domingo, 8 de maio de 2016

Predições do Evangelho


O título da presente abordagem é o mesmo utilizado por Allan Kardec no capítulo XVII de A Gênese, obra integrante da Codificação Espírita e publicada em 1868. A significativa expressão engloba estudos de Kardec sobre diferentes passagens anotadas pelos evangelistas e com a perspectiva de previsão, ou anúncio do que vai acontecer, predito, previsto até por conjectura, em recurso didático bastante utilizado por Jesus nos diálogos com seus discípulos. 
O capítulo em referência traz diversos subtítulos com essa finalidade de estudo e análise dos textos dos Evangelhos. No item 30, no texto do subtítulo Parábola dos Vinhateiros Homicidas, traz importante advertência às nossas distrações ou negligências com a evolução moral.  
Peço ao leitor ler novamente a parábola, que bem é uma predição do comportamento geral humano frente às lições de amor enviadas por Deus aos filhos, por meio de mensageiros diversos em todos os tempos, culminando com a presença viva de Jesus, que não foi compreendido e morto pela ignorância reinante. 
O notável texto de Kardec é de uma atualidade impressionante. Ele inicia assim no item citado (30): “O pai de família é Deus; a vinha que plantou é a lei que estabeleceu; os vinhateiros aos quais arrendou a sua vinha são os homens que devem ensinar e praticar a sua lei; os servidores que enviou para eles são os profetas que fizeram perecer; seu filho que enviou, enfim, é Jesus, que fizeram perecer do mesmo modo. (...)”. 
Depois prossegue no texto que desejamos destacar pensando nas desorientações generalizadas que encontramos na atualidade do planeta:

“(...) Que fizeram os homens das máximas de caridade, de amor e de tolerância de Jesus? Que fizeram das recomendações que fez a Seus apóstolos para que convertessem os homens pela brandura e pela persuasão; da simplicidade, da humildade, do desinteresse e de todas as virtudes que Ele exemplificou?!   Em Seu nome, os homens se anatematizaram mutuamente e reciprocamente se amaldiçoaram; estrangularam-se em nome d`Aquele que disse: “Todos os homens são irmãos”. Do Deus infinitamente justo, bom e misericordioso que Ele revelou, fizeram um Deus cioso, cruel, vingativo e parcial; àquele Deus, de paz e de verdade, sacrificaram nas fogueiras, pelas torturas e perseguições, muito maior número de vítimas do que as que em todos os tempos os pagãos sacrificaram aos seus falsos deuses; venderam-se as orações e as graças do Céu em nome d`Aquele que expulsou do Templo os vendedores e que disse a Seus discípulos: “Dai de graça o que de graça recebestes”. 
E conclui com sabedoria:

