sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

A resiliência barata


Antigo conto infantil, a Dona Baratinha, narra a história de um personagem que se posta humildemente, todos os dias, na sua janela, com um laço de fita na cabeça e uma moeda no bolso, cantando “Quem quer casar com a senhora Baratinha, que tem fita no cabelo e dinheiro na caixinha (...)”.
Após recusar vários pretendentes, a exigente baratinha aceita se casar com Dom Ratão e, marcado o casório, o noivo vem a falecer no caminho da igreja, precipitando-se na panela de feijoada que esquentava na cozinha da Dona Baratinha, como quitute principal das bodas.
Apesar de desconsolada, a Dona Baratinha, após um momento de choro, coloca novamente a sua moeda em uma caixa, prende a fita na cabeça e volta à sua janela, para cantar a sua cantiga: “(...) Quem quer casar...”.
Essa singela historieta infantil, narrada entre outras obras, no livro “Lembranças amorosas”, de Francisco Gregório Filho (2000, Editora Global, SP), tem como tema central a resiliência, uma importação de conceitos da física para a psicologia, na adaptação do indivíduo com sucesso a experiências de vida difíceis ou desafiadoras, ou seja, a capacidade de superar as mazelas humanas e retornar à “vida que segue”, como faz a corajosa baratinha da história.
A virtude da resiliência é cara, uma rara ferramenta para o enfrentamento dos múltiplos e naturais desafios da vida encarnada que, ainda que sejam planejados ou fruto de resgates, trazem traumas à criatura. Por vezes, nós nos “congelamos” diante dos problemas pontuais e inesperados e ficamos em estado letárgico diante desses fatos momentosos, sem conseguir retornar ao nosso “estado natural”. 

A caixa – Após uma situação traumática, muitas vezes entramos em uma caixa mental, absortos que ficamos naqueles problemas, sem enxergar uma solução, uma fresta de luz que nos guie à superfície, à maneira de uma pessoa presa em um caixa. Nesse processo, os problemas se tornam maiores do que são e as soluções se apresentam cada vez mais distantes e impossíveis.
Esse processo de internalização no problema ocorrido leva o indivíduo à depressão, ao insulamento e até ao suicídio. Afogado nos problemas, se entrega aos vícios, reduz a sua autoestima e vive da piedade própria. A falta de aceitação do que houve, a negação e a reclamação inconteste fazem com que o indivíduo se esqueça de si e do mundo, preso em um castelo de ilusão, construído no alicerce da dor sofrida.
É preciso sair da caixa!

Tocando em frente – Nas diversas lutas da vida, é preciso seguir em frente, superar, contornar, enfrentar... Sacudir a poeira e dar a volta por cima. Mas, em que pese a simplicidade desse discurso motivacional, o desafio é bem mais complexo no plano real.
O primeiro passo para “sair da caixa” é enxergar o nosso problema com o devido afastamento, dando a ele o tamanho que merece. Conta-se uma história de Buda em que este, ao ser abordado por uma mulher que perdeu seu filho, entregou a ela sementes de mostarda, pedindo que as entregasse em uma casa na qual ninguém tivesse perdido algum ente querido, exemplificando a necessidade de olhar a dor de nosso irmão, para ver como a nossa é pequena.
Outro ponto é a presença de nossos amigos. Como amigos de fé, irmãos camaradas, devemos estar atentos para perceber no cotidiano aqueles que pela força dos problemas começam a entrar na caixa e não conseguem seguir o caminho da resiliência, retomando a vida. Nessa hora, a palavra amiga, o ouvido companheiro e o ombro reconfortante operam milagres.
Por fim, diante dos problemas, o cultivo da fé que sustenta é fundamental para o reerguimento dos que sofrem. A crença na vida futura, na justiça divina e na bondade de Deus é essencial ao bem sofrer, que permite sentir, mas também se libertar.
A resiliência não é uma virtude barata e revela a maturidade dos Espíritos e uma profunda confiança em Deus. Como a baratinha, passado o luto, é necessário voltar à luta diária, à esperança que nos impulsiona a seguir em frente.
Entretanto, a Lei é de amor e, nos momentos de bonança, devemos nos recordar daqueles que sofrem aprisionados nas caixas mentais. Eles necessitam de uma mão externa, que os auxilie a romper esse desafio, na visão de que a nossa evolução se dá no coletivo.
As dores são inevitáveis e as sentimos de formas variadas, reagindo de diversas formas, como os galhos de uma frondosa árvore diante do vento. É preciso, no entanto, voltar à nossa posição original, como galhos fortes e amadurecidos por mais uma prova vencida na longa estrada da evolução, à espera de outras ventanias, naturais, de chuvas de verão.

Marcus Vinícius de Azevedo Braga
acervobraga@gmail.com
Brasília, DF (Brasil) 

Imagem ilustrativa

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