a.C.), ambicioso rei persa, iniciou suas guerras de conquista, estabelecendo um dos maiores impérios da antiguidade, as cidades gregas estavam em seu caminho.
Em breve Priene foi sitiada. Instalou-se o pânico. Os moradores trataram de fugir. Em atabalhoado esforço, buscavam levar a maior quantidade possível de pertences. A confusão era enorme. Grande agitação, ânimos exaltados, choro, histeria coletiva…
A exceção: Bias. Deixou a cidade tranquilamente, sem carregar nada. Os amigos estranharam.

– E os seus bens?

O filósofo sorriu, explicando:

– Trago tudo comigo.

Referia-se aos seus valiosos dotes de cultura, conhecimento e virtude. Em qualquer lugar, esses patrimônios inalienáveis lhe garantiriam subsistência honesta e digna.

***

Enfrentamos, na experiência humana, crises periódicas que exigem o resgate do passado ou testam as aquisições do presente.

Moléstia insidiosa.
Acidente inesperado.
Perda de um bem.
Demissão na atividade profissional.
Fracasso de um empreendimento.
Ruptura da ligação afetiva.
Defecção do amigo.
Morte do ente querido.

Sitiados pela adversidade, somos chamados a deixar as posições em que nos acomodamos, à procura de caminhos novos que se desdobram a nossa frente.
Detalhe importante: a crise é também um teste de avaliação. Revela nossa posição espiritual. Dependendo de nossas reações, podemos ser reprovados, com o compromisso de repetir estágios ou ganhar honrosa promoção.

Reclamamos da sorte?
Tropeçamos na inconformação?
Caímos no desânimo?
Mergulhamos no desajuste?

Lamentável!

Superficial é a nossa crença, frágil o nosso ânimo, precária a nossa estabilidade.

Encaramos a adversidade com bom ânimo?
Confiamos em Deus?
Cultivamos a serenidade?
Estamos dispostos a enfrentar o desafio?

Ótimo!

Demonstramos possuir um patrimônio de valiosas aquisições espirituais.
E trazemos “tudo conosco”, a nos sustentar o equilíbrio e a paz, onde estivermos.

Richard Simonetti
http://www.agendaespiritabrasil.com.br/2017/02/23/bagagem/

Richard Simonetti é de Bauru, Estado de São Paulo. Nasceu em 10 de outubro de 1935. De família espírita, participa do movimento desde os verdes anos, integrado no Centro Espírita Amor e Caridade, que desenvolve largo trabalho no campo doutrinário e filantrópico. Orador e Escritor espírita, tem mais de cinquenta obras publicadas.