sexta-feira, 17 de março de 2017

Problemas de interpretação


Angustiado visitante reclamava com Chico Xavier:

– Tentei cumprir rigorosamente o Evangelho, mas devo lhe dizer que não deu certo.

– O que houve, meu irmão?

– Sou gerente de uma agência bancária. Concedi vultoso empréstimo a uma pessoa que implorou ajuda, em face de suas dificuldades financeiras. Ocorre que o título venceu e não foi pago. Sou o responsável e vou ter que vender minha casa para pagar ou serei demitido. Por que esse castigo, se apenas cumpri o Evangelho?

E Chico:

– Emmanuel está dizendo que devemos sempre cumprir o Evangelho, mas com o nosso dinheiro, não com o dinheiro dos outros.

A bem-humorada observação do mentor de Chico nos remete a um problema relacionado com a vivência evangélica: a interpretação, em que muitas vezes se confunde alho com bugalho. O nosso gerente de Banco certamente pretendeu observar a recomendação de Jesus, no Sermão da Montanha (Mateus, 5:42): Dá a quem te pedir, e não te desvies daquele que quiser que lhe emprestes.
Porém, levada às últimas consequências, essa orientação de Jesus determinaria a falência de indivíduos e instituições. Por outro lado, não é nada evangélico um lacônico não a quem nos pede ajuda ou a disposição de não receber quem nos pede um empréstimo.
Sob o ponto de vista humano, é um direito agir assim e, talvez, até mais correto do que mentir, como ocorre frequentemente.

Se é o pobre que bate à porta, pedindo ajuda:

– Hoje tem nada não!

Além de assassinar o vernáculo, mentiu, porquanto sempre há algo que se possa oferecer a quem nos bate à porta.

Se é o amigo, que pede empréstimo:

– Sinto muito. Tive muitos gastos recentemente e não tenho como atender à sua solicitação.

Não raro, para evitar o constrangimento da recusa, pede-se a alguém que informe ao visitante:

– Ele não está.

Aqui, o cuidado de dar essa incumbência a uma criança, que na sua inocência, poderá complicar, informando ao ansioso visitante:

– Papai mandou dizer que saiu.

Quando mentimos em situações dessa natureza, incorremos em dupla falta, porquanto infringimos outro artigo do código evangélico. Palavras de Jesus (Mateus, 5:37): Seja o vosso “Sim”, sim, e o vosso “Não”, não. O que disso passar procede do maligno.
Pois é, prezado leitor. Sempre que pretendemos nos livrar de alguém partindo para a mentira, estamos apelando para o maligno que mora em nós, estabelecendo sintonia com as sombras.
Mentir é algo muito sério e comprometedor!

***

O ideal, na vivência evangélica, é o nem tanto ao Céu, nem tanto à Terra. Sempre haverá algo que se possa oferecer ao que bate à porta. Entendo mesmo que sua carência maior, que raramente satisfazemos, é um pouco de atenção.
Lembro uma mensagem de Meimei, em psicografia de Francisco Cândido Xavier, quando diz E, em verdade, se os famintos e os nus te pedem pão e agasalho, esperam de ti, acima de tudo, o sorriso de ternura e compreensão que lhes acalme as chagas ocultas.
Quanto aos empréstimos, amigo leitor, se você está “dando tratos à bola”, buscando uma fórmula intermediária entre o não e o sim, passo-lhe a experiência de um amigo. Diante dos que lhe solicitam empréstimo, que ele sabe, será pago no dia de São Nunca, diz o seguinte:

– Você está me pedindo duzentos reais. Disponho de vinte. Pague quando puder.

Ele sabe que não mais verá a cor daquele dinheiro, mas fica o crédito de uma boa ação, contando com celeste remuneração: bênçãos divinas para sua vida.

Richard Simonetti
Richard Simonetti é de Bauru, Estado de São Paulo. Nasceu em 10 de outubro de 1935. De família espírita, participa do movimento desde os verdes anos, integrado no Centro Espírita Amor e Caridade, que desenvolve largo trabalho no campo doutrinário e filantrópico. Orador e Escritor espírita, tem mais de cinquenta obras publicadas.

