quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Palestina, encanto e magia


A Palestina está situada na região denominada pelos europeus de Oriente Próximo. Sempre foi um país pequeno, com área equivalente ao País de Gales, à Bélgica e à Sicília juntos.
Jerônimo, um dos “pais da Igreja”, que viveu longo tempo perto de Belém e conhecia bem o país, calculou que sua extensão do Norte até o Sul não era maior que 160 milhas romanas, cerca de 145 milhas inglesas, ou seja, a distância, por exemplo, entre Florença e Roma.
As distâncias são mínimas. Reportando-nos ao tempo de Jesus, por exemplo, uma viagem de Nazaré a Jerusalém podia durar dois dias.
Os israelitas conheciam bem o seu país e o amavam profundamente. Livros inteiros do Antigo Testamento, como os Cantares de Salomão, estão repletos desse sentimento. Os habitantes da Palestina de há mais de dois mil anos (a maior parte da população) eram convencidos de que não se achavam ali por acaso; de que sua presença no país possuía um significado; de que Deus os estabelecera naquela terra.
No tempo de Salomão, estimava-se que não haveria ali um milhão de habitantes. No tempo de Jesus, se calcularmos um total de dois milhões, estaremos sendo generosos.
Milhares de judeus viviam fora da Palestina. Era sentida a falta deles nas grandes festividades. Simão, por exemplo, que ajudou Jesus a carregar a cruz, nascera em Cirene, Norte da África; nas escolas da Cidade Santa havia muitos estudantes procedentes de todas as comunidades dispersas.
Dentre esses alunos poderíamos citar Saulo, filho de um fabricante de tendas de Tarso, na Sicília, assistente assíduo das palestras do rabino Gamaliel e que se tornaria o apóstolo Paulo de Tarso.
Houve, incontestavelmente, naquela época, uma emigração judia. Em grego, o termo usado para denominá-la é diáspora, isto é, dispersão.
Onde quer que se encontrassem, as colônias judias mostravam as mesmas características. Mantinham-se unidas, de maneira estável, viviam perto uns dos outros, embora as autoridades gregas e romanas não fizessem essa exigência. Em Roma, viviam em distritos diferentes.
Essas comunidades possuíam organizações especiais. Eram democráticas e os assuntos materiais e espirituais misturavam-se. Uma reunião servia tanto como assembleia de oração como de discussão política.
O nome do local onde era eleito o conselho de anciãos e o chefe que deveria defender os interesses do grupo, o etnarca ou exarca, era o mesmo que o do local em que o povo cantava os salmos. A reunião de assembleia era denominada, em hebraico, kinneseth; em grego, sunagoge, do qual vem o termo sinagoga.

Um país ocupado

A Palestina era um país ocupado. Os romanos dominavam inteiramente o país, diretamente ou através de seus servos. Ao mesmo tempo, seguiam seus costumes e permitiam que os povos conquistados continuassem sob o regime a que eram habituados.
Para o romano, como para o grego, o Estado representava o princípio governante essencial. A cidade-império ou o império reservava-se o direito de impor regras aos súditos,  segundo seus interesses.
Enquanto permanecessem como instrumentos do Estado, a religião e a adoração religiosa eram reconhecidas. Eram consideradas dever cívico, de acordo com a fórmula estabelecida pelo Estado. Era como se César “controlasse Deus”. Mas para os judeus, Deus é que controlava César. Por tudo isso, os judeus do tempo de Jesus enfrentavam situações em que não se sabiam quais os limites entre o reino de César e o Reino de Deus.
Compreende-se, dessa forma, o momento da cena em que os oponentes de Jesus lhe perguntaram sobre a legalidade de pagar impostos às autoridades romanas, ao que Jesus respondeu: “Dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”.
Filhos eram bênçãos; o ensino, excelente 
Na família judia, o nascimento de um filho era o mais importante dos acontecimentos, celebrado com festas, para as quais eram convidados parentes, amigos e pessoas que morassem nas proximidades.
Caso o filho fosse do sexo masculino, os cumprimentos eram bastante calorosos. Em caso de primogênito, se fosse do sexo masculino, o entusiasmo chegava ao auge.
Toda criança do sexo masculino tinha, por lei, que ser circuncidada, oito dias após o nascimento. Judeu algum podia fugir a essa obrigação.
Na época de Jesus, a circuncisão era tida não só como uma marca da aliança, mas considerada como um ato de purificação ritual.
Durante a primeira semana, provavelmente no dia da circuncisão, a criança recebia um nome. O direito de escolher o nome do filho pertencia ao pai, o chefe da família. O nome escolhido correspondia ao nosso primeiro nome. Os judeus não tinham sobrenome. Não significava dizer que o sentimento familiar não era desenvolvido.
O filho recebia o nome do pai – “filho de fulano”, ben, em hebraico e bar, em aramaico. Exemplo: João ben Zacarias, Jônatas ben Hanan, Yesua ben José. O filho mais velho recebia geralmente o nome do avô, para continuar a tradição de nome e distingui-lo do pai.

