segunda-feira, 18 de julho de 2011

A tragédia de Realengo e a Páscoa judaica

Artigo publicado, na seção: Tendências/Debates, da Folha de S.Paulo, de 22/04/2011

Devemos cercar nossos filhos com o calor que só o amor emana; precisam se sentir membros da família, da comunidade e da sociedade Já houve épocas em que "levar bomba" na escola poderia ocasionar, no máximo, uma severa repreensão dos pais e a perda de um ano de estudos. Atualmente, a bomba é literal.
Estamos nos dias da Páscoa, quando a Lei Judaica nos obriga a se abster de qualquer pão convencional (fermentado) e a consumir apenas a matsá (pão ázimo), lembrando a libertação do povo judeu da escravidão do Egito. Ambos são elaborados com água e farinha, mas o pão cuja massa cresceu simboliza o orgulho; a matsá, o pão achatado, simboliza a humildade.
Ordenou o Criador: "E cuidareis do pão ázimo" (Êxodo 12:17), para que a matsá não fermente. Na prática, existem duas formas para você inibir a fermentação natural:

a) Antes de começar a inflar, pegamos a massa e rapidamente a colocamos no forno.
b) Basta continuarmos a sovar a massa, trabalhando-a sem parar, não permitindo que ela fique "ociosa" -mesmo por horas-, e ela não fermentará.

Nossas crianças e nossos jovens são a massa mais preciosa que temos.
Assim como, por natureza, qualquer massa fermenta e incha, de forma similar a criança, apesar de pura, é propensa ao egoísmo e pode tender para a maldade.
É nossa obrigação cuidar dessas massas jovens para elas não fermentarem nem azedarem, pois uma criança que se sente rejeitada pode causar danos irreversíveis à sociedade. O judaísmo, como falamos, oferece duas alternativas para inibir a fermentação do caráter e a tendência para a arrogância e a maldade: o calor do forno e o trabalho com a massa.
Analogamente, devemos cercar nossos filhos com o calor humano que somente o amor emana. Eles precisam sentir-se queridos e membros orgulhosos e ativos de algo maior: família, comunidade e sociedade.
Querem amar e ser amados, conhecer o calor e a intensidade dos relacionamentos familiares.
Trabalhar a massa significa fazer com que os nossos jovens se interessem pelas coisas. Que estejam ocupados com assuntos bons e positivos. A ociosidade é extremamente perigosa para eles. Temos que dar a eles muitas responsabilidades para cumprir a fim de que não tenham tempo nem sequer para pensar em errar.
Na triste tragédia da escola de Realengo, o assassino foi descrito pelos colegas como uma pessoa tímida e calada. Porém, numa análise mais profunda, percebe-se que ele cresceu sem o calor familiar necessário.
Passou por vários braços e sofreu decepções e rejeições na vida.
Também ficava horas e horas em frente à tela do computador.
Uma vez que a tecnologia é desprovida de moral e não produz pessoas melhores, essa ociosidade e essa falta de "calor do forno" fizeram a massa fermentar.
Há décadas, o Rebe de Lubavitch, líder mundial judaico, já dizia: "Ao contrário do senso comum, que considera as crianças potenciais seres humanos, incapazes de atingir o seu valor completo antes da maturidade, a tradição judaica as vê como dignas e merecedoras do nosso tempo, já que personificam a pureza de propósitos, sinceridade, fé e amor à vida".

DAVID WEITMAN
Rabino da Congregação Beit Yaacov, São Paulo.

Imagem ilustrativa

terça-feira, 12 de julho de 2011

Internet, Infância e Juventude

 
Muitas invenções e descobertas do ser humano modificaram a sua vida cotidiana de forma irreversível. A lâmpada elétrica, o avião, a propulsão a vapor, a pílula anticoncepcional... somente para apresentar as mais relevantes no campo da tecnologia.
A última década inseriu com grande capilaridade em nossas vidas uma outra descoberta a Internet que pela sua capacidade de vencer distâncias e a promover interação entre os componentes dessa rede, trouxe mudanças significativas em nossos hábitos, em especial os das crianças e jovens atuais, que cresceram à luz desse mundo multiconectado.
Para além da questão da habilidade em operá-la, onde jovens e crianças manuseiam os computadores com destreza e naturalidade, a Internet mexeu diretamente com o contato destes com o mundo, sendo esta uma relação mediada. Os nossos jovens conversam com seus amigos por meio de teclados, monitores e programas. Os encontros, as brigas, o lazer, tudo se faz por intermédio da máquina, em jornadas de horas a fio, em dias e madrugadas, conversando, navegando e interagindo.
Além da mediação, a internet cria no jovem e na criança o hábito de realizar várias coisas ao mesmo tempo, a similitude do ambiente multitarefa dos computadores, com múltiplas janelas abertas, disputado a atenção dos sentidos sobreexcitados, entre sons e imagens.
Por fim, a internet traz ao jovem e a criança uma lógica programática, de seguir um rumo pré-determinado pelos sistemas, a maneira dos "if-then-else" da programação, atingindo os níveis pelo seu esforço e dedicação e pouco pela sua criatividade, no perigoso "efeito RESET': onde não gostou, reinicia tudo. O amigo máquina pode servir de substituo do convívio, do abraço e do "bom dia", O jovem vê tudo pela lente, escravo daquela forma de se relacionar com o mundo, como uma muleta para ser ele mesmo.
Essa vivência mediatizada pela máquina esconde o jovem dos outros, dos seus próximos, em máscaras de "nicknames". As ações múltiplas que trazem movimento, ao mesmo tempo impingem pouca profundidade nas relações. A visão programática favorece o individualismo, a competitividade e o desapego. Pequenos exemplos de pontos negativos na personalidade e que necessitam ser trabalhados, entendendo a internet como algo irreversível, que trouxe avanços, mas como tudo, demanda cuidados.
Entretanto, como tudo na vida, a internet guarda em si grandes possibilidades, latentes, que precisam ser exploradas. As construções colaborativas - (WIKI) - as possibilidades de pesquisa e ainda a imensa capacidade de mobilização da rede, agindo no mundo virtual para operar mudanças no mundo real são exemplos dessa atuação que enriquece. A internet, bem dosada, é ferramenta de desenvolvimento e de amadurecimento da infância e da juventude, para a construções do Reino de Deus sobre a terra.
Como realidade inconteste e sem volta, cabe a nós no movimento espírita que labutamos na seara infanto-juvenil, propiciar a orientação adequada do uso dessa potencialidade, incentivando nessa rede as opções de crescimento, de troca de material, de divulgação de artigos, de reencontro dos amigos, de debates virtuais, blogs, coberturas on-line, campanhas fraternas e uma gama de boas práticas que mostram que usar essa rede é muito mais que isolar-se no seu mundinho em jogos e movimentos superficiais.
Não adianta torcer o nariz para essa inovação tecnológica que diariamente bate à porta de nossas residências. Importa enxergar nesse instrumento um caminho de fraternidade e de união entre os espíritos encarnados, na realização do grande sonho da comunicação global, no respeito as diferenças e na construção da almejada fraternidade universal entre os povos, que depende muito mais de nossa transformação moral do que de equipamentos eletrônicos.
Faz-se necessário incluir a internet em nossas aulas, atividades e discussões com os jovens, aproveitando essa dádiva. Negá-la é isolar-se do mundo dos jovens e das crianças, afastando-os da mesma forma.
 
Marcus Vinícius de Azevedo Braga
acervobraga@gmail.com
Brasília, Distrito Federal (Brasil)

  
Imagem ilustrativa

segunda-feira, 4 de julho de 2011