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terça-feira, 7 de março de 2017

A Lição da Esperança


Manuel Bandeira, o respeitado poeta brasileiro, se expressou de forma sincera: “Como dói viver quando falta a esperança”.
A falta de esperança predispõe ao suicídio. Os deprimidos graves atentam contra a própria vida pelo sentimento de desesperança.
Dante Alighieri colocou os suicidas no centro do inferno, por terem cometido o maior de todos os pecados, a perda da esperança.
Certo sacerdote católico nos disse que considerava a esperança uma virtude maior do que a fé. Justificou sua opinião assim: “Muitos suicidas têm fé, pois em carta endereçada aos pais falam em Deus e pedem perdão. O que eles perderam é a esperança.”
O apóstolo Paulo, ao apresentar aos cristãos de sua época as três virtudes que ele considerava as mais importantes, colocou a esperança ao lado da fé e da caridade.
O cristão sincero jamais desanima, combate a desesperança e o tédio com rigor e não aceita “entregar os pontos” ou “jogar a toalha”.
A história das irmãs Mariana e Ana Maria de Castro, de 26 anos, residentes em Manaus, fala por si mesma. As gêmeas amazonenses ficaram 24 anos sem andar e sem falar por causa de uma doença neurológica que se manifestou quando as duas tinham dois anos de idade, após uma febre muito alta e convulsão. Elas viveram, todos esses anos, deitadas e para se comunicar com a mãe elas piscavam os olhos. O diagnóstico feito à época era de paralisia cerebral.
A família é humilde e mora num bairro pobre de Manaus. Sobrevivem da aposentadoria de uma delas. A mãe é analfabeta e lava roupa para fora para ganhar um dinheiro extra que serve para a manutenção da casa e compra de alimentos.
Há dois anos, elas foram examinadas por uma nova equipe de neurologistas e levantou-se uma nova possibilidade diagnóstica, uma doença caracterizada pela falta de dopamina no cérebro. Elas foram então medicadas com drogas usadas no tratamento da doença de Parkinson, que agem aumentando os níveis cerebrais de dopamina, e para surpresa geral voltaram a falar e andar.
Dona Socorro, a mãe das meninas, declarou que essa foi uma das maiores emoções de sua vida, ver as filhas andando e se alimentando sozinhas.
A ciência, às vezes, realiza também seus milagres. Mas o maior de todos os milagres é a disposição interior de confiança e perseverança. Deus vela por nós e na hora certa a sua presença se manifesta.

Ricardo Baesso de Oliveira 
Juiz de Fora, Minas Gerais (Brasil)

quinta-feira, 2 de março de 2017

Profilaxia contra o personalismo


"Aquele que quiser ser maior no Reino de Deus seja servidor de todos." - Jesus (Mt., 20:26)

A humildade esteve sempre regaladíssima na Vida de quantos - realmente - foram os Benfeitores da Humanidade.
João Batista não se considerava digno de atar as sandálias d`Aquele que verdadeiramente é a Luz do Mundo, reconhecendo, mesmo, publicamente, que deveria diminuir-se para que Ele crescesse.
Paulo de Tarso, acostumado às bajulações e ao destaque social, humildemente perguntou ao Mestre, ajoelhado nas escaldantes areias do deserto sírio, às porta de Damasco: "Senhor, que queres que eu faça."
O próprio Cristo, vexilário maior da humildade disse que "Bom é o Pai Celestial", não admitindo tal adjetivo para Si.
O exemplo dessas criaturas e de Jesus, em particular, é um verdadeiro e cristalino libelo à humildade!...
Por que, então, encontramos (inclusive nos arraiais espiritistas) algumas criaturas afeitas ao culto da própria personalidade?
Quem cultua a si mesmo, isto é, possui acentuado personalismo, está na mesma posição daquele empregado que enterrou o talento.
Paulo recomendou certa feita aos Filipenses: (Fil., 2:3)

"Cada um considere os outros superiores a si mesmo."

Através da psicografia de Carlos A. Baccelli, irmão José afirma:

“ A recomendação de que cada um considere os outros superiores a si mesmo é, sem dúvida, profilaxia contra o personalismo, que, onde aparece, destrói as melhores intenções."
Não raro - e com muita tristeza - observamos o deplorável espetáculo oferecido por criaturas que, levadas por seus ancestrais e equivocados atavismos, acoroçoados pelo orgulho e vaidade, se deixam emaranhar nas tredas malhas da falsa modéstia e de mal disfarçada soberba à cata de elogios fáceis. É incompreensível que seguidores da Doutrina de Jesus se entreguem a atitudes tais que, via de regra, eclodem em danosas cizânias, tão prejudiciais aos trabalhos da Seara do Mestre.
Paulo recomenda também aos filipenses que todas as tarefas sejam feitas por humildade e não por espírito de contenda. Para lograr tal desiderato, faz-se mister que todos estejamos imbuídos da sinceridade de sentimentos, "de sorte que haja em nós o mesmo sentimento que houve em Jesus Cristo. "

