sexta-feira, 9 de abril de 2010

Macaco Jiló



Mais um belo domingo de verão vivido intensamente em Reinópolis.
Na praça, ornamentada com flores silvestres, em singular profusão de cores e perfumes, pessoas e bichos misturavam-se numa explosão de alegria, enquanto aguardavam o início de mais um certame promovido pelo rei.
No palanque real, Sua Majestade observava a movimentação da grande massa de súditos e confidenciava aos seus conselheiros:
- Esta é uma terra abençoada, gente e animais convivem amistosamente, cantam, riem, confraternizam-se. Raros são os que não compartilham desta harmonia por serem portadores de deformações morais e, em conseqüência, descambaram para os vícios ou para a violência. Sinto-me feliz.
Instantes depois, a um sinal do soberano, rufaram os tambores anunciando a esperada disputa.
Majestoso, o rei levantou-se do trono, uma vez mais perpassou o olhar pela multidão em grande expectativa e falou à platéia que o olhava com admiração e respeito:
- Hoje, confrontam-se o muriqui, o maior macaco das Américas, representado pelo Macaco Jiló, nosso conhecido por suas diabruras e o sagüim, único primata do litoral, o menor indivíduo da espécie. Os dois tomem seus postos na marca de saída. Sagüim à esquerda, buriqui à direita.
Mestre no ofício de provocar, o Macaco Jiló, em vez da habitual reverência, com três cambalhotas pôs-se em pé diante do rei, abriu largo sorriso de desdém, debochou do sagüim atingindo-o com pedrinhas e apresentou-se afetado:
- Eis aqui, senhor rei, o virtual campeão da jornada de hoje. Como bem declarou Vossa Majestade, sou o macaco de porte mais avantajado das Américas, mas não fica somente aí a minha superioridade sobre o meu mísero oponente, sobram-me inteligência, sagacidade e, sobretudo, esperteza.
- Venerável soberano - sussurrou o sagüim após fazer tímida mesura - veja em mim um fiel servo que tudo fará, dentro da ordem e da ética, para merecer o título de vencedor.
Sereno, sem transparecer ter-se agastado com as impertinências do Macaco Jiló, o rei fez as devidas recomendações, arrematando:
-  Em determinado trecho, os dois caminhos se confundem numa única via para, em seguida, separarem-se e de novo juntarem-se, à vista de todos, no declive da reta de chegada.
Muita atenção na sinalização, a troca de pista significa eliminação do infrator.
Ao soar o gongo, ambos partiram em disparada.
Na praça, a agitação era marcante.
Poucos acreditavam no sagüim, a maioria apostava no Macaco Jiló.
Em conversa com amigos, o tatu argumentava:
- Impossível o sagüim levar a melhor na disputa. Além da diferença física, o Macaco Jiló é astuto, inescrupuloso.
- Conheço-o muito bem, fui vítima de suas intrigas - considerou a anta. 
Pondo à mostra toda a sua revolta, a raposa esbravejou:
- Você só sofreu intrigas? Pior ocorreu comigo! Fui trapaceada cinicamente! Jiló é vil, nocivo à coletividade. Deveria ser preso e passar por um processo de ressocialização.
-  Concordo plenamente com vocês, o mau elemento não perde oportunidade de promover-se, mesmo com o sacrifício de alguém - comentou o guará.
- Suas intromissões deixam sempre um gosto amargo nos outros. Faz jus ao apelido! - ironizou a jaguatirica. Enquanto, na praça, discutia-se e apostava-se, o Macaco Jiló chegava primeiro à junção das estradas. Maliciosamente, inverteu as setas indicadoras da direção, tomou o caminho apropriado e procurou ocultar-se no mato para ter a certeza de que o sagüim caíra no logro. Prelibava com a situação vexatória do adversário e a possibilidade de tripudiá-lo à frente de todos.
Conhecedor, no entanto, das trampolinagens do antagonista, o sagüim detevese em cuidadoso exame do terreno, observou os rastros deixados, convenceu-se, enfim, das modificações introduzidas na sinalização. Dispunha-se a seguir o rumo certo quando sua atenção foi despertada por um grito de susto seguido de gemidos de dor. Aqueles guinchos eram-lhe conhecidos!
A pouca distância, Macaco Jiló havia caído numa esparrela armada por caçadores. Estava preso e com o braço quebrado.
A evidente intenção de prejudicá-lo com as trocas efetuadas na sinalização não estimulou o sagüim à desforra. Assim, ajudou Jiló a livrar-se da armadilha, providenciou uma tala e imobilizou seu braço fraturado. De nada, porém, valeu aquele gesto de desprendimento. Insensível ante o sentimento de solidariedade, o vilão desferiu violento golpe no sagüim deixando-o desacordado e partiu confiante para a consagração. Grande alvoroço agitou os espectadores. Macaco Jiló despontou sozinho no topo da ladeira de acesso ao ponto final.
Todavia, para surpresa geral e satisfação da maioria, o sagüim, vendo Jiló já na metade do lanço derradeiro, enroscou-se em forma de uma bola, rolou ladeira abaixo para cruzar vitorioso a linha de chegada.
Delírio contagiante envolveu os presentes que não pouparam aplausos ao vencedor.
Jiló, inconformado, reclamava do meio ilícito usado pelo oponente; entretanto, o rei, homem justo, validou o feito do sagüim declarando enfático:
- Expedientes escusos foram empregados pelo derrotado. Meus fiscais informaram que o Macaco Jiló tentou ludibriar o concorrente alterando a sinalização. Depois, agrediu fisicamente aquele que, como um bom samaritano, o socorrera. O insensato deliqüente retribuiu com o mal o bem recebido.
Por sua conduta abominável, condeno-o a dois anos de reclusão. Que esta lição sirva de exemplo e esteja sempre em suas lembranças o Salmo 32.2: “Bem-aventurado o homem a quem o Senhor não imputa maldade e em cujo espírito não há engano”. Atentem todos também para o ensinamento de Jesus contido em Mateus 5.48: “Sede, pois, perfeitos, como vosso Pai Celestial é perfeito“.