Educação

A criança permanecia nos primeiros anos aos cuidados da mãe. As filhas ficavam com a mãe até o dia do casamento. Elas ajudavam nos trabalhos da casa, carregavam água, teciam e colaboravam também no trabalho rural.
O pai cuidava dos filhos e os iniciava na sua profissão o mais cedo possível, para que pudessem trabalhar com ele, inicialmente como aprendizes, depois como oficiais.
A educação ficava a cargo do pai. O ensino judeu era excelente. Os verdadeiros israelitas davam maior importância à educação moral do que a tudo o mais. Não significava dizer que, no caso, o ensino da escola fosse desprezado. Os rabinos diziam que ele era a base de tudo e absolutamente indispensável.
A escola era ligada à sinagoga. As crianças, ricas ou pobres, frequentavam-na desde os cinco anos de idade. A base do ensino era o aprendizado da Torá (ou Pentateuco, nome dado ao grupo dos primeiros cinco livros do Antigo Testamento). Linguagem, gramática, história, geografia eram estudadas na Bíblia.
Esse uso exclusivo das Escrituras no ensino foi a aparente causa de muitos rabinos negarem às meninas o direito de aprendê-las. Mas nem todos os rabinos defendiam essa opinião. No Talmude (coleção de escritos dos judeus, contendo explicações e tradições referentes à Lei de Moisés; foi escrito entre o terceiro e o sexto século da era cristã) há um tratado que impede a entrada das meninas na escola, mas esse mesmo tratado diz: “Todo homem deve ensinar a Torá à sua filha”. A julgar por Maria, mãe de Jesus, compreende-se que muitas meninas judias conheciam tão bem as Escrituras quanto seus irmãos. 

O Emissário divino, no coração de Israel 

Jesus esteve integrado na comunidade judaica; seus pais obedeceram a todos os requisitos da Lei, com relação à pessoa dele. O seu nome, Yesua, ou Jesus, do qual Josué é uma outra forma, significava “Yavé é a solução”, ou “Yavé nos salva”. Era um nome judeu bastante antigo, muito encontrado na Bíblia.
Josué foi o nome do famoso juiz de Israel que, como consta, fez parar o Sol em seu curso (evidentemente, trata-se de uma alegoria). Segundo Lucas, 3.29, um dos ancestrais de Jesus também tivera esse nome.
Os pais de Jesus tinham nomes tipicamente judeus. O patriarca, administrador do Faraó que estabelecera Israel no Egito, chamava-se José; Maria era um nome dos mais comuns entre as mulheres judias na época.
Os nomes dos parentes de Jesus eram judeus. João (Yohanan) – o Batista – seu primo, os pais de João: Zacarias e Isabel; Ana e Joaquim, seus avós.
A casa em que Jesus viveu em Nazaré antes de iniciar a divulgação de seus ensinamentos era uma habitação humilde, em forma de cubo, como as habitações que os camponeses da Palestina continuaram construindo.
A aparência física dele era a de um judeu, como praticamente eram todos naqueles dias: cabelos longos, barba, que não era uma exigência necessária, cachos laterais (costeletas) – uma continuação dos cabelos nas têmporas e que a Lei tornou obrigatórios. Suas roupas eram as roupas usadas por todos. O Evangelho nos fala de sua “túnica sem costura”.

O Messias

De maneira geral, Israel não reconheceu Jesus como o Messias esperado. Apenas um pequeno grupo o seguia.
A mensagem do Cristo teve certa influência e foi geralmente conhecida na Galileia. No restante da Palestina suas repercussões devem ter sido bastante limitadas.
Os judeus da diáspora devem ter ouvido falar dele casualmente, pelos peregrinos que voltavam de Jerusalém. A maioria do povo judeu provavelmente ignorava as palavras de Jesus.
Certamente a opinião pública não se entusiasmou muito e grande parte daqueles que estavam a par dos acontecimentos não devem ter levado muito a sério a história de um Messias em Israel.
Na época os messias eram muito comuns. Entre o nascimento do Cristo e a queda de Jerusalém, houve pelo menos seis impostores que assim se proclamavam.
Os que estavam mais bem informados teriam considerado a passagem de Jesus na Terra como algo mais que um fato comum, um fait  divers, muito inferior a um acontecimento de importância nacional.
 