É ainda Irmão José quem aconselha:

"Questionemo-nos acerca de nossos reais interesses em abraçando a Terceira Revelação. Estaremos interessados em nossa redenção espiritual diante de Deus ou em nossa projeção social aos olhos dos homens?!... Estaremos sinceramente empenhados em nossa renovação íntima, como devemos, ou em somente na mudança exterior que nos convém?!...
Porque, infelizmente, contam-se aos milhares os que ludibriam a si mesmos, imaginando iludir os outros, perdendo a valiosa oportunidade de crescimento interior que a presente reencarnação lhes faculta, entregando-se no Além a infindas lamentações sobre o desperdício do tempo.”

Paulo aconselha aos Coríntios (I Cor., 10:7.): "Não vos façais idólatras."

Não se justifica, pois, a tentativa de substituição dos antigos ídolos inertes pela auto-idolatria.

Aconselha Emmanuel[1]:

"Proscreve do teu caminho qualquer prurido idolátrico em torno de objetos ou pessoas (incluída aí a própria pessoa, acrescentamos), reafirmando a própria emancipação das seculares algemas que vêm cerceando o intercâmbio das criaturas encarnadas com o Reino do Espírito.
Recebemos hoje a incumbência de aplicar na edificação do bem desinteressado, o tempo e a energia que outrora desperdiçávamos, à frente dos ídolos mortos, de maneira a substancializarmos o ideal religioso, no progresso e na educação, prelibando as realidades da Vida Gloriosa."

1 - XAVIER, Francisco Cândido Xavier e VIEIRA, Waldo. O Espírito da Verdade. 3a ed. Rio de Janeiro: FEB, 1977, Cap. 72, p. 167.

Rogério Coelho
rcoelho47@yahoo.com.br

Muriaé, Minas Gerais (Brasil)

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

Bagagem


Bias, de Priene (século VI a.C.), um dos sete sábios da antiga Grécia, pontificava por elevados dotes intelectuais. Mais que isso: era íntegro e honesto. Jamais colocou seu talento e sua inteligência a serviço de interesses menos dignos. Diante de questões litigiosas, que exigiam um mediador sábio e justo, dizia-se:

– É uma causa para o cidadão de Priene!

Sua presença conciliatória serenava os ânimos e garantia o triunfo da verdade e da justiça.
Quando Ciro II, o Grande (585-529 a.C.), ambicioso rei persa, iniciou suas guerras de conquista, estabelecendo um dos maiores impérios da antiguidade, as cidades gregas estavam em seu caminho.
Em breve Priene foi sitiada. Instalou-se o pânico. Os moradores trataram de fugir. Em atabalhoado esforço, buscavam levar a maior quantidade possível de pertences. A confusão era enorme. Grande agitação, ânimos exaltados, choro, histeria coletiva…
A exceção: Bias. Deixou a cidade tranquilamente, sem carregar nada. Os amigos estranharam.

– E os seus bens?

O filósofo sorriu, explicando:

– Trago tudo comigo.

Referia-se aos seus valiosos dotes de cultura, conhecimento e virtude. Em qualquer lugar, esses patrimônios inalienáveis lhe garantiriam subsistência honesta e digna.

***

Enfrentamos, na experiência humana, crises periódicas que exigem o resgate do passado ou testam as aquisições do presente.

Moléstia insidiosa.
Acidente inesperado.
Perda de um bem.
Demissão na atividade profissional.
Fracasso de um empreendimento.
Ruptura da ligação afetiva.
Defecção do amigo.
Morte do ente querido.

Sitiados pela adversidade, somos chamados a deixar as posições em que nos acomodamos, à procura de caminhos novos que se desdobram a nossa frente.
Detalhe importante: a crise é também um teste de avaliação. Revela nossa posição espiritual. Dependendo de nossas reações, podemos ser reprovados, com o compromisso de repetir estágios ou ganhar honrosa promoção.

Reclamamos da sorte?
Tropeçamos na inconformação?
Caímos no desânimo?
Mergulhamos no desajuste?

Lamentável!

