Mesa inter-religiosa no V Congresso Brasileiro de Pedagogia
Espírita e II Congresso Internacional de Educação e Espiritualidade, promovido
pela Associação Brasileira de Pedagogia Espírita (abril de 2014)
Resolvi escrever no meu blog esse desabafo porque é
necessário pelo menos que aqui, num terreno meu, e livre, eu possa dizer tudo o
que penso e me seja garantida uma escuta honesta.
Há uma conspiração do silêncio de 150 anos em torno do
Espiritismo e eu, como militante da ideia emancipadora da Pedagogia Espírita, sofro na
pele diariamente esse silenciamento em forma de censura, de boicote, de
patrulhamento ideológico, de que aliás, os próprios espíritas, muitas vezes
fazem parte, por medo, covardia e por falta de entendimento do que o
Espiritismo representa.
Kardec foi banido da cultura do século XIX, juntamente com
todos os que o sucederam em pesquisas sérias a respeito dos fenômenos
espíritas, como Crookes, Geley, Lodge, Zöllner, Lombroso, Conan Doyle e tantos
outros. Se estes continuam a ser respeitados nos domínios do conhecimento
cientifico em que se destacaram – as biografias, os artigos científicos, as
divulgações de seus nomes omitem sutilmente que eles tenham se envolvido com
esse modismo ultrapassado do século XIX e início do século XX.
Claro, se entendermos o Espiritismo como mais uma religião,
piegas, retrógrada, desatualizada em relação aos avanços do pensamento
contemporâneo, enfim uma idéia ultrapassada do século XIX, não há como não
manter um desprezo em relação a essa corrente de pensamento, a Kardec e a tudo
o que vem com o qualificativo de espírita. E quando se silenciam os cientistas
que pesquisaram e os pensadores que filosofaram é o que vai ficar mesmo do
Espiritismo. Porque é verdade que o movimento espírita no Brasil muitas vezes
apresenta exatamente esse perfil, movido por um mercado editorial altamente
comercial, que publica majoritariamente hoje livrinhos de auto-ajuda e romances
sem nenhuma consistência literária ou filosófica.
Então, para as pessoas que guardam essa imagem do
Espiritismo, não adianta eu falar que fiz minha tese sobre Pedagogia Espírita
na USP, patrocinada pelo CNPQ; não adianta explicar que temos uma proposta de
inter-religiosidade; não adianta fazer 5 magníficos congressos brasileiros de
Pedagogia Espírita e dois inesquecíveis congressos internacionais de Educação e
Espiritualidade, colocando a Pedagogia Espírita em pé de igualdade com outras
pedagogias, em diálogo com elas, como a Waldorf, a de Paulo Freire, a de Montessori,
a anarquista e tantas outras, que foram representadas nesses congressos!
Não adianta um trabalho sacrificial de 10 anos de ABPE e 16
de Editora Comenius justamente tentando resgatar o próprio Espiritismo como uma
proposta cultural, como uma espiritualidade universalista, como um pensamento
progressista e atual, filosófica e cientificamente consistente!
O que acontece? Tivemos eu e o Alessandro Cesar Bigheto um
livro de Filosofia para o ensino médio avaliado duas vezes por ineletctualóides
patrulheiros de uma universidade pública, para entrar como livro a ser adotado
pelo governo para as escolas públicas. E qual a primeira objeção feita ao livro
(o que dá para perceber que o restante é procura de pelo em ovo!)? É que em 400
páginas, mencionamos uma vez o nome de Kardec, como um pensador do século XIX.
Mas mencionamos também Dalai Lama, Leonardo Boff, Confúcio, Lao Tsé, Madre
Teresa de Calcutá – porque o livro é interdisciplinar e plural e pretende
dialogar com várias árias e correntes. Mas como mencionamos uma vez Kardec, é
proselitista! E estamos fora do programa do governo.
Essa postura vem de fora, dos não-espíritas, acadêmicos, que
vivem em seus feudos dogmáticos (marxistas, freudianos, lacanianos,
piagetianos……) que sentem um absoluto desprezo pelo pensamento espírita e nem
sequer se dão ao trabalho de pesquisar e ver que existem intelectuais dignos
que defendem essa corrente. Podem aceitar um Leonardo Boff, que nunca deixou de
ser católico. Mas torcem o nariz para um Herculano Pires ou uma Dora Incontri.