Felinto Elízio Duarte Campelo
felintoelizio@gmail.com


Extraído de seu livro o Pulo do Gato


quinta-feira, 8 de abril de 2010

O livro dos Espíritos



Para designar coisas novas são necessárias palavras novas; assim exige a clareza de uma língua, para evitar a confusão que ocorre quando uma palavra tem múltiplo sentido. As palavras espiritual, espiritualista, espiritualismo têm um significado bem definido, e acrescentar-lhes uma nova significação para aplicá-las à Doutrina dos Espíritos seria multiplicar os casos já tão numerosos de palavras com duplo sentido. De fato, o
espiritualismo é o oposto do materialismo, e qualquer um que acredite ter em si algo além da matéria é espiritualista, embora isso não queira dizer que creia na existência dos Espíritos ou em suas comunicações com o mundo material. Em vez das palavras espiritual, espiritualismo, utilizamos, para designar a crença nos Espíritos, as palavras espírita e Espiritismo, que lembram a origem e têm em si a raiz e que, por isso mesmo, têm a vantagem de ser perfeitamente inteligíveis, reservando à palavra espiritualismo sua significação própria. Diremos que a Doutrina Espírita ou o Espiritismo tem por princípio a relação do mundo material com os Espíritos ou seres do mundo espiritual. Os adeptos do Espiritismo serão os espíritas ou, se quiserem, os espiritistas.
Como especialidade, o Livro dos Espíritos contém a Doutrina Espírita; como generalidade, liga-se ao espiritualismo num dos seus aspectos.
Esta é a razão por que traz, no início de seu título, as palavras: “filosofia espiritualista”.

Disponibilizo todo o livro para download: O livro dos Espíritos

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Carta de Richard Simonetti para Super Interessante



Senhor Sérgio Gwercman (sgwercman@abril.com.br)
 