Superficial é a nossa crença, frágil o nosso ânimo, precária a nossa estabilidade.

Encaramos a adversidade com bom ânimo?
Confiamos em Deus?
Cultivamos a serenidade?
Estamos dispostos a enfrentar o desafio?

Ótimo!

Demonstramos possuir um patrimônio de valiosas aquisições espirituais.
E trazemos “tudo conosco”, a nos sustentar o equilíbrio e a paz, onde estivermos.

Richard Simonetti
http://www.agendaespiritabrasil.com.br/2017/02/23/bagagem/

Richard Simonetti é de Bauru, Estado de São Paulo. Nasceu em 10 de outubro de 1935. De família espírita, participa do movimento desde os verdes anos, integrado no Centro Espírita Amor e Caridade, que desenvolve largo trabalho no campo doutrinário e filantrópico. Orador e Escritor espírita, tem mais de cinquenta obras publicadas.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

Os pais, os jovens, as drogas...


Uma das grandes preocupações do mundo contemporâneo é pertinente as drogas, ou, melhor dizendo, o envolvimento dos jovens, nossos filhos, com elas. E quando o fato ocorre em uma família não raro os pais perguntam-se: Onde foi que eu errei? E mil dúvidas perambulam pela cabeça de toda a família em busca de uma alternativa para a resolução de tão intrincado desafio. E fica outra pergunta: O que eu poderia ter feito para que isso não acontecesse? 
Obviamente que não há uma receita para isto, porquanto os filhos são criaturas dotadas de livre arbítrio, e também não podemos e nem temos condições de vigiá-los 24 horas por dia para que não se envolvam com o mundo dos entorpecentes. E o que fazer? O ideal é sempre antecipar. Dialogar muito com os filhos, interagir, participar de suas vidas e procurar identificar suas tendências. Enfim, aproximar-se do filho, um contato de alma para alma. Esta é, aliás, uma das grandes missões da paternidade ou maternidade. Orientar é a missão. Mas apenas o diálogo resolve, perguntarão alguns? Obvio que não daremos para tão complicada situação uma resposta simplista, de modo a fazer pensar que apenas dialogando iremos livrar nossos filhos das drogas. Todavia, consideremos que o diálogo e a participação na vida desses jovens é fundamental para aproximá-los de nós, abrindo caminhos para que nossos ensinamentos sejam melhor assimilados por eles. Vale ainda destacar que muitos jovens adentram o universo do álcool, por exemplo, bebericando aos 10, 11 anos nos copos de familiares que permitem que tal coisa ocorra. Os familiares dizem apenas: "Sim, você pode tomar um gole de meu copo!" Não há a conversa, apenas a permissividade. Tudo pode, tudo vale! E a criança, de natureza curiosa, quer mesmo experimentar. Mas, como fica se essa criança tornar-se um adulto viciado? Muitos casos assim, de jovens bebericando em copos de familiares acabam dando enorme dor de cabeça não apenas aos pais, mas, à toda sociedade. Observemos. Ora, se sabemos que essas crianças ou jovens podem aderir ás drogas, sejam elas dos tipos que forem, como podemos permitir que convivam desde idade infantil com o álcool que, diga-se de passagem, não deixa de ser uma droga? Deixo para sugestão ao leitor interessante experiência narrada por um amigo. Diz ele: "Tenho dois filhos um menino de 12 e uma menina de 14 anos e todos os domingos realizamos a reunião da família. Nessas conversas domingueiras estamos nos conhecendo mais, eu a eles; eles a mim. Você perguntará: Mas o que isso tem a ver com o tema drogas? Respondo que tem tudo a ver, porquanto - segundo meu amigo - essas reuniões estão desdobrando-se de forma tão agradável que, naturalmente, entra-se na abordagem de diversos assuntos da atualidade, tais como: sexo, drogas, consumismo e por ai vai... "Estamos tendo - diz ele - a oportunidade do diálogo. Estamos nos conhecendo melhor. Abrimos as portas de nossa relação para o diálogo. Pode ser que um deles envolva-se com drogas ou coisas ilícitas, todavia estamos pela ferramenta do diálogo mais próximos uns dos outros". 
Que tal experimentarmos a sugestão do amigo? Ao invés de ficarmos aos domingos assistindo aquela velha lenga lenga televisiva dedicarmos um espaço para a família, aproximando-nos assim dos nossos filhos. Pode ser um caminho para que eles fiquem cada vez mais longe das drogas.
 

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