“Que diria o Cristo, se viesse hoje entre nós? Se visse os que se dizem Seus representantes a ambicionar as honras, as riquezas, o poder e o fausto dos príncipes do mundo, ao passo que Ele, mais rei do que todos os reis da Terra, fez a Sua entrada em Jerusalém montado num jumento? Não teria o direito de dizer-lhes: “Que fizestes dos meus ensinos, vós que incensais o bezerro de ouro, que dais a maior parte das vossas preces aos ricos, reservando uma parte insignificante aos pobres, sem embargo de haver eu dito: Os primeiros serão os últimos e os últimos serão os primeiros no Reino dos Céus?”. Mas se aqui não está carnalmente, ele o está em Espírito, e, como o senhor da parábola, virá pedir contas aos seus vinhateiros do produto de sua vinha quando o tempo da colheita houver chegado.” 
Valemo-nos, diante de tanta clareza, todavia, do capítulo XV – Fora da Caridade não há salvação, de O Evangelho Segundo o Espiritismo, onde estão os belíssimos textos d Parábola do Bom Samaritano, da Necessidade da caridade segundo São Paulo e a extraordinária “bandeira” do Espiritismo: Fora da Caridade não há salvação. 
É desse luminoso capítulo que extraímos do comentário de Kardec, no item 3: “Toda a moral de Jesus se resume na caridade e na humildade, quer dizer, nas duas virtudes contrárias ao egoísmo e ao orgulho (...)”. É aqui que queríamos chegar. As desorientações em curso, com as perturbações sociais de variados graus de intensidade, com desdobramentos desafiadores, provém do egoísmo e do orgulho. 
E Kardec abrilhanta com seu raciocínio objetivo, no mesmo item: “(...) Em todos os seus ensinamentos, ele mostra essas virtudes como sendo o caminho da felicidade eterna. Bem-aventurados, disse ele, os pobres de espírito, quer dizer, os humildes (...)”. 
A humildade é a virtude que nos tem faltado ao coração; o egoísmo ainda nos avassala os sentimentos. Paulo, o Apóstolo, nos chama a atenção em sua conhecida Epístola sobre o sentimento contrário ao egoísmo em trecho também destacado por Kardec no mesmo capítulo: “(...) A caridade é paciente, é doce e benfazeja; a caridade não é invejosa; não é temerária e precipitada; não se enche de orgulho; não é desdenhosa; não procura seus próprios interesses; não se melindra e não se irrita com nada; não suspeita mal; não se regozija com a injustiça, mas se regozija com a verdade; tudo suporta, tudo crê, tudo espera, tudo sofre (...)”. 
Percebe-se com clareza que o momento aflitivo, de conturbação, com guerras, conflitos, prevalência dos interesses pessoais em detrimento do interesse coletivo, é fruto do egoísmo ainda imperante no comportamento humano. A parábola em referência é bem uma advertência para que prestemos atenção aos "chamados” de fraternidade, incessantemente enviados ao nosso sentimento individual e coletivo. 
A conclusão da parábola – que necessita ser entendida além das palavras – é verdadeiramente um predição: “(...) o senhor (...) arrendará a sua vinha a outros vinhateiros, que lhe entregarão os frutos em sua época.”, conforme anotou Mateus no capítulo XXI, v. de 33 a 41. 
Por isso, para aqueles que nos consideramos cristãos, o apelo é direto, como afirma o mesmo Paulo, igualmente no mesmo capítulo XV de O Evangelho Segundo o Espiritismo, item 10: “(...) Submetei todas as vossas ações ao controle da caridade; (...) não somente ela vos evitará de fazer o mal, mas vos levará a fazer o bem: porque não basta uma virtude negativa, é preciso uma virtude ativa; para fazer o bem, é preciso sempre a ação da vontade; para não fazer o mal, frequentemente, a inércia e a negligência (...)”.
Ação da vontade! Afinal, conclui o apóstolo: “(...) todos aqueles que praticam a caridade são os discípulos de Jesus, qualquer seja o culto a que pertençam.”

Orson Peter Carrara

quarta-feira, 4 de maio de 2016

Um minuto com Chico Xavier


Certa vez, após uma reunião mediúnica, Chico Xavier e Waldo Vieira estavam datilografando mensagens recebidas. Chico datilografava uma mensagem de Emmanuel e Waldo, uma de André Luiz.
Um besouro que ali voava caiu na máquina de Waldo. Este o pegou e atirou-o com força na parede. O besouro levantou voo novamente e tornou a cair em sua máquina. Waldo tornou a pegar o besouro, arremessando-o violentamente no piso do aposento. O besouro, mais uma vez, levantou voo e desta vez pousou na máquina de Chico.

Chico pegou-o com todo o cuidado, abriu a janela e soltou-o lá fora, dizendo:

- Besouro, se você não conseguiu desencarnar através de Waldo é porque você é como eu: tem uma missão a cumprir no mundo. Vá com Deus!

Texto extraído do livro “Chico Xavier, Mandato de Amor”, editado pela União Espírita Mineira.

