quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Kardec, a biografia – um livro bom de se ler


Não direi que o livro Kardec: a biografia é uma grata surpresa, porque quem escreveu a melhor biografia de Chico Xavier, até hoje, prometia escrever também a melhor do mestre de Chico e de milhões de espíritas brasileiros: Allan Kardec. 
Por que considero ambas excelentes biografias? Porque são biografias mesmo e não hagiografias. (Para quem não sabe, hagiografia é história de santo, escrita dentro dos cânones da Igreja Católica). Marcel Souto Maior conta a história de um ser humano. De um grande ser humano, mas um ser humano. Um homem de bem, que é o que O Evangelho segundo o Espiritismo propõe como padrão ético. E conta muito bem contado. 
Seu estilo é leve, sem cair na banalidade. É espirituoso e às vezes oportunamente irreverente, justo para não assumir um tom laudatório demais, o que acabaria com a sua credibilidade de biógrafo e jornalista investigativo. É um texto saboroso, ágil e que nos dá vontade de ler sem parar. 
Souto Maior soube tratar de um assunto delicado, sem ferir nenhum partido; de um assunto sério, sem cair numa doutrinação massacrante e antipática. 
Acima de tudo, porém, é fiel aos fatos. E sendo fiel aos fatos, a grandeza do personagem se destaca naturalmente, sem a mínima necessidade de usar uma batelada de elogiosos melosos. 
Aliás, o que se sobressai na biografia escrita por Souto Maior é o Kardec da Revista Espírita. Quem está familiarizado com os 12 volumes da Revista, conhece melhor a personalidade de Kardec, seus embates, seu contexto, seus diálogos e discussões com adversários e aliados, com admiradores e detratores. O autor soube compor não só a partir da Revista, mas de outros documentos, um mosaico bem montado de Kardec, seu trabalho e sua época, que nos permite nos sentirmos lá, na França do século XIX. 
É claro que para alguns puristas, que prefeririam uma hagiografia, o fato de Kardec na biografia se irritar, se cansar, se alegrar e usar de uma fina ironia (e usava mesmo com todo o requinte do esprit francês) pode parecer algo humano demais. Mas grandes homens também se irritam e se cansam. Com essa constatação óbvia, em absolutamente nada sai arranhada a personalidade de Kardec e o que ele propôs como Espiritismo. 
É claro que não se trata de uma obra filosófica e por isso não discute a fundo alguns pontos que poderiam ser polêmicos e assim não é um livro que sai dos cânones do Espiritismo brasileiro atual. Mas a postura crítica, racional e vigilante que Kardec tinha em relação à mediunidade é muito bem retratada e, mesmo sem querer, serve de alerta para esse movimento, que perde muitas vezes qualquer critério de análise do que supostamente vem do Além. 
Quando me refiro aos cânones do Espiritismo brasileiro atual, estou falando de coisas que já estão assentadas entre nós e não me parecem que sejam tão fiéis a Kardec. Por exemplo, o termo “codificador”, que tenho criticado e que não aparece em nenhuma obra da Kardec. Aparentemente, trata-se de algo criado aqui no Brasil e que ressalta o caráter do mestre como mero organizador de uma revelação pronta ou mero secretário dos Espíritos. Tenho pontuado que, apesar de sua modéstia, o próprio Kardec reconhecia em si mesmo um papel mais ativo e criativo nessa relação com os Espíritos. Diz ele em Obras Póstumas:

“Conduzi-me, pois, com os Espíritos, como houvera feito com os homens. Para mim, eles foram, do menor ao maior, meios de me informar e não reveladores predestinados.”

E na Gênese:

“O homem concorre para a revelação com o seu raciocínio e o seu critério; desde que os Espíritos se limitam a pô-lo no caminho das deduções que ele pode tirar da observação dos fatos. Ora, as manifestações (...) são fatos que o homem estuda para lhes deduzir a lei, auxiliado nesse trabalho por Espíritos de todas as categorias, que, de tal modo, são mais colaboradores seus do que reveladores, no sentido usual do termo.”