Empatia
 
Houve, no entanto, um sentimento de simpatia e entusiasmo por Ele, entre o povo comum. Lucas, 19.48, diz que “ao ouvi-lo, todo o povo ficava dominado por ele”. Lucas se referia, certamente, à multidão, à populaça, não à classe dominante.
Os chamados “milagres” que, segundo alguns, Cristo fez (sabemos que todas as suas curas são explicadas cientificamente) espantaram a muitos, e muitos tornaram-se crédulos depois. Mas aos olhos dos incrédulos da época não era sinal de que ele fosse o Messias, pois alguns dos profetas haviam feito maravilhas que eles denominavam de “milagres”, por não terem capacidade de as explicar.
No final de seu Evangelho, João diz: “Há, porém, muitas outras coisas que Jesus fez; e se cada uma das quais fosse escrita, cuido que nem ainda o mundo todo poderia conter os livros que se escrevessem”.
O maior (e único) milagre que Jesus fez foi o de ter implantado em nosso coração de Espíritos duros, imperfeitos, recalcitrantes, a semente duradoura do seu Evangelho.
A passagem de Jesus pela Terra foi tão fulgurante que dividiu a História da  Humanidade em antes e depois dele.
   
Bibliografia:
“A vida diária nos tempos de Jesus”, de Henri Daniel Rops, 1961, Sociedade Religiosa Edições Vida Nova, SP.

Altamirando Carneiro
São Paulo, SP (Brasil)

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domingo, 17 de janeiro de 2016

Prazer adiado


A disciplina (em todos os sentidos: dieta, caminhadas, responsabilidades, compromissos, vigilância sobre o próprio comportamento, etc.), normalmente é encarada como algo difícil e desagradável. Afinal é difícil resistir a um sorvete ou a uma torta, à tentação de permanecer mais na cama, a faltar num compromisso numa noite de chuva e mesmo atender à necessidade dos cuidados com a saúde. Isso sem falar nos que não resistem às oportunidades da desonestidade, da esperteza que prejudica outras pessoas, ao “jeitinho” brasileiro, aos deslizes morais de toda espécie. 
Resistir, todavia, é grande virtude. Não é fácil disciplinar-se. A primeira providência é não mentirmos para nós mesmos. De que adianta dizer que esse ou aquele compromisso é bom, agradável, quando não sentimos prazer. Então, o oposto é dizer a verdade: não é bom, mas é necessário. Ou, em outras palavras: preciso fazer isso. Preciso estudar, preciso caminhar, preciso resistir, preciso disciplinar-me, mesmo adiando o prazer. Sim, porque segurar-se em várias questões provoca adiamento do prazer que buscamos. 
Adiar o prazer momentâneo, ao invés de trazer sofrimento, o potencializa.
O prazer momentâneo da indisciplina alimentar criará problemas para a saúde. Adiar esse prazer significa mais qualidade de vida, mais saúde. Da mesma forma um estudante que adia o prazer de passear, namorar, etc., potencializa o prazer futuro de se ver aprovado no vestibular. O prazer efêmero da aventura sexual muitas vezes trará muitas “dores de cabeça” no futuro. 
Por isso pensando na disciplina que precisamos aplicar a nós mesmos, busco a inspiração do poeta Cornélio Pires no poema Assuntos de disciplina, que transcrevemos parcialmente:

Tema difícil — meu caro —
Pois disciplina é dever,
Mas isso, enquanto entre os homens,
Não é fácil de saber.

Se vivermos descuidados,
Deixando as horas em vão,
Surgem testes retardados
E lutas de revisão.

A prova que se recusa
É caminho a desamparo,
Ensinamento esquecido,
Mais à frente custa caro.

Todo aquele que se esquece
Do que lhe cabe fazer,
Descamba no prejuízo,
Tem sempre muito a perder.

Lembre, nos quadros da Terra
Que recordamos a dois:
Onde surge a indisciplina,
Tribulação vem depois…

Discipline, caro amigo,
Seu tempo, corpo e função…
Quanto mais ordem na vida,
Mais vida de elevação.