José Antônio Vieira de Paula
depaulajoseantonio@gmail.com
Cambé, Paraná (Brasil)

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sábado, 30 de abril de 2016

Serena despedida


Pareceu-nos vê-lo quando acordávamos na manhã de sábado, oito dias após sua desencarnação. Como um relâmpago, um flash. Ele dormia tranquilo, num leito completamente branco, belo, como sempre foi. Pensamos conosco: será que o visitamos? Deve estar passando pelo sono reparador, libertando o corpo espiritual da lembrança das dores que o corpo físico passou na Terra. Devemos tê-lo visitado essa noite, no mundo espiritual, pensamos.
Um irmão muito amado, um irmão querido. Apareceu com um câncer de rim, um adenocarcinoma, há cerca de um ano e meio. Como Deus é bom! Dois anos antes, tivemos uma intuição. Ele era inteligente demais. Engenheiro metalúrgico na COSIPA, muito respeitado pelos colegas, como exemplo de integridade moral e honestidade. Falava inglês, alemão, um pouco de espanhol. Visitou muitos países representando lá fora a sua indústria e o Brasil. Pensando em sua inteligência e que não tinha uma religião definida, num Natal, há cerca de três anos, demos a ele o maravilhoso livro de Léon Denis: “O Problema do Ser, do Destino e da Dor”, um dos nossos favoritos. Pensamos conosco: ele é inteligente, esse livro é muito belo e profundamente inteligente. Se um dia ele desencarnar e tiver lido esse livro, não chegará ao mundo espiritual sem conhecimento da realidade do Espírito. Ele leu o livro e adorou. Certa feita ele nos disse que devíamos trabalhar incessantemente até a vitória completa do bem na Terra. Pensamos conosco: ele está bem, conhecimento já tem, conduta reta sempre teve, chegará um dia preparado ao mundo espiritual. Aí veio o câncer.
Ele sempre foi um cavalheiro, não queria preocupar ninguém, principalmente os pais. Não queria que soubessem, para não se entristecerem. Tinha esperanças de cura e inicialmente os médicos lhe disseram que estava curado, que retirar o rim doente fora a solução. Ele passou essa informação a todos. Estava curado. Meses depois o chamaram, estava com metástases, precisava fazer quimioterapia. Somente quando viu que não havia mais esperança de cura, permitiu que os pais ficassem sabendo. Sua esposa costumava dizer que ele era um lorde, nunca perdia a educação. Quando o visitamos no hospital, em São Paulo, pela primeira vez, ele desceu conosco ao refeitório. Mesmo doente, abriu-nos a porta do elevador, puxou-nos a cadeira para sentar. Ficamos emocionada com esse simples gesto. Pensamos: - Nossa! Tínhamos esquecido isso, essa gentileza. Ainda existem homens assim!
Na segunda vez que o visitamos, seu estado já estava se agravando. Conversamos sobre o Espírito imortal e a vida, que continua além da morte. Perguntamos se ele tinha medo de morrer. Ele nos respondeu que não tinha medo, mas que gostaria de viver um pouco mais de tempo neste mundo, por isso, sua luta. Observamos sua gentileza em ação. Em nenhum momento reclamou. Cada auxiliar que entrava para ministrar qualquer medicação ou ajudá-lo no que fosse, ele cumprimentava e, ao sair, ele dizia: Obrigado. Em cinco minutos, ele falou obrigado três vezes para o mesmo auxiliar que entrava e saía. Um exemplo para todos ali, pensamos.
