quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Um dia de Buda


Fruto de um acidente doméstico, Aristeu teve parte de seu corpo queimado. Foi grande a dor na hora e insuportável depois, entre bolhas e o medo da infecção e do estigma das cicatrizes.
Aristeu, que levava uma vida pacata e tranquila, se viu às voltas com os efeitos daquele acidente doméstico, que mobilizou família e amigos na assistência ao bom companheiro. Após o atendimento emergencial, restou a ele dar continuidade ao seu tratamento em um hospital especializado em queimados, onde, dia sim e dia não, ele seguia o rito de pomadas e de unguentos, na troca de curativos sob o olhar atento dos profissionais de saúde.
Na fila de espera, na antessala dos ambulatórios, Aristeu observava atentamente que havia casos piores que o seu. De cada dor, de cada caso narrado, descobria o sofrimento de seu irmão desconhecido, que ele ignorava no conforto do seu lar, vendo o mundo e suas agruras apenas pela tela da televisão.
Assim seguiu o tratamento de Aristeu, que tratou seu corpo e a sua alma, que foi se iluminando à medida que via, no olhar do seu irmão, dor maior do que ele jamais imaginava sentir. Nas queimaduras cicatrizadas nasceu uma nova pele. No seu espírito, regenerado, nasceram novas convicções e visões de mundo.
Assim, nos isolamos do mundo, longe de suas realidades, e quando o destino nos empurra para fora dos muros de nossos palácios, nos defrontamos com a doença, a morte, a pobreza e toda sorte de provações.
A ideia de nos pouparmos do mundo, de seus desafios, nos impede de crescer. Preferimos o paraíso da redoma, crer que o mundo seja uma propaganda de refrigerantes, com jovens sorridentes, para se debulhar em lágrimas nos dramas das telenovelas, concluídos com um apertar de botões.
O mundo não e só dor e sofrimento... O mundo não é só alegria esfuziante... O mundo é um mosaico de histórias e desafios, de sorrisos e lágrimas, que nos conduzem a um processo de amadurecimento como Espíritos, na bendita escola que chamamos de planeta Terra.
Negar a dor do próximo não nos isenta do compromisso com os nossos irmãos. A chaga mais proeminente nos dias de hoje, o individualismo, nos leva ao isolamento em castas econômicas, nas quais ignoramos os desafios alheios e deixamos de aprender com isso.
Essa discussão nos conduz a uma profunda reflexão, de como conduzimos nossos trabalhos assistenciais na seara espírita. Que indicadores estabelecemos para classificar esses trabalhos como satisfatórios? Seria a quantidade de bolsas distribuídas? O volume de recursos arrecadados? Será que esquecemos nesse sentido o valor da troca, do olhar, do abraço? A importância do trabalho no bem está no aprendizado profundo do abraço que damos no nosso irmão em dor!
Em hipótese alguma defendo aqui o turismo da caridade, emblemático na visita às comunidades cariocas pelos estrangeiros, como um safári da pobreza. Defendo a nossa interação interventiva e pessoal no trabalho do bem, de forma a falarmos e ouvirmos, nas visitas a hospitais, orfanatos, asilos e toda sorte de instituições que concentrem pessoas necessitadas, tanto quanto nós necessitamos de ouvir aquela palavra de resistência e luta, diante das provas mais agudas, que virão, ou que nos atormentam.
Sidarta Gautama, o Buda, criado no luxo e na opulência, teve a sua iluminação ao sair de suas suntuosas dependências para encontrar as dores humanas. Aristeu também nasceu de novo, reformulando a sua disposição diante da vida. De cada experiência, de cada dor, colhemos o aprendizado, mas ofertamos também a palavra amiga e o sorriso de esperança, em um exercício permanente de amor, na interação com o próximo.

A nossa iluminação se faz quando rompemos as paredes que nos isolam do mundo, no encontro do próximo. Às vezes, precisamos de dias de Buda para refletir sobre essa realidade. Precisamos trabalhar o nosso coração, torná-lo robusto no amor, um exercício que se faz no encontro com o outro, na alegria e na tristeza. 

Marcus Vinícius de Azevedo Braga
Brasília, DF ( Brasil ) 

Imagem ilustrativa

domingo, 1 de dezembro de 2013

“As estruturas de raciocínio lógico da Ciência e da Doutrina Espírita são equivalentes”


Doutor em Física vinculado ao Instituto de Física da USP São Carlos, o confrade goiano fala sobre os pontos de ligação existentes entre a Ciência convencional e o Espiritismo. 