Orson Peter Carrara

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sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

Divaldo Franco e a Casa do Caminho

ESSE MERECE COMPARTILHAR! (Inédito no Face) Espalhe esse grande exemplo *** Divaldo Franco no Fantástico (se a opção de...

Publicado por Livraria do Espírita em Quarta, 18 de novembro de 2015

quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Vozes do outro lado da vida


A Doutrina dos Espíritos (ou Doutrina Espírita, ou Espiritismo) é a ciência que estuda a natureza, origem e destino dos Espíritos, bem como as relações que se estabelecem entre o plano físico e o mundo espiritual. Como ciência de observação investiga os fatos espíritas, como filosofia explica-os, como moral catapulta o Homem para patamares de espiritualidade mais arejados.
Através do Espiritismo, a morte morreu, as provas da imortalidade do Espírito apareceram e continuam a aparecer até aos dias de hoje, através das vozes dos "falecidos" que, por intermédio dos médiuns, demonstram a sua imortalidade. 
Tais fatos sempre existiram desde que o Homem é Homem. 
Allan Kardec estudou-os metódica e cientificamente desde 1857, altura em que o Espiritismo apareceu com o lançamento de "O Livro dos Espíritos". 
Nos dias que correm, são muitos os cientistas e pesquisadores que, pelo mundo afora, investigam e confirmam as assertivas espíritas acima referidas. 
Jorge Gomes, jornalista e editor do "Jornal de Espiritismo" (www.adeportugal.org), conferencista, escritor, já vai para o seu 3º livro lançado pela Federação Espírita Portuguesa (FEP),estando a fazer um notável trabalho de edição de livros espíritas de autores portugueses, bem como reedições de livros espíritas de qualidade– de Allan Kardec, Chico Xavier, Divaldo Franco, Raul Teixeira, Yvonne do Amaral Pereira, entre outros. 
Depois da edição de "Além do Véu" e "Do pós-vida à mediunidade", foi lançado em Portugal, recentemente, nas Caldas da Rainha, o livro "Vozes do outro lado da vida". 
Com uma encadernação muito bem conseguida, este livro é fruto de anos de pesquisa em reuniões mediúnicas, onde o autor conversou com pessoas já na dimensão espiritual (falecidas) que se manifestavam através de médiuns, em reuniões espíritas, num dos centros espíritas existentes na zona do Porto, onde o autor colabora. 
Após uma contextualização inicial no primeiro capítulo, o autor selecionou os casos atendidos, de Espíritos adoentados, acidentados, portadores de deficiência, obsessores, religiosos, suicidas e diversos outros, terminando no capítulo III por fazer uma síntese do que é mais importante nestas situações, da pesquisa, da procura e respectivas conclusões.
O contato sério, metódico, honesto, rigoroso, com o mundo espiritual, prova inequivocamente a imortalidade do Espírito. 
Com um prefácio de Júlio Peres– Psicólogo clínico, Doutor em Neurociências e Comportamento pelo Instituto de Psicologia – Universidade de São Paulo, pós-doutorado no "Center for Spirituality and the Mind - University of Pennsylvania", pós-doutorado em "Diagnóstico de Imagem/Radiologia Clínica - UNIFESP"– este livro destina-se a pessoas não espíritas que pretendam entender o que se passa numa reunião de contato com o mundo espiritual, e destina-se igualmente a pessoas que se interessem pelo assunto, aos espíritas em geral e, particularmente, àqueles que colaboram gratuitamente nas atividades em centros espíritas, nessas reuniões, bem como a quem esteja a efetuar estudos de Espiritismo. 
Na contracapa, o autor diz que "Depois de bem examinado o assunto, confirma-se: a linguagem dos mundos é tão somente o amor, tal como o entendia Jesus de Nazaré. Sem esse sentimento maior no coração, ninguém conseguirá ter, tão cedo, olhos para a luz". 
Que a obra "Vozes do outro lado da vida" nos possa ajudar a vislumbrar esse mundo que nos espera um dia, quando largarmos o invólucro carnal, como decorrência de um fenômeno natural – a morte do corpo físico – que é apenas a abertura de um portal para uma nova vida, um novo patamar existencial, na imortalidade da existência do Espírito. 

Nota – O leitor poderá adquirir o livro "Vozes do outro lado" em qualquer associação espírita que o tenha à venda, em www.feportuguesa.pt ou ainda pelo telefone 351 - 214 975 754.