Ou seja, como estudei em minha tese de doutorado na USP, que virou depois o livro Pedagogia Espírita, um projeto brasileiro e suas raízes, Kardec criou um novo paradigma para conhecermos o mundo, que inclui uma dimensão espiritual. E esse método de estudar os fenômenos que evidenciam a imortalidade de alma é algo criado por Kardec e não pelos Espíritos. O livro de Souto Maior não desmente isso, aliás chega perto de demonstrar através de sua narrativa essa proposição que fiz. Mas não é seu objetivo, e nem poderia ser, discutir altas questões epistemológicas. 
Um único reparo histórico que tenho a fazer no livro, um descuido talvez: Victor Hugo, quando se interessou pelas mesas girantes e manteve diálogos com os Espíritos, inclusive o de sua filha, não estava em Paris, como afirma Marcel. O grande escritor francês estava exilado na ilha de Guernsey, por conta de sua oposição ao governo de Napoleão III, que ele chamava de Napoléon, le petit (Napoleão, o pequeno). 

Gostei particularmente dos dois últimos capítulos do livro, que estão muito bem articulados. O penúltimo trata do processo dos espíritas (aliás, num erro de digitação ou num engano de tradução aparece como “processo dos espíritos”), em que o juiz Millet destrata Amélie, já idosa, e lança de uma ironia agressiva e injusta contra a personalidade de Kardec. E Souto Maior nada responde. Mas insere no último capítulo a resposta final: um texto do mestre, que considero um dos mais bonitos, porque revela algo de sua intimidade e que só apareceu em Obras Póstumas, em que ele descreve a si mesmo, fazendo um balanço de sua vida de homem de bem. Essa é a melhor resposta para o Juiz furioso e para todos aqueles que ainda denigrem Kardec. Um texto em que o mestre se analisa com toda a simplicidade como um pessoa interessada em fazer o bem e promover a felicidade alheia.

Dora Incontri 

Imagem é do livro

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Em 150 anos


Supondo que os Espíritos superiores que conduzem o destino do planeta Terra resolvessem, em um período de 150 anos, renovar os Espíritos aqui encarnados, façamos um exercício mental, um aprendizado pela imaginação e pensemos como seria esse cenário...
Assim, a cada Espírito encarnado, a Terra receberia um Espírito altamente evoluído, de forma que no espaço de um século e meio teríamos sobre a superfície terrestre somente Espíritos iluminados, de escol, criando um processo de regeneração induzida.
A nova Terra teria habitantes preocupados com as questões sociais, onde uma criança faminta mobilizaria mais a opinião pública que uma partida de futebol. O saber e a fraternidade seriam exaltados e o respeito, ah, esse seria um valor sentido nas ruas.
O meio ambiente seria preservado de forma consciente, por cada um, e o consumo não seria um fim e sim um meio da vida digna e justa, com os direitos fundamentais a orientar o caminho de cada irmão.
O preconceito, a competitividade, a violência cederiam lugar a outras formas de resolução de conflitos, baseados na cooperação e no diálogo. Cada um cresceria em valores e potencial, pensando no coletivo, nos desvalidos, e na criação de coisas que melhorassem a vida humana.
A escola cederia lugar à prisão, o livro preencheria o tempo ocioso e o sorriso campearia as relações, de maneira profunda, de forma que cada um seria tratado como um irmão em humanidade. As guerras se extinguiriam, as armas seriam aposentadas e a dor, natural da vida humana, seria vista como um instrumento de reflexão, de aprimoramento moral.
Passada a transição de 150 anos, na qual os Espíritos mais amadurecidos substituiriam os aqui encarnados, os desafios da vida humana nesse mesmo planetinha azul seriam superados pelo esforço contínuo e integrado de todos, tornando a existência mais afável e mais fraterna. Assim, essa geração nova comprovaria que é possível um mundo melhor.
Utopia? Certamente... Mas uma utopia que nos ensina que grande parte dos problemas do ser humano encarnado advém da sua conduta moral, de sua falta de amor e da sua imperfeição, tendo a regeneração esperada sentido apenas quando falamos de uma reforma íntima, que construa em cada coração o mundo novo, dado que essa luta é nossa.
A cada dia, como Espíritos encarnados no orbe terrestre, somos convidados a fazer diferente. Pelas nossas escolhas, a cada encarnação, a cada dia, a cada minuto, trazemos em nossas mãos e em nossas ideias as possibilidades de um mundo melhor. Podemos, a cada dia, tornar a Terra regenerada, como o sal da Terra e a luz do mundo.
Em 150 anos, em uma ação radical, com a substituição da escalação atual, poderíamos virar totalmente o jogo. Mas não é isso que esperam de nós Jesus e os outros Espíritos superiores que velam pela nossa comunidade. Eles esperam de nós, sujeitos dessa existência, a mudança que permita a transformação de sombras em luz, pelo expurgo do mal que resiste em habitar em nós.
Ao reclamarmos de Deus, do destino, da natureza, do azar..., lembremos da nossa posição do planeta. Olhemos para fora, para a janela, e vejamos tudo de bom que a nossa civilização construiu, bem como todas as mazelas que nós arrastamos. Superamos distâncias pela internet e ampliamos a expectativa de vida em muitos países, mas amargamos ainda a fome, a ignorância, a miséria, o preconceito, a guerra, a nos envergonhar na categoria humana.
Não, apesar de nosso exercício mental, Deus e os Espíritos superiores não vão nos substituir na Terra, colocando aqui um time de notáveis. O embate é nosso, a ser travado na escola da encarnação. Se quisermos o bem, devemos trabalhar por isso, enxergar que, enquanto o mal campear, não seremos plenamente felizes nesse mundo e que isso não implica, no entanto, em nos sentarmos, acomodados, esperando o bem que virá.
A hora é agora, e o momento de agir é sempre e cada minuto é uma oportunidade ganha ou perdida de vencermos as nossas lutas interiores e as batalhas coletivas. Fugir disso é aguardar dormindo o juízo final, um paradigma que Kardec nos deu elementos para superá-lo.
Fora da caridade não há salvação... Reconhece-se o espírita pelo seu esforço... Meus discípulos serão reconhecidos por muito se amarem... A nova era não virá. Será construída por nós, e isso, amigos, é mais que uma dádiva.
  
