quarta-feira, 6 de junho de 2012

Bandeiras, pautas e lutas


O movimento espírita materializa as ações dos espíritas, à luz de seus ideais, onde isso implica, consequentemente, abraçar determinadas bandeiras, pautas e lutas, eleitas por circunstâncias próprias. Tudo muito natural...
Por motivos históricos diversos, por ações de grupos em momentos específicos, na soma de forças e esforços, abraçamos com afinco determinadas bandeiras, e relegamos outras, também de grande relevância. Essas breves linhas nos motivam a analisar algumas causas que o movimento espírita não abraçou, de forma
ostensiva, ou o fez timidamente, para que possamos refletir sobre estas.

Dessas inúmeras e valorosas causas, podemos citar, por exemplo:

DESARMAMENTO: a oposição ao uso extensivo de armas de fogo, seja na guerra, seja nos crimes do cotidiano, é uma causa extremamente relevante, em uma sociedade que, a despeito de toda a tecnologia, padece o fantasma da violência e da criminalidade;
RACISMO: as décadas de escravidão deixaram em nosso país suas marcas, na discriminação da população negra inserida nas falas e artefatos culturais, com práticas de hostilidade, em uma falta de caridade com os nossos irmãos, Espíritos imortais, ainda que esta questão seja figura ausente ou pouco presente em nossas tribunas e linhas;
INCLUSÃO DE DEFICIENTES: a luta por tornar a nossa sociedade acessível e receptiva aos irmãos que apresentam deficiências de diversos matizes carece avanços no movimento espírita, pela falta de ações expressivas na tradução de obras e palestras, na carência de rampas nas casas espíritas e, ainda, na rasa produção de material pedagógico que discuta essas especificidades;
VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER: uma triste realidade, oculta nos discursos e atrelada a uma cultura machista e a dependência química, demandando discussão e esclarecimento nas pautas das discussões espíritas e no combate a essa prática hedionda;
COMBATE À CORRUPÇÃO: a malversação do dinheiro público, o desvio de recursos, a propina e o patrimonialismo são uma realidade tratada como um tabu, mas que se faz presente em pessoas bem vestidas e com instrução, na dilapidação de recursos destinados aos menos favorecidos. Uma discussão ética que com certeza traz em seu bojo interesses concomitantes às lutas do cordeiro.
MEIO AMBIENTE: a despeito do esforço pioneiro e hercúleo do nosso confrade e jornalista André Trigueiro, na inserção desse tema na nossa agenda, ele ainda se faz incipiente na lembrança da caridade com o nosso planeta.
Apesar de não serem estas listadas, entre outras, bandeiras clássicas do nosso movimento, nada nos impede de aderir a estas lutas como cidadão, Espírito encarnado consciente, o que pode trazer, pelo nosso interesse, a entrada dessa bandeira no movimento espírita no futuro.
Trazemos lutas do mundo e vice-versa, pois o movimento espírita está imerso no mundo. Elegemos diversas lutas em função de nossa história, de nossos valores, e isso se relaciona com os rumos adotados pelo movimento, mas não é condicionado totalmente por estes.
Fica aqui então a reflexão sobre as lutas nas quais nos alistamos coletivamente e individualmente, todas valorosas. Também são valiosas as bandeiras abraçadas atualmente pelo movimento espírita, como a defesa da vida, o estudo sistematizado e o esperanto.
O que traz esse artigo é a ideia de que a trincheira é maior do que enxergamos, na luta por um mundo melhor, onde cada um tem a sua parcela de responsabilidade, independente do credo.

Marcus Vinícius de Azevedo Braga
acervobraga@gmail.com
Brasília, DF (Brasil)


Imagem ilustrativa

terça-feira, 29 de maio de 2012

Simplicidade de um pedido


Em declaração emocionada aquele homem aproximou-se bem devagar e pediu. Estava atônito, aflito, não sabia que rumo tomar. Esperava-se, óbvio, que ele pedisse dinheiro para completar a passagem – como é tão comum – ou solicitasse algum alimento. Ou mesmo alegasse enfermidade de filho ou esposa. Nada disso!
Apenas pediu para ser ouvido. Não desejava objetos, roupas ou dinheiro, nem mesmo alimentos. Apenas desejava ser ouvido. Desejava apenas a companhia de outro ser humano para abrir o coração. E começou a falar.
Disse da solidão que sentia. Falou que sua aparência simples talvez fosse a causa da indiferença alheia. Sua barba por fazer, suas roupas e calçados surrados e mesmo por não estar empregado, por não possuir família, talvez causassem a distância com outros seres humanos. Sentou na sarjeta e chorou. Chorou não de sofrimento ou de fome, chorou de emoção porque alguém se dispôs a simplesmente ouvi-lo.
E o que falou? Disse apenas que se sentia muito só. Que não lhe faltava comida, pois muita gente lhe entregava pratos prontos, lhe levava roupas e agasalhos, lhe fornecia água e mesmo algum dinheiro, lhe pagavam lanches vez por outra, mas ninguém parava para conversar com ele…
O episódio comoveu. Ele remete à necessidade do calor humano, muito além de doações que satisfaçam a fome ou o frio do corpo. Fica distante da simples doação de dinheiro, de objetos ou roupas. Ele pede simplesmente a atenção de olhar nos olhos, de oferecer tempo, ainda que breve, para ouvir o sentimento daquele que procura.
Verdade seja dita. Ainda somos muito indiferentes uns com os outros. Optamos mais pela crítica do que pela observação atenta de sentir a necessidade real de quem está à nossa volta, de quem nos procura. Não paramos, por pressa, para olhar nos olhos ou simplesmente raciocinar sobre o que o outro está dizendo. Temos pressa de dizer ou ouvir o que nos interessa…
Na verdade, fala-se em solidariedade, em caridade. Ma solidariedade e caridade estão mais no gesto do que no fato. Caridade é sentir. De nada adianta envolver-se com muitas iniciativas e permanecer irritado, contrariado. De nada adianta fazer por obrigação. O ideal, o correto, é fazer com amor, por amor.
E este fazer com amor ou por amor, é sentir. É sentir o que se faz. Sentir-se bem em estar presente, em participar, em poder colaborar.
Aliás, por falar em colaborar, a cooperação é lei da vida. Nada se faz isoladamente. Todos precisamos uns dos outros, muito mais do que imaginamos. E isto sugere a atenção que podemos nos dispensar mutuamente.
Atenção que muitas vezes é sinônimo apenas de ouvir. Como no caso relatado, verídico e comovente.
Já imaginou o leitor alguém sentar-se e chorar apenas porque alguém se dispôs a ouvi-lo.
Quanta indiferença não sofreu? Quanto desprezo experimentou?
Aí ficamos a pensar em nossa pequenez! Ainda guardamos tanta arrogância interior? Para quê? Não é melhor assumirmos nossa condição de seres humanos…?!

Orson Peter Carrara
orsonpeter92@gmail.com

Imagem ilustrativa