Eu já presenciei uma banca da Unicamp brigar na minha frente
se eu deveria ser aceita ou não num concurso de professores, pelo fato de eu
ter como um dos meus objetos de pesquisa o Espiritismo. E eu já era doutora e
pós-doutora pela USP. Claro que não passei no concurso. Mas claro que, como em
todo processo de discriminação, seja com negros, mulheres, homossexuais, a
coisa é velada. Se forem indagados, os examinadores dirão que havia melhores
candidatos, etc.
E quando vamos divulgar nossos eventos? Já o tema de
espiritualidade encontra resistência! Mas se sabem que a Associação Brasileira
de Pedagogia Espírita que está promovendo um evento, mesmo que não tenha nada a
ver com o Espiritismo, qualquer divulgação nos meios de comunicação nos é
vedada. Mas não ocorre o mesmo se há um evento na PUC (que é católica) ou na
Universidade Mackenzie (que é presbiteriana).
Para esse patrulhamento ideológico, para que os espíritas
não tenham uma voz na sociedade – digo uma voz consistente e respeitada, no
pensamento acadêmico, nos meios de comunicação e não aparecer com idéias
chinfrins que nem espíritas são, como crianças índigo em novela da Globo –
unem-se ateus, marxistas, evangélicos, católicos… todos excluem o espiritismo e
se negam terminantemente a nos dar uma voz.
Mas o pior não é isso! Os próprios espíritas assumem esse
papel, de calar outros espíritas que estejam trabalhando para marcar um espaço
de atuação do Espiritismo na sociedade, a partir de uma visão progressista,
plugada no mundo.
Quando entrei com minha tese sobre Pedagogia Espírita na
USP, depois de 5 anos de tentativas, quem me ajudou foi um católico e uma
judia. Professores titulares espíritas, a quem eu havia pedido para serem meus
orientadores, fugiram da raia. Felizmente, honrei a confiança com que esses
professores me ajudaram e minha pesquisa foi financiada pelo CNPq, tendo todos
os relatórios aprovados, sem nenhum reparo. Não estou dizendo isso para me
gabar, mas apenas para pontuar que o trabalho tinha respaldo e coerência.
Veja-se outra experiência nossa: pessoas amigas, espíritas,
que freqüentam nossos eventos, e nos elogiam e usam nossos materiais, promovem
eventos grandes e pequenos de educação e não nos convidam. Outros fazem
projetos, diálogos, reportagens, que contam com nosso apoio, e não nos
mencionam.
E o que eu já tive de ouvir de inúmeras pessoas, inclusive
próximas, amigas, parceiras, que me aconselharam a não usar o nome espírita na
Pedagogia que propomos! Então, em vez de vencer o preconceito e quebrar o
boicote, devemos ceder? Esconder a nossa identidade? Ou estão os próprios
espíritas convencidos de que o Espiritismo é um discurso atrasado, um
positivismo do século XIX ou uma ingenuidade filosófica?
É claro que todo esse silenciamento e esse boicote têm conseqüências
práticas muito óbvias: a dificuldade de nos mantermos financeiramente e
levarmos adiante a proposta. Hoje, mata-se uma idéia, deixando-a a míngua de
recursos financeiros. E a conspiração do
silêncio tem essa função.
Será que estamos falando grego, perguntou uma querida amiga
minha? Será que não dá para entender que estamos falando a partir de um lugar?
O lugar é o Espiritismo compreendido como um projeto cultural, filosófico e
sobretudo pedagógico, que tem direito à cidadania acadêmica, que tem
representatividade social para aparecer na mídia, que tem consistência teórica
para dialogar com outras correntes de idéias! Que a Pedagogia Espírita caminha
em diálogo com as pedagogias mais avançadas da atualidade (quem promoveu um
congresso para mostrar isso fomos nós mesmos, mas os que participaram e
gostaram e se beneficiaram dessa participação, nem sempre reconhecem nosso
valor)! Não dá para notar que não queremos doutrinar ninguém no Espiritismo,
tanto que em nossos congressos falam pessoas de todas as religiões, budistas, islâmicas,
judeus, afro-brasileiros e também marxistas e ateus?… Quem tem essa postura
plural em nossa sociedade? As universidades não têm! As religiões não têm. E
nós temos e não somos respeitados e valorizados por isso! Obviamente que há
pessoas e grupos que reconhecem isso e nos apóiam! Não quero parecer ingrata
com esses. Mas o boicote é grande.
Enfim, desabafo aqui, apenas para desabafar, porque o
silêncio provavelmente deve continuar. Por isso, grito: Temos o direito de ser,
de existir e de marcar um território de influência na sociedade.
Dora Incontri
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