quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

Felizes, sem preocupação


O conceito de felicidade não é igual para todos, varia de indivíduo para indivíduo, segundo a maneira com que cada um encara a vida e de acordo com os seus interesses como pessoa. O que torna feliz a um pode não significar nada para o outro.
A felicidade está intimamente ligada à satisfação pessoal, tanto do ponto de vista material quanto do espiritual. Aquele que consegue a posse de um objeto muito almejado sente-se feliz como aquele que atende generosamente a um irmão. Porém, há uma distância entre essas duas formas de sentir.
Segundo o Espiritismo, a felicidade real está associada aos valores do Espírito imortal, representados pela conquista da paz interior, das emoções controladas, do pensamento equilibrado e dirigido para o bem; pela naturalidade com que se ama a Deus e ao próximo.
Já se vê que essas conquistas ainda não são comuns entre nós. Elas dependem do progresso moral, das experiências, às vezes enérgicas, por que temos que passar em muitas vidas, não em uma só. Esse acúmulo de experimentações através do tempo vai formando o nosso caráter de homem de bem. A grande maioria de nós está apenas no começo desse processo. Basta ler a resposta dos Espíritos à pergunta 918 de O Livro dos Espíritos e o texto “O homem de bem”, em O Evangelho segundo o Espiritismo, capítulo XVII, e veremos a que distância estamos do “progresso real que deve elevar o Espírito na hierarquia espírita”.
Felicidade hoje, na Terra, se encontra a varejo nos supermercados, nas concessionárias de veículos, nas logomarcas, nas ofertas sedutoras das grandes redes, nos cartões de crédito, na satisfação de uma infinidade de desejos que nunca são saciados.
A ilusão dos degraus sociais e o atropelo na corrida pela visibilidade têm desgastado o homem. O caminho arriscado da fama e do poder e o acúmulo impensado de patrimônio têm consumido suas melhores energias. Essa perseguição quase neurótica da felicidade não garante que ele vá encontrá-la, porque o objeto das buscas é transitório, fugaz, se deteriora, é ilusório. Esses prazeres a que chamamos felicidade não retêm nada que dure, que permaneça no Espírito.
Que felicidade é essa sorvida em transações ilícitas, em concessões perigosas, auferida à custa do suor alheio, trazendo prejuízos morais e sofrimento, cedo ou tarde?
O objeto da nossa felicidade é compatível com a nossa evolução. O que nos consola é saber que ao nos cansarmos de buscá-la onde ela não está, a procuraremos em outro lugar. E essa procura nos colocará, inevitavelmente, defronte da realidade: ela está dentro de nós e não é de se pegar, mas de se sentir. É fluida, é sentimento e razão. O seu descobrimento se dá lentamente, na medida em que vamos compreendendo e sentindo Deus e Suas Leis na consciência. “A felicidade não é deste mundo”, e é relativa porque ainda não se fez no homem. O objeto da felicidade está nele próprio, não nas coisas fora dele.
Esse sentimento é uma conquista gradual do Espírito, trabalho dos séculos e das reencarnações. O homem tem evoluído, mas não compreende ainda a felicidade como subjetiva, como um estado sereno do espírito pacificado.
O homem tem procurado ser feliz e o tem sido, como a criança na posse do brinquedo: ao crescer ela percebe que o brinquedo a tornou feliz por um instante – o da infância – onde o conhecimento e as emoções eram compatíveis com a brincadeira.
Acontecerá o mesmo com todos nós: vamos crescer. Com o tempo, livres das ilusões, perceberemos que a felicidade, apesar de nascer dentro de nós, não se realiza sem o outro, que é o nosso próximo a que se referiu Jesus de Nazaré. Ela vem de mansinho, junto das pessoas com quem convivemos no transcurso inexorável do tempo. Ela está no prazer de trabalhar e construir, na bênção de conhecer e aprender, no lento apuro dos sentidos, na franca expansão dos sentimentos, na alegria das revelações, na transformação do egoísmo em solidariedade.
A felicidade se constrói, leva tempo, mas ela vem. A ponto de, um dia, sermos verdadeiramente felizes sem nos preocuparmos com isso.