Diretor de redação da revista Super Interessante



Sou assinante dessa revista há muitos anos. Sempre a encarei como publicação séria, fonte de informações a oferecer subsídios para meu trabalho como escritor espírita, autor de 49 livros publicados.
Essa concepção caiu por terra ao ler, na edição de abril, infeliz reportagem sobre Francisco Cândido Xavier, pretensiosa e tendenciosa, objetivando, nas entrelinhas, denegrir e desvalorizar o trabalho do grande médium.
Isso pode ser constatado já na seção “Escuta”, com sua assinatura, em que V.S. pretende distinguir respeito de reverência, como se reverência não fosse o respeito profundo por alguém, em face de seus méritos.
Podemos e devemos reverenciar Chico Xavier, não por adesão de uma fé cega, mas pela constatação racional, lúcida, lógica, de que estamos diante de uma personalidade ímpar, que fez mais pelo bem da Humanidade do que mil edições de Superinteressante, uma revista situada como defensora do bom jornalismo, mas que fez aqui o que de pior existe na mídia – a apreciação superficial e tendenciosa a respeito de alguém ou de uma notícia, com todo respeito, como pretende seu editorial, como se fosse possível conciliar o certo com o errado, o boato com a realidade, o achincalhe com o respeito.
Para reflexão da repórter Gisela Blanco e redatores dessa revista que em momento algum aprofundaram o assunto e nem mesmo se deram ao trabalho de ler os principais livros psicografados pelo médium, sempre com abordagem superficial, pretendendo “explicar” o fenômeno Chico Xavier, aqui vão alguns aspectos para sua reflexão e – quem sabe? – um cuidado maior em futuras reportagens.
De onde a repórter tirou essa bobagem de que “toda essa história começou com as cartas dos mortos?”
Se as eliminarmos em nada se perderá a grandeza de Chico Xavier. A história começa bem antes disso, com a publicação, em 1932, do livro Parnaso de Além-Túmulo, quando o médium tinha apenas 22 anos.
A reportagem diz: “Ele dizia que não escolhia os espíritos a quem atenderia, só via fantasmas e ouvia vozes. Mas parecia ser o escolhido por celebridades do céu. Cruz e Souza, Olavo Bilac, Augusto dos Anjos e Castro Alves lhe ditaram versos e prosa.”
Afirmativa maliciosa, sugerindo o pastiche, a técnica de copiar estilo literário. O repórter não se deu ao trabalho de observar que no próprio Parnaso há, nas edições atuais, 58 poetas desencarnados, menos conhecidos e até desconhecidos, como José Duro, Alfredo Nora, Alma Eros, Amadeu, B.Lopes, Batista Cepelos, Luiz Pistarini, Valado Rosa… Poetas do Brasil e de Portugal que se identificam pelo seu estilo, em poesias personalíssimas enriquecidas por valores de espiritualidade.
Não sabe ou preferiu omitir a repórter que Chico psicografou poesias de centenas de poetas desencarnados, ao longo de seus 75 anos de apostolado, na maior parte poetas provincianos, conhecidos apenas nas cidades onde residiam no interior do Brasil. Pesquisadores constatam que esses poemas não são “razoavelmente fiéis ao estilo dos autores”. São totalmente fiéis.
Não tem a mínima noção de que a técnica do pastiche, a imitação de estilo literário, é extremamente difícil, quase impossível. Pastichadores conseguem imitar uma página, uma poesia de alguém, jamais toda uma obra ou as obras de centenas de autores.
Afirma que Chico foi autodidata e leitor voraz durante toda a vida, sempre insinuando o pastiche.
Leitor voraz? Passava os dias lendo? Só quem não conhece sua biografia pode falar uma bobagem dessa natureza, já que Chico passava a maior parte de seu tempo atendendo pessoas, psicografando, participando de reuniões e atendendo à atividade profissional.. Não conheço um único documentário, uma única foto mostrando Chico lendo “vorazmente”. Ah! Sim! Para a repórter Chico certamente escondia isso.
Fala também que Chico teria 500 livros em sua biblioteca e que “a lista inclui volumes de autores cujo espírito o teria procurado para escrever suas obras póstumas, como Castro Alves e Humberto de Campos”.
E as centenas de poetas e escritores que se manifestaram por seu intermédio. Chico tinha livros deles? E de poetas que sequer publicaram livros?
