Em uma das mais belas passagens evangélicas, na minha
opinião, o chamado milagre da multiplicação dos pães e dos peixes, Jesus
alimenta uma multidão esfaimada a partir de uma singela porção de pães e
peixes. Para além da discussão fenomenológica dessa passagem evangélica, essa
ideia dadivosa e multiplicativa que se apresenta nessa mensagem do nazareno se
faz presente também em outras passagens, na sentença do “pedi e obtereis”, ou
ainda, na Parábola dos talentos, das moedas que se convertem em riqueza, quando
não escondidas.
As lições citadas trazem uma mensagem central,
frequentemente ignorada, de que a vida é um celeiro de oportunidades e bênçãos,
que nos brinda com tesouros, a partir de pequenos investimentos que oferecemos.
Um naco de peixe, uma côdea de pão, algumas moedas, módicos sacrifícios que a
vida nos remunera com realizações, conquistas e vitórias. E nesse mar de
oportunidades, temos dificuldades de identificar os caminhos, os chamados e as
melhores opções de aplicação de nossos humildes, mas indispensáveis recursos.
O leitor pode achar que se trata de um excesso de otimismo,
mas se olharmos as bênçãos recebidas, os acréscimos de misericórdia e tudo mais
que a vida nos oferece, verá que não se trata de exagero e sim de realidade,
como Jesus já nos alertava. Obviamente, não falamos de conquistas materiais,
mas de avanços mais amplos, que saciam a fome da multidão, sequiosa do pão da
vida, que sustenta o espírito imortal.
Essa abundância da existência, como oportunidade de
crescimento, de colheita, nos faz refletir sobre o que pedimos e para onde
direcionamos nosso arado nessa semeadura. Cuidado com o que pedimos, podemos
conseguir! Por vezes, carreamos anos de nossa encarnação em projetos
mirabolantes e colhemos destes o que plantamos. Mas por vezes esse produto não
nos sacia a fome maior.
A introdução da obra “Cartas e Crônicas”, psicografia de
Chico Xavier, pelo Espírito Irmão X, lá em 1966, passados quase cinquenta anos,
indica bela história atribuída ao poeta indiano Rabindranath Tagore, na qual um
lavrador, a caminho de casa, com a colheita do dia, notou que, em sentido
contrário, vinha suntuosa carruagem, revestida de estrelas. Reconheceu,
conduzindo aquele veículo, o Senhor do Mundo, que saiu dela e estendeu-lhe a
mão a pedir-lhe esmolas. Apesar do espanto, mergulhou a mão no alforje de trigo
que trazia e entregou ao Divino pedinte apenas um grão da preciosa carga. Após
a partida do Todo-poderoso, o pobre homem do campo observou que curiosa
claridade vinha do seu alforje poeirento e percebeu que o grânulo de trigo, do
qual fizera sua dádiva, tornara à sacola, transformado em pepita de ouro
luminescente.
Como o homem da história, retemos nossos tesouros e os
aplicamos mal, sem perceber as pequenas solicitações divinas, a nos recompensar
com a chamada parte boa. Voltando ao saber evangélico, esquecemos que Jesus nos
alertou que a colheita era livre, mas que a semeadura era obrigatória. Reforçou
essa visão quando indicou que onde está o nosso coração, aí está nosso tesouro.
O Mestre, na atualidade de suas lições, nos deixa a lembrança que diante de uma
empreitada importa saber o que queremos colher, e ainda, se esse banquete
realmente saciará a nossa fome do espírito, para além dos lírios do campo.
Diante da multidão faminta que o seguia, fez do pouco o
muito e todos comeram até ficarem saciados. Das diversas necessidades humanas –
psicológicas, materiais, espirituais –, nós, que também avançamos na multidão que
O segue, temos que ficar atentos ao pão e ao peixe que buscamos, para que essas
bênçãos não se tornem maldições, fardos que arrastamos ao longo de encarnações,
dominados pela ânsia da posse e pela visão imediatista da fome do mundo.
Assim, seguimos nossa caminhada rumo à luz, com um pão, um
peixe, uma moeda. De tudo a vida conspirará para o nosso avanço, com o suor do
trabalho e a esperança da fé. Mas importa saber para onde seguimos, em que
direção e sentido, o que buscamos e em que prisma de existência. Caminhar por
caminhar pode significar rumar em círculos, marcando passo na reencarnação,
perdidas as oportunidades, que podem não voltar em condições tão ideais como a
atual.
Marcus Vinicius de Azevedo Braga
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Rio de Janeiro, RJ (Brasil)
Imagem ilustrativa