“O Espiritismo estabelece como princípio que, antes de crer, é preciso compreender.” – Allan Kardec[1]
A FÉ DO PONTO DE VISTA KARDEQUIANO - Do ponto de vista
kardequiano, a fé pode ser compreendida como a confiança que o ser humano tem
em suas próprias forças para a realização de determinada coisa, superando os
obstáculos das dificuldades, da má vontade e das resistências.
Com fé em seus objetivos nobres e no próprio potencial, o
indivíduo faz-se capaz de mover “montanhas” como os “preconceitos da rotina, o
interesse material, o egoísmo, a cegueira do fanatismo e as paixões orgulhosas”[2] que, ainda, procuram interpor-se ao
progresso da humanidade.
A fé, segundo o estudo proposto pelo mestre Allan Kardec em
O Evangelho segundo o Espiritismo, igualmente tem por significado a confiança
que se tem na realização de algo, de tal modo que, pelo pensamento, se pode
conceber antecipadamente a sua efetivação e os meios para tanto. Nesse caso,
essa fé-confiança dá ao indivíduo tranquilidade na realização de seu
tentame e favorece o êxito.
Todavia, Kardec não deixa de caracterizar a concepção de fé,
à qual ele se refere como calma e geradora de paciência porque se apoia “na
inteligência e na compreensão das coisas”[3], bem diferente do que ele chama de fé
vacilante, aquela que se ressente de sua própria fragilidade e, motivada pelo
interesse, torna-se violenta em uma tentativa irracional de suprir a força que
lhe falta.
FÉ E VIOLÊNCIA - Aliás, isso de alguma forma explica os
fenômenos contemporâneos de terrorismo religioso onde, em nome de uma
interpretação muito particular da doutrina do Islã, infelizes irmãos
integrantes do Talibã se autorizam a explodir escolas no Paquistão[4]. Trata-se de manifesta declaração da
insustentabilidade de suas convicções, mediante uma postura fundamentalista
frente ao raciocínio e uma resposta obscurantista à liberdade de pensar,
corolário do fim da escravidão humana de outros tempos.
Para Kardec, a fé não combina com a presunção e nem com a
violência. A fé deve ser humilde porque, sendo raciocinada, compreende os seus
limites e reconhece a sua fortaleza na vontade de Deus, “a inteligência
suprema, causa primária de todas as coisas.”[5]
A fé presunçosa denota orgulho, imperfeição humana que
produz a cegueira intelectual e moral. O orgulhoso fecha-se em si mesmo e
crê-se com mais luzes que os outros. Ele cerra os ouvidos ao diálogo e às
opiniões contraditórias às suas crenças, desvalorizando a oportunidade de
aprender com a leitura do outro sobre as suas convicções pessoais e, quem sabe,
robustecer serenamente a própria fé.
FÉ RACIOCINADA VERSUS FÉ CEGA - Do ponto de vista
teológico, segundo Kardec, a fé costuma ser concebida como a crença em dogmas
especiais que constituem, desse modo, as mais diferentes religiões no mundo.
Dessa perspectiva, a fé pode ser raciocinada ou cega. A fé
cega consiste naquela em que o crente não se ocupa de verificar pela lógica o
objeto de sua crença que, muitas vezes, choca-se com as evidências que os fatos
lhe apresentam, tanto quanto colide frontalmente com o uso da razão.
A fé cega tende a produzir fanatismo, onde cada crente teria
a pretensão de que a sua religião deteria todo o conteúdo das verdades
espirituais da vida. O fanatismo, por sua vez, como erro de percepção do cosmo
e das Divinas Leis, tende a degenerar em intolerância e violência, como no
exemplo assinalado anteriormente.
Por outro lado, a fé raciocinada mantém a liberdade de
pensar como premissa de sua efetividade, ela se fortalece no raciocínio sem
preconceitos e no livre-exame proporcionado pela dúvida que investiga. Nesse
sentido, a fé racional não teme o progresso intelectual da coletividade, muito
pelo contrário, a sua capacidade de “encarar de frente a razão, em todas as
épocas da Humanidade”[6] é condição que a mantém inabalável,
como ensinou o insigne codificador do
Espiritismo.
FÉ NÃO SE PRESCREVE - É de bom alvitre que recordemos
que a fé não pode ser prescrita ou imposta a um indivíduo. No que tange aos
valores espirituais básicos é uma aquisição pessoal amadurecida a cada
reencarnação do Espírito, atualizada sob a influência de questões
socioculturais, contudo, é uma questão de foro íntimo.
Por fim, entendamos que a fé, para ser raciocinada, demanda
que o seu ponto de apoio se estabeleça na compreensão clara e prefeita daquilo
em que se crê, ou seja, em um método de raciocínio que se sustente em um
sentido lúcido e profundo para a crença, no exame rigoroso dos fatos inerentes
aos princípios filosóficos da escola de fé abraçada, sem deixar margem a nenhum
mistério ou superstição.
Em matéria de crença aceitemos somente o que é inteligível à
razão e, caso alguém queira nos impor uma fé cega, lembremo-nos da recomendação
do Mestre Jesus a dizer-nos em seu Evangelho “Deixai-os; são condutores cegos.
Ora, se um cego guiar outro cego, ambos cairão na cova.”[7]
[4] YUSUFZAI,
Ashfaq. Paquistão:
escolas femininas desafiam o Talibã. Disponível em: http://ponto.outraspalavras.net/2012/01/11/escolas-femininas-desafiam-taliba/,
acessado em 26/01/2012.
Vinícius Lima Lousada
É educador, pesquisador e editor do blog: www.saberesdoespirito.blogspot.com
Bento Gonçalves-RS.
Imagem ilustrativa
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