quarta-feira, 25 de agosto de 2010

O macaco invejoso


Perseguido por uma onça, um macaco subiu rapidamente numa árvore; saltando de galho em galho, alcançou outras árvores, embrenhou-se mata adentro e só parou quando se sentiu a salvo do terrível felino.
Agarrado ao galho mais alto de um frondoso jequitibá, balançava-se ao sabor do vento, praticava mil estrepolias, assobiava, fazia caretas para a onça no intuito de provocá-la.
De súbito, parou. O vôo tranqüilo de um urubu polarizou sua atenção causando-lhe inveja e despeito.
Após longos minutos de muda contemplação, sem poder conter sua indignação, clamou de forma que todos o ouvissem:
- O Criador laborou em equívoco, a natureza está toda errada! Eu, o animal mais assemelhado ao homem, dotado de alguma inteligência, no máximo consigo lançar-me de um galho para outro. Voar que é bom, não vôo, enquanto aquele desprezível abutre, que nos causa repugnância por se comprazer nas carniças, paira majestosamente nas alturas como um ser privilegiado. Protesto, isto não é justo.
De nada valeram as admoestações de outros animais que se encontravam por perto. Lá do chão, um jabuti tentou apaziguá-lo:
- Meu amigo macaco, não menospreze nem subestime o valor do corvo. Lembre-se de que ele também é nosso irmão, merece respeito, você não deve ofendê-lo dessa forma.
Fizeram coro em apoio ao jabuti o tejo, a jibóia, a lagarta e muitos outros bichos, ao que o macaco irritado respondeu:
- Que nada, o que eu não devo é ficar submisso a um capricho da natureza. Vou fazer exercícios especiais,
aprenderei a voar. Vocês, pobres acomodados, verão e prestarão reverências a mim.
Dia após dia, via-se o macaco em intensivo treinamento. Com muito esforço, conseguira em seus pulos espetaculares quase dobrar a distância alcançada por seus irmãos símios, mas não se dava por satisfeito. Queria voar, planar no espaço infinito.
Certa feita, num lance mais ousado, encheu o peito de ar, eriçou os pêlos, arremessou-se para cima, abriu os braços, como se asas fossem, na louca ilusão de suster-se solto nas alturas. Estatelou-se no chão, provocando risadas na bicharada.
Rápido como um raio, sobressaltado, aos guinchos de dor e de pavor, subiu à copa de uma grande árvore. Por pouco não fora apanhado pela onça que, na espreita, aguardava uma oportunidade.
Indiferente aos conselhos dos amigos, obstinado, o macaco não desistia. Novas tentativas, mais quedas, outros sustos.
Um dia, o tombo foi mais violento, quebrou as patas e não pôde correr. Serviu de repasto para a onça.
Acabrunhada, sua alma chegou à porta de um palácio feericamente iluminado onde foi recebido pelo porteiro que, paciente, ouviu suas indagações:
- Isto aqui é a Casa de Deus? Se blasfemei, se me rebelei contra os desígnios do Senhor, se morri antes do tempo determinado pela Providência, vitimado por minha teimosia, não estou condenado ao inferno ?
Com palavras benevolentes, o porteiro esclareceu:
- Não, meu rebelde amigo, não está. O pai é de uma bondade infinita, jamais condenaria qualquer ser ao inferno, contudo, infinita também é a sua justiça. Isto aqui é uma escola, entre, você será preparado para reencarnar, ser-lhe-á dada nova oportunidade para corrigir-se da inveja e da vaidade.
- Nascerei de novo como macaco? Peço que não seja assim. Meu sonho é poder voar.
- Meu filho - replicou bondosamente o porteiro - você, além de cultivar a paciência precisa amar e respeitar seus irmãos, aprender que tudo na natureza é criação divina e tem função definida no mundo. O urubu é imprescindível como operário da limpeza pública, é útil, não merece ser menosprezado. Por isso, você renascerá urubu.
- Dos males, o menor. - suspirou o macaco - Pelo menos, poderei voar.
- Seu pedido está anotado para ser atendido em futuro mais remoto. Você chegou aqui com as patas quebradas por ter feito mal uso delas, então voltará à Terra como um urubu de asas deformadas, não poderá voar.
Muitos são os que reencarnam cegos, surdos, mudos, coxos, manetas, mongolóides, portadores das mais diversas deformidades. Cumprem penas transitórias para corrigenda e burilamento espiritual, uma vez que Deus, bom e justo, não dá castigos eternos aos seus filhos.

Felinto Elízio Duarte Campelo
felintoelizio@gmail.com

Imagem ilustrativa

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