A expectativa era de que ele ficasse ainda na Terra mais uns quatro meses, mas o estado se agravou subitamente pouco depois. Já estávamos com a passagem comprada para visitá-lo novamente, sem sabermos da agravação do quadro, pois não havíamos sido informada da piora. Deus, no entanto, nos dá mostras incessantes de seu infinito amor.  Em nossas preces, pedíamos a Ele que não deixasse nosso irmão partir sem que nos despedíssemos. Quando entramos em seu quarto, no hospital, vimos que era questão de pouco tempo. Ele estava lúcido, consciente, apertou nossa mão, cumprimentando. Acenou para alguns engenheiros da COSIPA, seus amigos, que foram visitá-lo naquele dia e se afligiram com a piora que teve desde a semana anterior, quando o visitaram. Eram sete e meia da manhã quando chegamos, e onze horas, quando seus amigos lá estiveram. Ainda lutava. Fizemos uma prece e lhe demos um passe. Ele serenou, tranquilizou o corpo. Então lhe dissemos que ele já havia lutado demais, o corpo não obedecia mais, que se lembrasse das conversas que tivemos, que confiasse em Deus, que confiasse na imortalidade da alma, que Espíritos de escol estavam ali a ampará-lo, podíamos sentir a energia na pele, uma energia divina. Ele nos ouviu. Mais tarde, com nosso irmão que chegou, nossa cunhada e uma sobrinha, fizemos novamente uma prece. A energia no ambiente foi sentida por todos. Desencarnou em paz, às quinze horas e quarenta minutos. Uma jovem auxiliar de enfermagem que estava lá nos disse, entristecida, pois todos ali gostavam muito dele: - Só ontem ele me falou obrigado dez vezes!
Certa vez, nosso Hugo Gonçalves nos disse que Espíritos assim precisam ser lembrados. Ele não tinha uma religião. Foi um homem de bem, gentil e educado até o final. Imaginamos que um Espírito elevado o levou nos braços, quando ele se desprendeu. Pensamos que ele está bem amparado e, oito dias após, eis que o vimos, sereno, adormecido, em recuperação, para acordar sem dor, Espírito livre do jugo da matéria. Estará logo trabalhando, como ele disse, até a vitória completa do bem na Terra.
Como diz Léon Denis, no livro que acima citamos: “A própria morte pode ter também a sua nobreza, a sua grandeza. Não devemos temê-la, mas, antes, nos esforçar por embelezá-la, preparando-se cada um constantemente para ela, pela pesquisa e conquista da beleza moral, a beleza do espírito que molda o corpo e o orna com um reflexo augusto na hora das separações supremas. A maneira por que cada qual sabe morrer é já, por si mesma, uma indicação do que para cada um de nós será a vida no espaço”.
Pensemos nisso. Façamos esforços para sermos melhores, para sermos pessoas de bem e irmos em paz. Havia um sorriso leve no rosto do Vinícius, esse irmão querido, desencarnado aos 55 anos. Deve ter visto amigos queridos, quando partiu, e, como ele disse: Estamos juntos. Não importa a distância, estamos juntos. Então, para ele, boa estada no mundo espiritual e um até breve!
Para nós outros, os que aqui ficamos: sejamos cristãos sinceros, vivamos o Evangelho na conduta e melhoremos sempre mais!