Otaciro Rangel Nascimento (foto), nascido em Goiânia-GO e residente em São Carlos-SP desde 1978, é graduado em Física pela Universidade Federal de Goiás, possui Mestrado e Doutorado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e trabalhou na PUC-Rio até final de 1977. Atualmente vincula-se ao Instituto de Física da USP
São Carlos, como professor e pesquisador Senior. Espírita desde 1962, é palestrante muito conhecido e está integrado à casa espírita Obreiros do Bem, na cidade onde reside. Submetemos ao amigo uma análise sobre os temas que trazemos na presente entrevista. 

Como definir a ciência? 

A ciência é o conhecimento ou um sistema de conhecimentos que abarca verdades as mais gerais e abrangentes possíveis bem como a aplicação das leis científicas derivadas, obtidas e testadas através do método científico. Nestes termos, ciência é algo bem distinto de cientista, podendo ser definida como o conjunto que encerra em si o corpo sistematizado e cronologicamente organizado de todas as teorias científicas, bem como o método científico e todos os recursos necessários à elaboração delas. 

E como situar o cientista?

O cientista é um fator essencial à ciência, e como qualquer ser humano, dotado de um cérebro imaginativo, criativo, crítico e também com sentimentos e emoções. O cientista certamente também tem suas crenças – convicções que podem ir além da realidade tangível, podendo mesmo ser, não raramente, um religioso convicto. Ao definirem-se ciência e cientista é relevante ressaltar que em seus trabalhos científicos saiba manter suas crenças separadas de seus artigos científicos e das teorias científicas com as quais trabalha; constituindo-se estes dois elementos – ciência e cientista – certamente muito distintos.

Como vincular os esforços da ciência, no conjunto dos conhecimentos e ativa presença dos cientistas, diante da realidade de tantas divergências de interpretações e visão dos fatos?

O cientista, quando elabora um trabalho científico, só consegue sua publicação depois de ter seu trabalho analisado e criticado por dois, três ou mais cientistas da área de seu conhecimento e recebido deles opinião unânime da boa qualidade de seu trabalho. Desta maneira as divergências nos trabalhos científicos são minimizadas. Entretanto, quando algum resultado é apresentado como surpreendente, provoca debates acirrados na comunidade científica até que todos os aspectos referentes ao tema sejam de aceitação geral pela comunidade científica. Para isto são realizados os congressos internacionais de Ciência em cada uma de suas áreas de atuação com frequência anual, bianual ou maior período. Por esta razão a Ciência se desenvolve de uma maneira relativamente harmônica.

Como ficamos com a ciência diante da revelação espírita?

Neste sentido diríamos que o escopo ou paradigma da Ciência é ainda a Matéria e não o Espírito. Sendo assim, não podemos esperar a palavra da Ciência em favor da realidade espiritual e muito menos da Revelação Espírita. No entanto do ponto de vista do Cientista já encontramos muitos esforços no sentido de trabalhar a hipótese do Espírito em algumas áreas do conhecimento científico, como a Neurociência. É um ponto de curiosidade científica se a consciência está no cérebro ou fora dele. Se o pensamento é uma forma de energia que se transmite entre mentes e ou cérebros. Se as possibilidades paranormais justificam ou não a existência do espírito como independente da matéria. De minha parte tenho certeza que estas iniciativas científicas vão abrir as portas da realidade espiritual e o pensamento científico se ocupará delas em futuro muito próximo. 
      
E como situar a revelação espírita perante a ciência?

No estudo da Revelação Espírita entendemos claramente a intenção do Mundo Espiritual, em face do adiantamento da humanidade terrena, que ela, a Revelação Espírita, veio no momento certo para convidar as almas mais preparadas para antecipar e trabalhar a concepção humana na direção da realidade espiritual até então esquecida pelo homem sensorial. De fato ela é uma Revelação Espiritual partida do Mundo Espiritual e que contou com o trabalho de homens maduros e sérios que cultivavam o conhecimento científico na época de seu surgimento, e que, por isto mesmo, perceberam a sua lógica racional e a veracidade dos fatos hoje conhecidos como mediúnicos, como autênticos e verdadeiros. É de se salientar a presença do Professor Rivail, ou senhor Allan Kardec, como a mente lúcida e o sentimento equilibrado que pôde sistematizar as informações espirituais que lhe chegaram por diferentes médiuns e grupos estudiosos e dar um corpo doutrinário a estas informações de uma forma didática e logicamente estruturada. Por esta razão ele é o Codificador da Doutrina Espírita e uma regra importante que ele usou anda meio esquecida pelos continuadores espíritas de nossa época que é: Uma informação nova só pode ser incorporada à Doutrina Espírita se ela passar pelo caráter da universalidade dos ensinos dos Espíritos. A Ciência, enquanto não incorporar em seu paradigma a possibilidade do Espírito, não se ocupará da Revelação Espírita, mas cresce o número dos cientistas que se ocupam com a realidade espiritual.