José Lucas
Óbidos, Portugal

Imagem do livro

sábado, 9 de janeiro de 2016

O retorno ao mundo espiritual


De todas as certezas que podemos ter na vida, a morte é a mais certa delas. Inevitável... chega a qualquer hora e em qualquer lugar, atingindo, sem pedir licença homens, mulheres, crianças, idosos, seres vivos em geral, de qualquer idade, crença ou classe social. 
O curioso, é que mesmo sabendo ser este o destino de tudo o que é vivo, fazemos de conta que ela não existe e que jamais irá nos atingir. Educamo-nos para a vida, mas não o fazemos para a morte, para sua aceitação quando chegar a nossa vez ou a do outro. 
Os motivos que nos levam a cruzar o além são muitos e impostos pela forma como vivemos. Se negligentes ao atravessar uma rua, certamente seremos atropelados; se somos hipocondríacos, poderemos partir por uma intoxicação provocada pelo excesso de medicamentos; se alcoólatra, partiremos por doenças que acometerão o sistema biológico como a cirrose e assim por diante, sem esquecer a transposição pelo suicídio. 
Chegaremos ao plano espiritual e seremos amparados de modo mais ágil ou não de acordo com nossas conquistas e nosso estado mental ditará o local onde habitaremos. Daí advém a necessidade da educação para a morte, que implica em mudanças de atitudes e comportamentos diante da vida. 
Se morrer não é o fim, então porque morremos de medo de morrer? A pergunta é redundante, porém necessária, e a resposta óbvia, morrermos de medo de morrer porque não sabemos o que é a morte e porque não nos adestramos para morrer. E a assertiva é real inclusive para o meio espírita, que como justificativa para a falta de educação para a morte, dizem que não sabem o que encontrarão do outro lado... 
Muitos morrem, poucos desencarnam, pois morrer é ter as sensações vitais paralisadas, mas ter o espírito em agonia pelo passamento. Desencarnar é agradecer pelo corpo que serviu de abrigo ao espírito em sua trajetória evolutiva e seguir sem apego àquilo que já não tem mais funções a desempenhar. É partir livre na certeza de que a vida permanece ativa. 
O historiador Philippe Ariès, pesquisou durante muito tempo o comportamento do homem diante da morte e mostra que a forma como a encaramos é algo novo. As mudanças, do período medieval ao atual foram lentas e muitas vezes não percebidas. 
Na Idade Média, a morte era um evento público que ao ser pressentida fazia com que as pessoas se recolhessem com seus amigos e parentes para dar cumprimento ao ritual de pedir perdão pelas faltas e transcrever o testamento onde era expresso todos os desejos inclusive o de salvação da alma, descrevendo a forma como gostaria que fosse o velório e o sepultamento bem como declarando os valores que seriam empregados para o pagamento das missas em favor da própria alma e de outros que fossem lembrados. 
A prática era enterrar em local considerado sagrado, como nas igrejas para os que podiam pagar ou próximo a ela para os indigentes. Mortos e vivos conviviam pacificamente até que os valores começaram a mudar e o hábito de se fazer festas e feiras nos adros das igrejas desapareceu por ter se tornado um incomodo conviver com os falecidos. 
Na Idade Moderna europeia mantiveram-se os mesmos costumes, porém a visão sobre a morte mudou e esta passou a ser vista como algo que tirava um ente querido. Era uma transgressão aos sentimentos, a morte de si mesmo deixa de ser temida e passa-se a recear a morte do outro. 
Para evitar o contágio com os miasmas pestilentos da morte, surgiram os cemitérios e a família passou a ser o foco das atenções com a adoção do luto eterno como demonstração de respeito e de profundo sentimento pela “perda”. 
Por temer a falta do outro e a fim de evitar sofrimentos, no período Contemporâneo o estado de saúde do moribundo passou a ser escondido deste, ele não devia saber que estava prestes a cruzar a fronteira com o além, porém a intenção era varrer a morte da sociedade. 
A partir da década de 30 do século XX, não mais se morre em casa e cercado de amigos e parentes, mas em hospitais e de forma solitária. Para Norbert Elias, esta forma de morrer é reflexo da forma como se vive nas sociedades modernas, solitariamente. 
Os avanços da ciência médica passaram a permitir o prolongamento ou não da vida, o luto também perdeu o sentido e o pensamento de que morte chegará sempre para o outro, como dito anteriormente, permanece vivo bem como o sentimento de que somos os únicos a sofrer quando chega a termo a vida física de um ente querido. 