Jane Martins Vilela
jane.m.v.imortal@gmail.com
Cambé, PR (Brasil)   

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terça-feira, 26 de abril de 2016

A religião mais universal é a mais atacada com erros e mentiras


Há um pequeno público, o dos materialistas, que, obviamente, negam o espiritismo. E há um grande público que o nega, porque o desconhece. Esses dois públicos formam uma maioria de descrentes nele. Somem-se a esses dois grupos os líderes religiosos contrários a ele e que mais o difamam. E o que incomoda muito esses líderes religiosos é o fato de eles viverem da sua religião, enquanto que os líderes espíritas vivem para a sua religião!
Somente, pois, são espíritas mesmo os médiuns e os indivíduos que o estudam. Mas porque ele é uma crença natural e de fé raciocinada, ele tem adeptos em todas as religiões. Daí a sua universalidade. De fato, qual povo não possui um histórico de visões e medo de espíritos? A própria Bíblia tem passagens que proíbem o contato com eles (Moisés, não Deus, em Deuteronômio capítulo 18). E se Moisés proíbe o contato com eles, é porque esse contato existe mesmo, pois ele não era doido de proibir tal contato, se ele não existisse! E Moisés proibiu essa comunicação com os espíritos, porque era muito grande a ignorância das pessoas sobre a mediunidade, além do comércio que muitos faziam com ela. Mas em Números 11: 24 a 30, ele a defende. E no tocante à reencarnação, dada a sua crença universal, dispensam-se comentários.
Muitas pessoas dizem que os espíritas se comunicam com os demônios. Mas os demônios somos nós mesmos. Sim, pois, na Bíblia, demônios em grego é “daimones” (plural) e “daimon” (singular) são os espíritos humanos. E há os maus, os mais ou menos, os bons e até os santos! A confusão sobre isso surgiu, porque todos os demônios perturbadores afastados das pessoas são maus, pois os bons não atormentam ninguém. E, assim, os teólogos concluíram erradamente que todo demônio é mau!
Hoje, os líderes religiosos, com curso superior de Bíblia, sabem disso, mas deixam na ignorância seus fiéis que não estudam a fundo a Bíblia. E escrevemos sobre essas coisas desconhecidas do povo cristão, porque não queremos cometer o pecado de omissão. Realmente, nós que escrevemos para um jornal de grande circulação como o é O TEMPO, temos que ter a responsabilidade de dizer a verdade. “Conhecereis a verdade e ela vos libertará” (João 8: 32). E as duas formas verbais “conhecereis” e “libertará” estão no futuro, pois não temos esse conhecimento agora, mas vamos tê-lo no futuro, quando já estivermos bem evoluídos.
Kardec é o verdadeiro reformador do cristianismo e de todo o espiritualismo universal, pois foi o pioneiro no estudo científico do espírito. Seus adversários, principalmente religiosos, não os cientistas, fracassaram, por completo, nos seus ataques contra o espiritismo. E, agora, como eles não têm mais sucesso nas suas mentiras, ou talvez, por ignorância sobre a doutrina espírita, eles têm apelado para a afirmação de que os espíritas não são cristãos. Mas são sim, pois Jesus ensinou que seus discípulos são conhecidos por se amarem uns aos outros e não, pois, por crerem ou deixarem de crer em determinadas doutrinas polêmicas criadas pelos teólogos e impostas pela força e não pela lógica e o bom senso. O espiritismo, simplesmente, não as segue, mas as respeita como respeita todas as crenças.
E o ele, apesar de ser a religião mais atacada, está mesmo presente em todas elas, pelo que é, realmente, a mais universal!

PS: “Presença Espírita na Bíblia”, com este colunista: www.tvmundomaior.com.br e parabólica digital.

José Reis Chaves

Prof. de português e literatura aposentado formado na PUC Minas / Escritor e jornalista colunista do diário O TEMPO, de Belo Horizonte / Palestrante nacional e internacional espírita e de outras correntes espiritualistas / Apresentador do programa “Presença Espírita na Bíblia” da TV Mundo Maior / Participante do programa “O Consolador” da Rádio Boa Nova / Tradutor de "O Evangelho Segundo o Espiritismo", de Kardec, para a Editora Chico Xavier. E autor dos livros, entre outros, "A Reencarnação na Bíblia e na Ciência" e "A Face Oculta das Religiões", Editora EBM, SP, ambos lançados também em inglês nos Estados Unidos.
Podem-se ler também as matérias da coluna de José Reis Chaves em O TEMPO, de Belo Horizonte, no seu facebook e no site desse jornal: www.tempo.com.br / Procurar colunistas. No final das matérias, há um espaço para comentários dos leitores, espaço este que se tornou um verdadeiro fórum de religiões. E qualquer um pode deixar seu comentário lá. Se não quiser que seu nome apareça, use um pseudônimo. E seu e-mail nunca aparece lá.
Obs.: Se meus livros não são encontrados em sua cidade, eles podem ser adquiridos diretamente comigo por meu e-mail ou telefone. Telefone: (31) 3373-6870

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sexta-feira, 22 de abril de 2016