Quanto a Humberto de Campos, cuja família tentou receber na justiça os direitos autorais pelas obras psicografadas por Chico, o que seria ótimo acontecer, o reconhecimento oficial da manifestação dos Espíritos, esqueceu-se a repórter de informar que Agripino Grieco, o mais famoso crítico literário de seu tempo, recebeu uma mensagem do escritor, de quem era amigo. Reconheceu que o estilo era autenticamente de Humberto de Campos, mas que o fato para ele não tinha explicação, já que, como católico praticante, não admitia a possibilidade de manifestação dos espíritos.
Esqueceu ou ignora que Chico, médium psicógrafo mecânico, recebia duas mensagens simultaneamente, com ambas as mãos sendo usadas por dois espíritos. Desafio Superinteressante a encontrar um prestidigitador capaz de fazer algo semelhante.
Uma pérola de ignorância jornalística está na referência sobre materialização de Espíritos: “seria necessário produzir um total de energia duas vezes maior do que é hoje produzido pela hidroelétrica de Itaipu por ano, segundo os cálculos feitos por especialistas exibidos por reportagens sobre Chico nos anos 70.” Seria superinteressante a repórter ler sobre as pesquisas de Alfred Russel Wallace, Oliver Joseph Lodge, Lord Rayleigh, William James, William Crookes, Ernesto Bozzano, Cesare Lombroso, Alexej Akzacof e muitos outros cientistas respeitáveis que estudaram o fenômeno da materialização e o admitiram. Leia, também, sobre quem eram esses cientistas, para constatar que não agiam levianamente como está na revista.
A repórter reporta-se às reuniões mediúnicas das quais Chico participava como shows que o tornaram famoso e destila seu veneno. Cita o sobrinho de Chico que, dizendo-se médium, confessou que era tudo de sua cabeça, o mesmo acontecendo com o tio. Por que passar essa informação falsa, se o próprio sobrinho de Chico, notoriamente perturbado e alcoólatra, pediu desculpas pela sua mentira? Joga penas ao vento e espera que o leitor as recolha? Omitiu também a informação de que ele confessou que pessoas interessadas em denegrir o médium pagaram-lhe pela acusação.
Eram frequentes nas reuniões a ocorrência de fenômenos como a aspersão de perfumes no ambiente, algo que, deveria saber a repórter, costuma ocorrer com os médiuns de efeitos físicos. No entanto, recusando-se a colher informações mais detalhadas sobre o assunto, limitou-se a dizer que em 1971 um repórter da revista Realidade, José Hamilton Ribeiro, denunciou que viu um dos assessores de Chico Xavier levantar o paletó discretamente e borrifar perfume no ar. Sugere que havia mistificação, aliás, uma tônica na reportagem. Por que não foram consultadas outras pessoas, inclusive centenas que tiveram seus lenços inexplicavelmente encharcados de perfume ou a água que levavam para magnetizar, a exalar também um olor suave e desconhecido que perdurava por muitos dias?
Na questão das cartas, milhares e milhares de cartas de Espíritos que se comunicavam com os familiares, sugere a repórter que assessores de Chico conversavam com as pessoas, anotando informações para dar-lhes autenticidade. Lamentável mentira. E ainda que isso acontecesse, Chico precisaria ser um prodígio para ler rapidamente as informações e inseri-las no contexto de cada mensagem, de cada espírito, mistificando sempre.
E as mensagens dirigidas a pessoas ausentes? E os recados aos presentes? Não eram só mensagens. Eram incontáveis recados. A pessoa aproximava-se de Chico e ele, sem conhecer nada de sua vida, transmitia recados de familiares desencarnados, na condição de um ser interexistente, que vivia simultaneamente a vida física e a espiritual, em contato permanente com os Espíritos.
Lembro o caso de um homem inconformado com a morte de um filho. Ia toda noite deitar-se na sepultura do rapaz, querendo “ficar com ele”. Não contava a ninguém, nem mesmo aos familiares.
Em Uberaba recebeu mensagem do filho pedindo-lhe que não fizesse isso, porquanto ele não estava lá.
Durante muitos anos Chico psicografou receituário mediúnico de homeopatia. Perto de 700 receitas numa noite. Ficava horas psicografando. E os medicamentos correspondiam à natureza do mal dos pacientes, sem que o médium deles tivesse o mínimo conhecimento. Na década de 70 tive uma uveíte no olho esquerdo. Compareci à reunião de receituário. Escrevi meu nome e idade numa folha de papel. Não conversei com ninguém. Após a reunião recebi a indicação de dois medicamentos.
Tornando a Bauru, onde resido, verifiquei num livro de homeopatia que o dois medicamentos diziam respeito ao meu mal. Curaram-me.