Cláudio Bueno da Silva

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segunda-feira, 17 de janeiro de 2022

Lições de amor e perdão


O mundo conheceu o drama da mulher nigeriana que, por ter concebido fora do casamento, foi condenada a morrer apedrejada.
Sua história comoveu o Mundo, mas poucos a sabem em detalhes.
Poucos sabem que ela, aos treze anos foi dada em casamento, pelos pais, a um homem de mais de cinquenta anos.
Após ela ter quatro filhos, foi repudiada por esse marido, com a alegação de que não cuidara de forma eficiente das crianças, permitindo que duas viessem a morrer.
Diga-se, de catapora, em uma região desolada, na savana nigeriana, com total falta de recursos.
Quando o médico chegou, era tarde demais.
Depois disso, ela se casou mais três vezes, tendo ao todo sete filhos.
Conforme a Lei Islâmica, foi repudiada por mais duas vezes e, do último marido, ela mesma pediu o divórcio.
Um primo distante, pertencente à família de seu pai começou a corteja-la.
Toda vez que ela saía, ele a encontrava. Falava-lhe coisas gentis, agradáveis, que a foram seduzindo.
Prometeu-lhe casamento. Ela acreditou ter encontrado a felicidade.
Quando engravidou, feliz, lhe deu a notícia. Ele a aconselhou a fazer um aborto clandestino, que ela não aceitou.
Quando a gravidez não podia mais ser ocultada, ela foi denunciada à Corte Islâmica.
Quem a denunciou? Não foram os vizinhos, parentes ou curiosos. Foi seu irmão. O irmão mais querido.
Aquele que ela, ainda menina, auxiliara a cuidar, levando amarrado às costas muitas vezes.
O drama vivido por essa mulher foi pungente. Humilhada, várias vezes, ao ter sua sentença de morte decretada, seu maior pesar foi que sua filhinha, Adama, ficaria sem mãe.
Duas grandes lições essa mulher passou ao Mundo.
A primeira, é que o fruto da sua ligação com o homem que a abandonou, o motivo da sua sentença de morte, é intensamente amado por ela.
Em momento algum, ela deixou de olhar para a menina com olhos de muito amor.
Mesmo condenada à pena capital, continuou a amamentá-la, acarinhá-la, considerando-a um presente de Deus.
Minha filha me dá forças, ela é o meu alento. - Dizia.
A outra grande lição é a do perdão incondicional. Quando foi decretada sua sentença, o irmão que a denunciara a foi visitar.
Sem esperar que ele falasse, ela se aproximou dele e o abraçou.
Ele estava arrependido do que fizera. Dera ouvidos a amigos, não pensara nas consequências finais.
Misturaram as lágrimas. Ele se ofereceu para auxiliar a pagar o advogado que faria a apelação perante a Corte Islâmica.
Safiya foi perdoada. Considerada inocente.
Graças ao esforço de seu advogado e da grande pressão internacional.
A sua história auxiliará, em seu país, a outras mulheres, com certeza.
As suas lições de amor e perdão, contudo, se fazem exemplo para o Mundo inteiro.

* * *

Safiya vive no mesmo lugarejo, ao norte da Nigéria. Ela tornou a se casar.
Um jornalista italiano transformou em livro a sua história. Parte dos proventos vindos da venda do livro são doados a um projeto de apoio e assistência às mulheres e crianças nigerianas.
Tudo realizado por uma ONG italiana, fundada em 1965. Ao todo, essa ONG trabalha em trinta e seis países da África, América Latina, Ásia e nos Bálcãs, envolvendo quase mil e oitocentos operadores.
Isso demonstra que a solidariedade não tem fronteiras.

Redação do Momento Espírita, com base no livro: Eu, Safiya de Raffaele Masto.

 Imagem ilustrativa

quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

Perseguidos / Elucidações de Emmanuel


Batido no ideal de bem fazer, desculpa e avança à frente.
Açoitado no coração, enxuga as lágrimas e segue adiante.
A indulgência é a vitória da vítima e o olvido de todo mal é a resposta do justo.
Acúleos despontam no corpo da haste verde, mas a rosa, em silêncio, floresce, triunfante, por cima deles, enviando perfume ao céu.
Sombras da noite envolvem a paisagem terrestre na escuridão do nadir; todavia, o Sol, sem palavras, expulsa as trevas, cada manhã, recuperando-a para a alegria da luz.
Lembra-te dos perseguidos sem causa, que se refugiaram na paz da consciência, em todas as épocas.
Sócrates bebe a cicuta que lhe impõem à boca; entretanto, ergue-se à culminância da filosofia.
Estêvão morre sob pedradas, abrindo caminho a três séculos de flagelação contra o Cristianismo nascente; contudo, faz-se o padrão do heroísmo e da resistência dos mártires que transformam o mundo.
Gutenberg é processado como devedor relapso, mas cria a imprensa, desfazendo o nevoeiro medieval.
Jan Hus é queimado vivo, mas imprime novos rumos à fé.
Colombo expira abandonado numa enxerga em Valladolid; no entanto, levanta-se, para sempre, na memória da América.
Galileu, preso e humilhado, desvenda ao homem nova contemplação do Universo.
Lutero, vilipendiado, ressuscita as letras do Evangelho.
Giordano Bruno, atravessando pavoroso suplício, traça mais altos rumos ao pensamento.
Lincoln tomba assassinado, mas extingue o cativeiro no clima de sua pátria.
Pasteur é ironizado pela maioria de seus contemporâneos; no entanto, renova os métodos da ciência e converte-se em benfeitor de todos os povos.
E, ainda ontem, Gandhi cai sob golpe homicida, mas consagra o princípio de não violência.
Entre os perseguidores, contam-se os obsidiados, os intemperantes, os depravados, os infelizes, os caluniadores, os calculistas e os criminosos, que descem pelas torrentes do remorso para a necessária refundição mental nos alambiques do tempo, mas, entre os perseguidos sem razão, enumeram-se quase todos aqueles que lançam nova luz sobre as rotas da vida.
É por isso que Jesus, o Divino Governador da Terra, preferiu alinhar-se entre os escarnecidos e injuriados, aceitando a morte na cruz, de maneira a estender a glória do amor puro e a força do perdão, para que se aprimore a Humanidade inteira.