Jesus, a Páscoa e o momento de ódio em que estamos mergulhados


Não posso deixar passar essa Páscoa, sem uma reflexão sobre seu personagem principal, para quem se considera cristão. E nesse momento de grande tumulto no Brasil e no mundo, com tanta violência e tão denso nevoeiro, estou pensando nos cristãos… 
Esses cristãos que compõem a maioria da população brasileira, pelo menos no censo, divididos majoritariamente entre católicos, evangélicos e espíritas. 
Esses cristãos que, em sua maioria, não fazem conta dos ensinos de Jesus. Que talvez achem que são palavras poéticas, bonitas, mas preceitos inaplicáveis na vida prática. Ou ainda que são ensinos que só possam ser pensados em relações pessoais, mas nada podem acrescentar às relações sociais, à organização política, à produção econômica… Teorias bonitas, mas utópicas, que não são para esse mundo… E no entanto, há dois mil anos que essas belas palavras estão buscando nosso coração e nossa mente e estão sendo semeadas, muito além das relações de indivíduo a indivíduo, sendo justamente o fermento de avanços em todas as áreas, no Direito, na Educação, na Política, na Sociedade, na Economia. 
Só para citar três exemplos: um ateu, como André Comte-Sponville, ou um judeu, como Erich Fromm, ou um historiador da Educação, como Franco Cambi, reconhecem que a mensagem de Jesus – essa de fraternidade universal, de igualdade, de valorização dos excluídos – permeia toda a história da civilização ocidental, sendo a base de muitas de nossas conquistas sociais, inspiração de muitos direitos concretizados, vertente do humanismo mais universal que habita mesmo doutrinas, movimentos sociais e leis, que se consideram laicos, mas carregam dentro de si, as sementes cristãs. 
E, no entanto, ainda muitos cristãos não conseguem se deixar permear por essa onda refrescante de amor, liberdade, compaixão, humanismo… que sopra das palavras e dos exemplos de Jesus. Muitos cristãos que agem com o outro, que se portam socialmente, que trabalham em seus empregos e empreendimentos, que têm uma visão da lei e da justiça, da sociedade e do mundo, em completa oposição ao que ensinou, ao que demonstrou Jesus.  
Senão vejamos! 
Como pode um cristão ser racista, se a compreensão que lhe felicita é a da fraternidade universal? Se Jesus mostrou que seus discípulos viriam do Ocidente e do Oriente e que todos seriam bem-vindos ao banquete do Reino? 
Como pode um cristão discriminar alguém por sua conduta sexual, se Jesus acolheu aqueles que eram considerados “pecadores” e fez questão de, depois de morto, aparecer em primeiro lugar para Madalena, uma prostituta, que os judeus da época julgavam que deveria ser apedrejada? 
Como pode um cristão proferir uma frase do tipo: “bandido bom é bandido morto”, se Jesus disse “misericórdia quero e não sacrifício” e ele mesmo morreu entre dois ladrões, acolhendo-os em seu amor? 
Como pode um cristão acreditar, pregar e praticar qualquer tipo de violência, armada, física, psicológica, verbal e ainda achar que a violência se justifica, quando Jesus disse que deveríamos “perdoar setenta vezes sete”, que os “mansos herdariam a terra”, e que deveríamos amar os próprios inimigos? E se ele próprio não usou de violência, mas perdoou toda a violência recebida; se deu a outra face e morreu, pedindo que Deus perdoasse seus algozes? 
Como pode um cristão lutar pelo poder, trapacear, corromper-se, aviltar-se, para se sobrepor ao próximo, espezinhando quem a ele se interponha, se Jesus disse que “veio para servir e não para ser servido” e que “quem quisesse ser o maior, que fosse o servo de todos”? Se ele, que muitos cristãos consideram como o próprio Deus, e nós, espíritas, consideramos como um Espírito perfeito, veio ao mundo, como filho de um carpinteiro, viveu sem poderes e morreu perseguido pelos poderosos? 