Concebesse a repórter que, como dizia Shakespeare, há mais coisas entre a Terra e o Céu do que concebe nossa vã sabedoria, e não se atreveria a escrever sobre assuntos que desconhece, com o atrevimento da ignorância.
Outras “pérolas” da reportagem:
Oferece “explicações” lamentáveis para o fenômeno Chico Xavier..
Psicose, confundindo mediunidade com anormalidade.
Epilepsia, descarga elétrica que “poderia causar alheamento, sensação de ausência, automatismo psicomotor”, segundo a opinião de um médico. Descreve algo inerente ao processo mediúnico, que não tem nada a ver com desajuste mental, ou imagina-se que o contato com o Espírito comunicante não imponha uma alteração nos circuitos cerebrais, até para que ocorra a manifestação? E porventura o médico consultado sabe de algum paciente que produza textos mediúnicos durante a crise epilética?
Criptomnésia, memórias falsas, lembranças escondidas no subconsciente do médium, ao ouvir informações sobre o morto. Inconscientemente ele “arranjaria” essas informações para forjar a “manifestação”.
Telepatia. Aqui o médium captaria informações da cabeça dos consulentes e as fantasiaria como manifestação do morto. Como dizia Carlos Imbassahy, grande escritor espírita, inconsciente velhaco, porquanto sempre sugere que é um morto quem se manifesta, não ele próprio.
Informa a repórter que “acuado pelas críticas na Pedro Leopoldo de 15 mil habitantes, Chico resolveu fazer as malas e partir para Uberaba, um polo do Espiritismo onde contaria com um apoio de amigos”.
Mentira. Ele deixou Pedro Leopoldo, onde tinha muitos amigos, não por estar “acuado”, mas simplesmente seguindo uma orientação do Mundo Espiritual, em face de tarefas que desenvolveria em Uberaba que, então sim, com sua presença transformou-se em “polo do Espiritismo”.
Na famoso pinga-fogo a que Chico compareceu, em 1971, na TV Tupi, um marco na história das entrevistas televisivas, com uma quase totalidade de audiência, diz a repórter que Chico foi “bombardeado por perguntas. Mas se safou.” Bombardeado? Safou-se? O que foi essa entrevista, um libelo acusatório contra um mistificador? Se a repórter se desse ao trabalho de ver a entrevista toda, o que lhe faria muito bem, verificaria que o clima foi de cordialidade, de elevada espiritualidade, e que em nenhum momento os entrevistadores “bombardearam” Chico.. E em nenhum momento ele deixou de responder as perguntas com a sobriedade e lisura de quem não está ali para safar-se, mas para ensinar algo de Espiritismo.
Falando da indústria (?) Chico Xavier, há um box sobre “Dieta do Chico Xavier”, que jamais seria veiculada por Chico. Usaram seu nome. Por que incluí-la nas inverdades sobre o médium, simplesmente para denegrir sua imagem, aqui sugerindo que seria ingênuo a ponto de conceber semelhante bobagem? Se eu divulgar via internet que Superinteressante recomenda o uso de cocô de galinha para deter a queda de cabelos, seria razoável que alguma revista concorrente citasse essa tolice, mencionando a suposta autoria, sem verificação prévia?
Falando dos 200 livros biográficos sobre Chico Xavier, a repórter escreve: “Tem até um de piadas, Rindo e Refletindo com Chico Xavier”. Certamente não leu o livro, porquanto não conhece nem o autor, eu mesmo, Richard Simonetti, nem sabe que não se trata de um livro de piadas, mas um livro de reflexão em torno de ensinamentos bem-humorados do médium.
Não fosse algo tão lamentável, tão séria essa agressão contra a figura respeitável e venerável de Chico Xavier, eu diria que essa reportagem, ela sim, senhor redator, foi uma piada de péssimo gosto!
Doravante porei “de molho” as informações dessa revista, sem o crédito que lhe concedia.
A repórter Gisela Branco esteve em Pedro Leopoldo e Uberaba com o propósito de situar Chico Xavier como figura mitológica. É uma pena! Não teve a sensibilidade nem o discernimento para descobrir o médium Chico Xavier, cuja contribuição em favor do progresso e bem estar dos homens foi tão marcante que, a exemplo do que disse Einstein sobre Mahatma Gandhi, “as gerações futuras terão dificuldade para conceber que um homem assim, em carne e osso, transitou pela Terra.”
E deveria saber que não vemos Chico Xavier como um mártir, conforme sugere. Não morreu pelo Espiritismo. Viveu como espírita. E se algo se aproxima de um martírio em seu apostolado, certamente foi o de suportar tolices e aleivosidades como aquelas presentes na citada reportagem.
Finalizando, um ditado Zen para reflexão dos redatores da Super:

O dedo aponta a lua.
O sábio olha a lua..
O tolo olha o dedo.

Richard Simonetti
Bauru, 3 de abril de 2010..

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terça-feira, 6 de abril de 2010

As polêmicas envolvendo o Espiritismo



Na última semana foram duas polêmicas envolvendo o Espiritismo. A primeira com os jogadores do Santos Futebol Clube que se recusaram a entrar em instituição espírita para distribuição de ovos de páscoa. Os atletas merecidamente foram criticados pela opinião pública. Sem querer fizeram o espiritismo entrar na mídia esportiva. Foram debates acalorados em diversos programas e até rasgados elogios do comentarista Neto, da TV Bandeirantes, ao nosso querido Chico Xavier.
Como pode perceber o caro leitor, o feitiço virou contra o feiticeiro. A segunda e mais recente polêmica refere-se a ingênua reportagem da revista SUPERINTERESSANTE tentando desmerecer a figura notável de Chico Xavier.
Obviamente não obtiveram êxito. A vida de Chico é um hino à verdade. Sem contar que o médium mineiro é cidadão do mundo, amado pelas pessoas independentemente de religião.
Prova disso é o sucesso do filme sobre a sua vida que vem lotando os cinemas do Brasil.
Chico é muito maior que essas querelas. Constatamos que o editor e a jornalista da SUPERINTERESSANTE foram muito inocentes na elaboração da matéria. Não pesquisaram e expuseram-se ao ridículo.
Sempre digo aos alunos: Vai estudar, menino! Vai estudar pra não falar besteira! Os responsáveis pela revista falaram muita besteira.
Aconselho-os: Vão estudar, vão estudar pra não escrever besteiras!
Os espíritas naturalmente mostraram indignação diante de tamanhas abobrinhas. Richard Simonetti, um dos grandes pensadores espíritas da atualidade, tratou de jogar luz no assunto e elaborou esclarecedora carta ao editor da revista. A manifestação do escritor bauruense está “voando baixo” pela internet. Alamar Régis e outros espíritas também manifestaram a opinião de forma contundente contra a reportagem.
Excelente essas manifestações, pois vemos a Doutrina Espírita recebendo atenção. Certamente inúmeras pessoas irão ler sobre as polêmicas e buscar verificar quem está com a razão. Quem sabe surgirão mais estudiosos das leis da vida tão bem explicadas pela espiritualidade.
A propósito, lembro-me de um comentário de Kardec que consta na obra Viagem Espírita em 1862. Narra o codificador que um pregador aventurou-se na tribuna e sem piedade levantou vozes contra o espiritismo. Pregava entusiasmado: Espiritismo é coisa do demônio! Doutrina anti cristã!
No entanto, a platéia que o escutava jamais ouvira falar de Doutrina Espírita. O desavisado pregador atiçou a curiosidade das pessoas presentes na platéia para conhecer o tal de Espiritismo. Conta Kardec que algum tempo depois naquele local nascia um grupo de estudos para conhecer a Doutrina Espírita que fora tão mal apresentada pelo orador.
As críticas infundadas e os absurdos que atualmente algumas pessoas cometem contra o Espiritismo irão alçá-lo cada vez mais ao patamar de destaque que merece, porquanto os críticos serão combatidos e surpreendidos em suas incoerências por estudiosos da doutrina codificada por Allan Kardec que, diga-se de passagem, jamais se calarão ante asneiras proferidas por palpiteiros de plantão.
Os atletas do Santos e jornalistas da SUPERINTERESSANTE obviamente não sabem que em sua ignorância, à semelhança daquele pregador desinformado, abriram mais janelas para a penetração das idéias que tentaram combater. Pela excelência de seus princípios o Espiritismo entrará por essas brechas abertas pelos desavisados, quer eles queiram ou não.

