Há virtudes difíceis de serem adquiridas ao longo da vida, e
cujo exercício é pouco compreendido entre os homens; a resignação é uma delas.
As criaturas levianas nem a veem como algo apreciável. Presas em suas ilusões,
consideram a resignação apenas falta de força ou de coragem. Entendem que o
homem sempre deve reagir violentamente contra qualquer circunstância que
contrarie seus desejos.
A resignação geralmente se refere a experimentar uma
situação sem a intenção de mudá-la. Já a aceitação não exige que a mudança seja
possível ou mesmo concebível, nem necessita que a situação seja desejada ou
aprovada por aqueles que a aceitam. De fato, a resignação é frequentemente
aconselhada quando uma situação é tanto ruim quanto imutável, ou quando a
mudança só é possível a um grande preço ou risco. Em O Evangelho segundo o
Espiritismo lemos que “quando sofremos uma aflição, se procurarmos a sua causa,
encontraremos sempre a nossa própria imprudência, a nossa imprevidência, ou
alguma ação anterior”. Nesses casos, como se vê, temos de atribuí-la a nós
mesmos, pois se a causa de uma infelicidade não depende absolutamente de
nenhuma das nossas ações, trata-se de uma prova para a existência atual, ou de
uma expiação de falta cometida em existência anterior.
Vemos em geral apenas o mal presente, e não as consequências
vindouras e favoráveis que ele possa ter. O bem é frequentemente a consequência
de um mal passageiro, como a cura de um doente resulta dos meios dolorosos que
se empregam para obtê-la. Independentemente dos casos, devemos submeter-nos à
vontade de Deus, suportar corajosamente as atribuições da vida, se quisermos
que elas nos sejam creditadas em nossa jornada espiritual. Muitas vezes, nossos
sonhos mais pretendidos não se concretizam, ou, então, nossa tranquilidade, tão
duramente conquistada, é atingida por um infortúnio. Há dificuldades ou
contrariedades que podemos vencer, mas algumas vezes a vida responde a nossos
apelos com sombra e dor e nessas circunstâncias alguns encontram em seu íntimo
forças para se resignarem.
Jesus, em sua curta passagem pela Terra, alimentou ainda
mais as esperanças dos homens ao dizer: “Bem-aventurados os aflitos, porque
eles serão consolados”, indicando aí o prelúdio da cura aos que sofrem com
resignação. Essas palavras, segundo o Evangelho, devem ser entendidas de uma
forma simples, em que nós, homens, devemos considerar-nos felizes por sofrer,
porque nossas dores neste mundo decorrem de dívidas de nossas faltas passadas,
e essas dores, suportadas pacientemente na Terra, nos poupam séculos de
sofrimento na vida futura. Devemos, portanto, estar felizes por Deus reduzir
nossa dívida, permitindo-nos quitá-la no presente, assegurando-nos a
tranquilidade para o futuro.
Em face de situações constrangedoras e dolorosas, a
resignação é uma atitude que apenas os bravos conseguem adotar. O resignado não
é um covarde, mas alguém que compreende a finalidade da existência terrena. O
homem nasce na Terra para evoluir, para vencer a si mesmo e acumular virtudes,
pois a vida é uma escola, na qual passamos da ignorância e da barbárie à
angelitude, e justamente por isso as dificuldades se apresentam em seu caminho.
O progresso, diz Santo Agostinho, é lei da natureza, em que
todos os seres da Criação, animados e inanimados, foram submetidos pela bondade
de Deus, que quer que tudo se engrandeça e prospere. A própria destruição, que
aos homens parece o termo final de todas as coisas, é apenas um meio de se
chegar, pela transformação, a um estado mais perfeito, visto que tudo morre
para renascer e nada sofre o aniquilamento. Já nascemos inúmeras vezes e renascemos
outras tantas. Somente na vida futura podem efetivar-se as compensações que
Jesus promete aos aflitos da Terra. Se a vida nos reclama serenidade em face da
dor, concordemos. A rebeldia de nada nos adiantará, pois a criatura rebelde
perante as Leis Divinas apenas torna seu aprendizado mais lento e doloroso.
Resignar-se não significa desistir da luta, porém implica reconhecer que a luta
interiorizou-se. A resignação é uma conquista do Espírito que vence suas
paixões e atinge a maturidade, mantendo a alegria e o otimismo, mesmo em
condições adversas.
Joanna de Ângelis, no livro “Convites da Vida”, diz que “se
estiveres sob o jugo de dores e padecimentos, ingratidões e perseguições
injustos, serão injustos somente na aparência, pois que procedem do teu ontem,
em regime de cobrança, para melhor estabilidade do teu amanhã. Submete-te,
portanto, paciente, resignadamente, às situações atuais e, insistindo nos bons
propósitos, construirás o porvir de bênçãos que agora ainda não podes fruir”.
Devemos, pois, ser conscientes de nosso papel de aprendizes
e dedicar-nos a fazer a lição do momento. Vivemos em um mundo de provas e
expiações. Nele a dor reina soberana, em virtude de o mal ainda sobrepujar o
bem. Embora conscientes dessa inegável condição, é nosso dever lutar contra a
adversidade, pois sofrer sem reagir aos males da vida seria uma covardia. Léon
Denis diz, no livro “Depois da Morte”, que a adversidade é uma grande escola,
um campo fértil em transformações. A ignorância das leis universais é que nos
faz ter aversão aos nossos males. Se compreendêssemos quanto esses males são
necessários ao nosso adiantamento, eles não mais nos pareceriam um fardo.
Em nossa cegueira, estamos quase sempre prontos a amaldiçoar
as nossas vidas. Mas, quando formos capazes de discernir o verdadeiro motivo de
nossas existências, compreenderemos que todas elas são preciosas. A dor é capaz
de abrandar o nosso coração, avivando os fogos da nossa alma. É o cinzel que
lhe dá proporções harmônicas, que lhe apura os contornos e a faz resplandecer
em sua perfeita beleza. Quem se resigna enobrece lentamente seu íntimo, ao
desenvolver novos propósitos de vida.
Marcel Bataglia
Balneário Camboriú, SC
(Brasil)
Imagem ilustrativa
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