Como pode um cristão se esfalfar, se atirar a uma luta insana, explorando outros seres humanos, seus irmãos, se corromper, vender seus valores, trair sua pátria, pisar em todos os princípios morais, para acumular dinheiro, para possuir o excesso, quando a muitos falta o necessário, se Jesus disse ao jovem rico que o procurou para segui-lo, que desse todos os seus bens aos pobres, acrescentando em seguida, que seria mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no Reino dos Céus? E se ele próprio, nascido na pobreza, dizia não ter uma pedra onde encostar a cabeça? 
Como pode um cristão desprezar uma criança, fechar o ouvido à sua voz, desvalorizando a infância, negligenciando-a e tantas vezes abusando e usando de vara e violência (como querem os que seguem mais o Velho Testamento do que Jesus), se o Mestre disse “vinde a mim as criancinhas, porque é delas o Reino dos Céus”? 
Como pode um cristão ser machista, desrespeitando a igualdade de direitos das mulheres, explorando-as, olhando-as como objeto, usando de violência física ou psicológica contra elas, se Jesus, num tempo em que um rabino (como até hoje entre os rabinos ortodoxos) nem sequer podia encostar numa mulher, deixou que Madalena lhe tocasse, honrou-lhe com a primeira aparição em Espírito, acolhia em seu círculo mulheres, consideradas de má vida, ou mulheres de família, incluindo-as em seus ensinos (como fez com Marta e Maria, as irmãs de Lázaro ou com a samaritana do poço de Jacó, aliás multiplamente discriminada, por ser mulher, por ser samaritana e por ter tido vários maridos…)? 
Enfim… como pode um cristão ser tão contrário a todos os ensinos de Jesus? 
E como podem nações inteiras, formadas sob a égide do cristianismo, explorarem outros povos, promoverem a guerra, atacarem os mais fracos, dominarem outras nações, exercerem a tortura e matança, ignorando a fome, a injustiça e a marginalidade em que vivem inúmeros povos em todos os Continentes? 
Como podem nações que têm suas leis inspiradas na igualdade e fraternidade, que beberam nas fontes do cristianismo, que assinaram a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que nada mais é do que uma carta laica com uma forte herança cristã, infringirem diariamente suas próprias leis e pisotearem a cada instante essa Declaração? 
E agora, como pode um povo como o brasileiro, cujas pesquisas revelam que 99% acredita na existência de Deus, de repente estar possuído dessa fúria selvagem, digladiando-se mutuamente, cuspindo ódio e contaminando até mesmo as crianças? 
Não posso me eximir de pensar tudo isso nessa Páscoa! 
Parece que a voz do Mestre nos conclama de novo à mansuetude, à compaixão (mesmo com aqueles que consideramos que erraram), ao “não julgueis para não serdes julgados”, ao perdão incondicional e ao amor, acima de tudo! 
Parece que a fera que dorme em nós ainda pode ser despertada por uma propaganda maciça, por uma hipnose coletiva, por uma histeria popular – como foi feito na Alemanha nazista ou na Itália fascista, apenas para citar duas situações históricas muito emblemáticas desse processo em que se acorda o monstro, escondido no inconsciente coletivo. 
Isso significa o quê? Que ainda não transcendemos as sombras que habitam em nós, que nossa adesão aos valores cristãos é superficial, é fraca, ainda não conseguiu transformar totalmente a fera em ser humano. 
Paremos um instante, respiremos fundo e analisemos a situação. Estamos mergulhados num comportamento de massa, irracional e muitos destilam ódio. Paremos antes que seja tarde e lembremos de Jesus! Pode parecer piegas falar assim: mas não é Jesus, que católicos, evangélicos e espíritas dizem seguir? E que mesmo ateus admiram?
Então, não há solução, nem política, nem social, nem econômica, sem os valores essenciais que Jesus ensinou e exemplificou e esses valores são justiça, igualdade, desapego, desprendimento, humildade, compaixão… enfim, o que todos sabemos já há muitos séculos, de cor e salteado, mas que a maioria ainda não teve coragem de colocar em prática.

Dora Incontri