Wellington Balbo
Bauru - SP

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terça-feira, 30 de março de 2010

Macaco Simão



Carregando o peso dos seus oitenta e oito anos, dos quais setenta e nove vividos na dura faina da roça, Simão, um negro robusto, o mais antigo morador da Fazenda Oiteira, depois de um dia estafante, retornava do trabalho a passos lentos, levantando o pó do chão, num penoso arrastar de pés.
No aconchego do lar, cercado do carinho de sua Maria - pensava feliz - acharia novas forças para enfrentar as labutas do dia seguinte.
Antes, porém, que alcançasse sua choupana, encontrou Matias, neto dos atuais patrões, um garoto de doze anos, inconveniente e atrevido, que, maldosamente, só o tratava por Macaco Simão.
Insolente, o petiz não perdeu a oportunidade de zombar do pobre ancião, cantarolando:

“Meio dia, panela no fogo barriga vazia.
Macaco torrado que vem da Bahia, fazendo caretas pra Dona Maria”.

Simão descontrolou-se, agüentara silencioso todos os insultos, mas não suportava ver sua Maria incluída nas troças do irreverente guri. Revidou:
- Menino arreliento, quando você morrer vai pras profundezas do inferno de cabeça pra baixo. E eu vou achar graça.
- Macaco Simão - chasqueou Matias - o inferno foi feito para os negros sujos como você e sua mulher. De pouco valeram os apelos de muita paciência e as palavras de conforto de Dona Maria.
Simão estava injuriado, pouco se alimentou e, logo depois, saiu.
Sentado na margem do açude grande, seu lugar predileto para meditar e orar, deu vazão à tristeza. Em pranto convulso, perguntava:
- Por que, meu Deus, tanta maldade no coração daquele fedelho? Que fazer para corrigi-lo?
Pensamento solto, volveu aos tempos de criança, quando chegou à fazenda. Conhecera os bisavós de Matias, pessoas austeras e exigentes, contudo, justas; não detratavam os empregados quer fossem brancos, mulatos ou negros. Os avós e os pais haviam seguido a mesma linha de conduta, sérios, compenetrados, mas respeitadores e bondosos. Só o Matias escarnecia dele.
Morosamente o sol declinava no horizonte. O velho Simão, em oração, aos poucos, refazia-se do desgosto. Admirou o céu tingido de púrpura anunciando o final da tarde morna, sentiu a suave brisa acariciar-lhe a fronte escaldante, desejou voltar aos cuidados de Maria, porém o sono anestesiou-lhe os sentidos, pendeu a cabeça sobre o peito, dormiu profundamente e sonhou com um anjo luminoso convidando-o:
- Venha, Simão, sossegue sua alma tão angustiada. Muitos foram os seus sofrimentos, grande será sua recompensa.
- Meu bom anjo, como posso asserenar-me se vejo o menino Matias inclinando-se para o mal? Desejo o seu bem, sofro com o seu descaminho.
- Hoje, Matias, espírito endurecido, não poderá ouvi-lo; no futuro, você terá como dar sua ajuda direta para salvar aquela alma rebelde. Agora, repouse para um despertar feliz.
Ao amanhecer, encontraram o corpo de Simão hirto, olhar sereno fixado no infinito, tendo nos lábios o sorriso daqueles que morrem em paz.
Sessenta anos passaram na carruagem do tempo.
Matias, sentado à margem do mesmo açude, angustiava-se pensando no passado, no presente e nas sombrias perspectivas do futuro.
A Fazenda Oiteira viera-lhe diretamente dos avós. Administrador severo, fez-se temido e repudiado. Juntou dinheiro, mas não fez amigos. Agora, envelhecido, vivia como eremita, mal visto, rejeitado. Não casou, não tinha filhos. Quem poderia assisti-lo na senectude?
Da angústia passou ao desespero. Quis gritar, não conseguiu. Dor intensa comprimiu-lhe o peito, a visão anuviou-se. Morreu blasfemando.
