terça-feira, 12 de março de 2013

Santa Maria: a velha questão (esquecida) dos riscos


Uma análise da tragédia de Santa Maria/RS à luz da gestão de riscos

Aquela manhã de domingo chuvosa não foi povoada com desenhos animados, programa religiosos ou esportivos. Naquele dia chuvoso, a alvorada dominical deixou o país mais uma vez atônito pela morte de mais de 200 estudantes universitários por conta de um incêndio ocorrido em uma boate durante um show, no município de Santa Maria-RS. Distante ou próximos importa-nos, diante desse fato, reflexões cruciais sobre o futuro, seja de Santa Maria, seja da nossa vizinhança.
O fato lamentável, que causa em todos tristeza e consternação, alimenta o noticiário de opiniões de especialistas e de números que em breve serão esquecidos, pela imposição de outras situações, de dor ou de júbilo, como ocorreu no desabamento de um prédio no centro do Rio de Janeiro, lembrado no seu aniversário recente, no início de 2013. O número que recordo ao ver uma situação dessas é a que a maioria dos incêndios são extintos nos primeiros 5 minutos e que a grande minoria perdura por horas, reforçando a importância do combate inicial. Mas, o combate inicial necessita de uma questão, que será esquecida em toda essa discussão nacional focada no problema e não na solução sobre o sinistro: a gestão de riscos.
Sim, a boa e velha gestão de riscos. Aquela que nos assevera que um acidente é uma soma de incidentes, uma série de descuidos que colapsam em situações desastrosas. No Brasil, nós temos um problema cultural na gestão de riscos, na capacidade de analisar contextos, identificar possibilidades de falhas e de implementar soluções razoáveis e pouco onerosas de mitigação dessas mesmas falhas. Após o ocorrido, falamos de culpados, mas aprendemos pouco sobre o aspecto preventivo, sobre o que deve ser feito no cotidiano para evitar os desastres da mesma natureza. Se vamos utilizar inflamáveis, aumenta o risco, e necessitamos de um extintor por perto com alguém habilitado. Parece simples, mas são medidas que exigem uma conscientização do problema ainda distante.
Gerenciar riscos não é temer tudo, se trancar dentro de casa e lá não sair. È uma postura de analise de estruturas a partir do que já ocorreu em situações similares e dos potenciais de ocorrência customizados naquela mesma estrutura. Identificados os riscos, promovemos respostas, que não tenham um custo proibitivo e que tenham uma eficiência razoável. Por isso nossos cinemas têm saídas de emergência, extintores, mangueiras e passam antes de cada sessão um filminho educativo orientando sobre o que fazer em caso de sinistros. Medidas simples, que foram internalizados por poucos setores, mas que redundam em benefícios pouco quantificáveis, no resultado pelo mal que não ocorreu.
A busca pela pseudo-eficiência, por fazer mais e a menor custo, pode ser um entrave para as regras preventivas, taxadas de burocráticas ou alarmistas. Ousados, intrépidos, mas às vezes negligentes. Eis o desafio de ponderar a necessidade de se fazer coisas com a prevenção das incertezas. Desafio que se apresenta em cada situação de forma diferente. Na prática, após arrombada a porta, compramos um cadeado maior que o necessário, carregados pelo medo e pouco pela racionalidade.
O medo gera a supervalorização do risco. Após esse ocorrido, nos lembraremos de verificar o extintor de nosso andar no trabalho, de qual foi à última vez que o bombeiro inspecionou nosso prédio, faremos algum investimento de modo a reforçar nossos mecanismos preventivos. È nosso, do ser humano, reagir com medo aos desastres, como ocorreu com a forma com que encaramos o translado aéreo após os atentados de 11 de setembro ou a energia nuclear após o desastre de Fukushima. Na era da comunicação instantânea, a informação alimenta medo, ainda que de forma efêmera. Entretanto, a situação demanda de nós mais um pouco. Exige-nos atuar sobre o sistema, sobre a educação das pessoas em relação ao imprevisto provável.
Onde estão as aulas nas escolas sobre como prevenir incêndios e outros sinistros? Quantas vezes fizemos exercícios de evacuação no ambiente de trabalho? Sabemos realmente utilizar um extintor e como se portar diante de um risco de incêndio? Dado que a fiscalização regular apontou falhas na prevenção de incêndio de um estabelecimento, como tornar isso público aos seus usuários? Todas essas questões e muitas outras voltam à mesa de discussão diante de um fato lamentável como este e nos remetem ao fortalecimento de uma cultura que transcenda a questão da fatalidade ou da culpabilidade em um acidente desta monta, resgatando a necessidade de enxergarmos o aprendizado que modifique sistemas e procedimentos.
O investigar momentâneo nos apontará culpados, mas essas informações necessitam reverter na atuação dos órgãos competentes, na informação as pessoas sobre os riscos de um incêndio em cada ambiente, como ocorre nos cinemas, um exemplo de prevenção que não nos constrange ou causa mal estar.
Descreio que seja apenas um problema de mudar leis ou aumentar a fiscalização. Existe uma questão das pessoas comuns identificarem as situações mínimas de segurança necessárias em um local de sua freqüência, como já internalizamos no uso de cintos de segurança ou na higiene nos alimentos que consumimos fora de casa. Uma mudança de cultura!
E como mudar a cultura de uma comunidade? Bem, fatos gravosos como esse chamam a atenção e possibilitam uma maior absorção de informações. Aí temos os meios clássicos: campanhas publicitárias, reportagens na televisão, a ação em sala de aula, a produção de livros e cartilhas. Mecanismos simples, mas que poderão atuar sobre o elemento humano na sedimentação de uma cultura preventiva em relação a incêndios, em casa, no trabalho e no lazer. A mudança cultural é de difícil mensuração por prevenir o que não aconteceu, mas nem por isso é menos necessária.
Como um filme de cinema-catástrofe, vamos terminar o domingo de números e especialistas, de hipóteses e suposições, dormindo um pouco mais tristes e assustados. No nosso íntimo, buscaremos pensar nos que perderam a vida e naqueles sofridos familiares. Vozes clamarão por justiça, relembraremos desastres similares. Entretanto, a vida nos pede um pouco mais nesse momento.
Necessitamos de uma reflexão sobre o sistema, sobre como abordamos a questão do fogo e seus riscos, pensando no futuro de uma forma corajosa e madura, para que as ocorrências que agora nos trazem lágrimas sejam menos freqüente, na concreta valorização da vida.

Marcus Vinícius de Azevedo Braga
acervobraga@gmail.com
Brasilia, DF (Brasil)

Imagem ilustrativa

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