Da obra Religião dos Espíritos, psicografada pelo médium Francisco Cândido Xavier.


Imagem do livro

quinta-feira, 25 de novembro de 2021

Os limites da liberdade


Em que condições poderia o homem gozar de absoluta liberdade?

Nas do eremita no deserto. Desde que juntos estejam dois homens, há entre eles direitos recíprocos que lhes cumpre respeitar; não mais, portanto, qualquer deles gozará de liberdade absoluta (Livro dos Espíritos, questão 826, Lei de Liberdade).

Um náufrago vem ter em ilha deserta. Constrói tosca habitação e ali se instala. Desfruta de liberdade plena. Movimenta-se à vontade. Faz e desfaz, conforme lhe parece conveniente, senhor absoluto daquela porção de terra.
Tempos depois chega outro náufrago. A situação modifica-se. O primeiro experimentará limitações. A não ser que se disponha a eliminar o recém-chegado, descendo à barbárie, deverá reconhecer que seu direito de dispor da ilha esbarrará no direito do companheiro em garantir a própria sobrevivência. Terão, pois, que dividir os recursos existentes. E a liberdade de ambos diminuirá à medida que outros náufragos aparecerem.
É o que ocorre na vida comunitária, onde nossa liberdade é relativa, porquanto deve ser conciliada com a liberdade dos concidadãos. O limite de nosso direito é o direito do próximo. A inobservância desse princípio elementar gera conflitos. As implicações dessa equivalência de direitos são extensas. Fácil enunciar alguns exemplos:
Não nos é lícito, na vida comunitária, transitar de automóvel pelas ruas à velocidade acima da fixada por lei; a ninguém é permitido, em logradouro público, postar-se nu, nem ali despejar lixo ou satisfazer necessidades fisiológicas. A liberdade de movimentação é restrita. Vedado nos é invadir uma propriedade alheia ou recintos de diversão como cinema ou teatro. Mister sejamos convidados ou nos disponhamos a pagar o ingresso.
Não é conveniente nem mesmo permanecer na inércia se fisicamente aptos, porquanto não nos pertencem os bens comunitários. Alimentos, abrigo, roupas, indispensáveis ao nosso bem-estar e à própria subsistência, pertencem àqueles que os produzem. Somos chamados a produzir, também, com a força do trabalho, a fim de que, em regime de permuta, utilizando um instrumento intermediário, o dinheiro, possamos atender às nossas necessidades.
A perfeita compreensão dos deveres comunitários, que restringem a liberdade individual, é virtude rara. Por isso existem mecanismos destinados a orientar a população e conter suas indisciplinas. Há leis que definem direitos e obrigações. Há órgãos policiais para fiscalizar sua observância. Os infratores sujeitam-se às sanções legais, que podem implicar até no confinamento em prisões por tempo determinado, compatível com a natureza dos prejuízos causados a alguém ou à sociedade.
Quanto maior a expansão demográfica e a concentração urbana, mais difícil o controle da população. E há infrações que nem sempre podem ser enquadradas como delitos passíveis de punição ou nem sempre podem ser rigorosamente detectadas e corrigidas pelas autoridades.
Revelam os infratores, total desrespeito pelos patrimônios individuais e coletivos da comunidade e pelo inalienável direito comum à tranquilidade.
Todavia, estes impenitentes individualistas, ilhados numa visão egocêntrica de vida, saberão, mais cedo ou mais tarde, que nenhum prejuízo causado ao próximo ficará impune.
Se a justiça da Terra é impotente para sentenciar os infratores, a justiça do Céu o fará, inelutavelmente, confinando-os em celas de desajuste e infelicidade, na intimidade de suas consciências, impondo-lhes penosas retificações na presente existência ou em existências futuras.
Aprendemos todos, por experiência própria, que há limites em nossa liberdade de ação e que o mínimo que nos compete, em favor de nossa felicidade, é não perturbar o próximo, tanto quanto estimamos que ele não nos perturbe.

Richard Simonetti

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