No dia seguinte, acharam o cadáver de Matias, olhos esbugalhados, lábio contraídos, reflexo de uma morte atormentada.
Dez anos se foram na inexorável marcha do tempo. Matias, que vagara em densas trevas, lentamente despertou em profunda aflição, sem decifrar o que lhe acontecera.
Pressuroso, demandou à casa grande. Constatou, contrariado, radicais modificações. Na entrada, um belo e bem cuidado jardim; no interior, recentemente pintado, móveis novos; empregados zelosos cuidavam do asseio.
Aturdido, retirou-se procurando informações. Nenhuma resposta, fingiam não escutá-lo.
Só então, contrafeito, pôde observar que as antigas e acanhadas casas de barro batido tinham sido substituídas por outras maiores, mais confortáveis, de alvenaria. Viu ainda uma escola, uma creche, um clube recreativo. Tudo feito com o seu dinheiro, sem autorização. Verdadeira espoliação dos seus bens!
De repente, lembrou-se de suas considerações à beira do açude, da sufocante dor no peito, do turvamento da visão acompanhado de um longo vazio. Certamente morrera, era a explicação.
Vencido pelo desgosto, chorou amargamente, lamentou seu infortúnio que, reconhecia, só podia imputar a si próprio. Caiu de joelhos e orou:
- Se realmente morri, se há esse Deus que todos têm como Pai de infinita misericórdia, que eu seja socorrido neste momento de inquietação e de dúvidas atrozes.
Inimaginável é o poder da prece. Natalício, um ser angelical, abeirou-se de Matias, tocou-lhe de leve o ombro falando com ternura:
- Matias, que você fez da vida? Desperdiçou uma oportunidade de crescer espiritualmente! Discriminou os negros, desconsiderou os direitos dos seus empregados, cometeu uma série de equívocos.
- Bem sei que mereço ir para o inferno de cabeça para baixo. Mande-me logo arder no fogo. Cumpra a justiça.
- Não, Matias, você não irá. Deus é bom e misericordioso, não permitirá tal absurdo. Por ser justo, Deus concede sempre novos ensejos de redenção.
- Estou confuso. Que fazer então?
- Recomeçar - retrucou Natalício - Outra vida ser-lhe-á dada se aceitar reencarnar como filho dos novos donos da Oiteira para retomar a tarefa abandonada por negligência. À noite, durante o sono, promoverei um encontro para o entendimento fraterno. Aceita?
O carrilhão soava anunciando as vinte e três horas quando Matias, acompanhado do protetor, penetrou na alcova do jovem casal que dormia serenamente.
Ao chamamento de Natalício, ambos desprenderam-se do corpo físico indo ao encontro dos visitantes.
- Eis seus futuros pais, Eliseu e Marina - sorridente, Natalício fez a apresentação - muitos anos atrás, acataram de bom grado a incumbência de guiá-lo pelo caminho reto do dever. Deseja conhecê-los melhor? 
- Sim, quero muito saber qual a ligação entre nós que justifique o sacrifício de receber-me como filho - respondeu Matias cheio de curiosidade.
Como num passe de mágica, o guapo rapaz e sua encantadora esposa transmudaram-se. As peles alvas tornaram-se escuras, os cabelos lisos ficaram encarapinhados; eram dois idosos vergados pelo peso dos anos.
Trêmulo, incapaz de suster-se em pé, Matias arrojou-se aos pés dos pretos-velhos gemendo de assombro e de dor:
- Macaco Simão, Dona Maria! Como podem aceitar-me como filho? Não mereço voltar nem como empregado. Sou um pobre diabo indigno de ser olhado. Perdoem este infeliz.
Emocionado até as lágrimas, Simão replicou:
- Levante-se, Matias, há muito tempo você foi perdoado. Venha, abrace-nos como irmãos queridos, esqueçamos o passado, olhemos o futuro promissor.
Mais cinco anos transcorreram. Eliseu e Marina contemplam embevecidos o filho recém nascido como um presente descido do céu.
 
 
Felinto Elizio Duarte Campelo