Nesse percurso histórico, a morte foi encarada como a ida para o nada e no mesmo período surge o Espiritismo colocando por terra os dogmas explicando que para salvar-se é preciso praticar a caridade, pois, fora desta não há salvação, o que significa, de acordo com o Espírito da Verdade, na questão 886 de O Livro dos Espíritos: benevolência para com todos, indulgência para as imperfeições dos outros, perdão das ofensas. 
O Espiritismo esclarece os meandros temidos da morte, mostrando-a como um processo natural na vida do espírito em seu processo evolutivo. Deixa claro que apenas o corpo vira pó e que o espírito vai encarar a jornada em um novo plano. 
Muitas vezes já morremos e ainda tememos o passar para o outro mundo, um medo justificado apenas pela falta de estudo e de conhecimentos sobre o assunto, visto que educar-se para a morte faz parte do processo de transformação moral do indivíduo. 
Se o Espiritismo esclarece os temores da morte e tem os mecanismos adequados que promovam uma educação neste sentido, porque o espírita ainda treme diante de sua “aparição”? Medo do fantasma de preto segurando uma foice, temor de que o mito da finitude seja verdadeiro ou medo de descobrir a sua verdadeira essência enquanto espírito? 
Em 1959, Chico Xavier fazia uma viagem, de avião, que enfrentou uma grande turbulência. Em meio ao pânico geral, Chico também começou a gritar e todos já esperavam não sair vivos. Emmanuel o repreende dizendo que a cena demonstrava falta de fé na imortalidade da alma. 
De acordo com Kardec em O Céu e o Inferno, o temor da morte parte do instinto de conservação do homem, necessário enquanto não temos esclarecimentos sobre a vida após a morte e também para impedir que sejamos negligentes com a vida corporal e, à medida que tenhamos uma melhor compreensão sobre o seu sistema, o medo desaparecerá. 
Porém, apesar dos esclarecimentos, a morte permanece envolta em mistérios e crenças como o virar santo. As frases direcionadas para os que partem como “olhe por nós daí de cima”, são claras demonstrações de que ainda não sabemos o que é a morte e qual deve ser o nosso procedimento diante do fato, mas também revela a ignorância sobre as condições do espírito. 
A morte não é uma novidade na vida do homem, ao contrário, é um processo natural, tanto quanto nascer. Porém nos escusarmos a entender e até mesmo a falar sobre a morte e segundo Kardec, este comportamento não nos permite penetrar o pensamento no mundo espiritual e por isso temos dele uma visão distorcida que impõe o medo e a falta de informações não deixa que percebamos as condições espirituais de quem parte, pois por melhor que tenha sido quando encarnado, poderá não seguir em paz e, portanto não estar em condições de olhar por nós. 
Cada um encontra-se em um degrau na escala evolutiva carregando o fardo das próprias ações que determinará a realidade da vida no mundo espiritual. Lembrando que a mente culpada projetará sofrimentos e se afinará com outros que estiverem no mesmo patamar energético; a mente em paz consigo mesma e certa de que viveu procurando fazer o bem e em consonância com as Leis Divinas, granjeará benesses. Portanto, este não teme a morte e nem procura justificativas vãs mesmo porque, sabe bem o que é o mundo espiritual e o que lhe aguarda ao cruzar o véu. 
O espírito André Luiz nos diz que a maior surpresa da morte é nos confrontarmos com a nossa consciência, pois é a partir dela que construímos o céu, paramos no purgatório ou nos precipitamos aos planos inferiores. 
Conforme colocou Herculano Pires, a educação para a morte começa no exato momento em que tomamos conhecimento dessa realidade e despertamos para uma noção profunda que nos leva a compreender as implicações e proporções da morte, a perceber a imortalidade como uma benção e uma oportunidade de reencontrarmos os que amamos e dar continuidade à vida com maiores possibilidades de acerto, com liberdade e com a consciência de que somos Espíritos.

Referências:

ARIÈS, Phillippe. História da morte no Ocidente. Da Idade Média aos nossos dias. Trad. Priscila V. de Siqueira. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003.
ELIAS, Norbert. A solidão dos moribundos. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 2001.
KARDEC, Allan. O Céu e o Inferno. Trad. Albertina Escudeiro Sêco. 1ª Ed. Rio de Janeiro: CELD, 2008.
XAVIER, Francisco Cândido e LUIZ, André (espírito). Nosso Lar. Brasília: FEB, 2014.


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