Que pensar sobre a opinião de um pesquisador de qualquer área da ciência perante os conhecimentos que gradativamente se acumulam na humanidade, inclusive a revelação espírita, face à diversidade de entendimento e amadurecimento de cada um? Especialmente se considerarmos os hábitos, crenças e condicionamentos humanos?

É importante neste aspecto não perder de vista que a opinião de uma pessoa, seja ela cientista ou não, não passa de uma opinião pessoal que, para ser considerada, precisa ser analisada com critérios da lógica e da sua inclusão dentro de outras opiniões que a corroborem como digna de ser levada a sério. Senão incorreremos na formação de correntes de pensamentos que não se suportam a si mesmos, mas que são capazes de angariar apoio de pessoas menos cautelosas e criar com isto desenganos que podem levar ao sofrimento muitas pessoas. Hoje com a internet isto tem acontecido com muita intensidade, pois que muitas pessoas acham que se está na internet é verdade. Veja por exemplo o ocorrido recentemente com as interpretações errôneas do calendário Maia. Para evitar tais acontecimentos, busquemos conhecer com mais profundidade os indivíduos que se apresentam como pesquisadores e atentemos para a seriedade de suas opiniões.

Em sua opinião, qual a maior contribuição do Espiritismo para a Ciência no geral?

Como disse anteriormente, a Doutrina dos Espíritos codificada por Allan Kardec veio abrir portas para uma realidade esquecida pelo homem de Ciência e para os desenganados das religiões, convidando o homem sério a buscar o conhecimento da realidade Espiritual. Assim como a Ciência delineia as Leis do mundo sensorial para o nosso conforto material transitório, a Doutrina Espírita delineia as Leis Espirituais para o nosso conforto interior como seres espirituais permanentes. Ela nos ajuda a compreender os verdadeiros objetivos da Ciência e da própria vida terrena.

Quais os principais pontos de ligação entre a ciência convencional, com suas pesquisas e busca do entendimento dos fatos na formulação de leis e princípios, e o Espiritismo?

Já o disse anteriormente. Os pontos de ligação estão justamente nos métodos de análises utilizados por ambas. A Doutrina Espírita é uma ciência de observação e como tal não podemos ter domínio sobre os fatos, pois que os Espíritos têm vontade própria e não se submetem ao mando do cientista. Neste sentido ele é parecido com a Astronomia cujos fatos são observados, mas não realizados em laboratório, como outras áreas da Ciência material. 

Há algo marcante em suas reflexões pessoais que gostaria de relatar?

Gostaria de deixar claro aqui minha opinião como cientista e espírita. O estudo da Ciência e da Doutrina Espírita para mim são recursos educadores de minha alma. As estruturas de raciocínio lógico da Ciência e da Doutrina Espírita são equivalentes, e o entendimento de uma e outra me ajuda a viver com mais equilíbrio e serenidade. Saber-se imortal e saber que aprenderei sempre é uma grande felicidade. 

Qual sua visão acerca do panorama atual de conhecimentos humanos frente ao avanço do pensamento espírita?

O panorama atual da humanidade é de conflito entre o egoísmo individual e coletivo com os anseios de um mundo mais justo e generoso. A Humanidade está internamente dividida entre o sofrimento de muitos e a vantagem de poucos. A Ciência e a tecnologia facilitam a vida do homem, mas os homens dificultam a vida uns dos outros por falta de uma visão de solidariedade e amor. Aquele lema da Revolução Francesa de mais de duzentos anos – Liberdade, Igualdade e Fraternidade – não aconteceu ainda entre os homens. Todos ansiamos por este lema, mas não sabemos executá-lo por falta da convicção da nossa realidade espiritual permanente e evolutiva. Neste sentido só a Doutrina Espírita pode solucionar este conflito. Por esta razão estão certos os Espíritos: a prática e divulgação da Doutrina Espírita é a maior caridade que podemos fazer neste momento de transição. 

Algo mais que gostaria de acrescentar?

Estou feliz por poder dizer àqueles que nos leem que podemos juntos mudar o mundo para melhor, começando por mudar a nós mesmos, já que não podemos dar aquilo que ainda não temos. Unamo-nos em torno de um ideal comum que é nos tornarmos uma única família sob a égide de um mesmo patrono que para mim representa o modelo de homem ideal: Jesus.

Matéria extraída da Revista Eletrônica: O consolador