Marcos Vinícius de Azevedo Braga
acervobraga@gmail.com
Brasília, DF (Brasil) 

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domingo, 27 de outubro de 2013

É o Espiritismo uma ciência?


De vez em quando discute-se na imprensa espírita se o Espiritismo pode ser considerado efetivamente uma ciência, como Kardec o conceituou em conhecida passagem constante do livro O que é o Espiritismo.

Recordemos o que o codificador da doutrina espírita escreveu:

“O Espiritismo é, ao mesmo tempo, uma ciência de observação e uma doutrina filosófica. Como ciência prática ele consiste nas relações que se estabelecem entre nós e os Espíritos; como filosofia, compreende todas as consequências morais que dimanam dessas mesmas relações.
Podemos defini-lo assim: O Espiritismo é uma ciência que trata da natureza, origem e destino dos Espíritos, bem como de suas relações com o mundo corporal.” (O que é o Espiritismo – Preâmbulo.) (Grifamos.)
Recentemente, em carta publicada nesta revista, um leitor afirmou que a doutrina espírita não pode ser considerada religião, porque não tem ritos nem dogmas, e também “não pode ser considerada ciência, pois seus fenômenos, por não se repetirem metodicamente, não podem ser estudados”.

É óbvio que se trata de uma mera opinião manifestada por uma pessoa leiga, visto que nos dois casos – seja negando-lhe a condição de religião, seja negando-lhe a condição de ciência – o autor de semelhante ideia está totalmente equivocado.
O advento das chamadas ciências sociais deveria ser meditado por todos aqueles que gostam de dizer primeiro, para pensar depois, quando o correto, em qualquer setor de atividade humana, é, em primeiro lugar, pensar – e pensar bem – antes de emitir a nossa opinião.
As ciências de observação, como seu próprio nome indica, não operam como as ciências exatas, a exemplo da Física, da Química e da Matemática. O laboratório do Espiritismo e sua metodologia são necessariamente diferentes, e nem por isso perde ele sua condição de ciência, que efetivamente ele é. (1)
Se o leitor nutre alguma dúvida com relação a esse assunto, sugerimos que leia a entrevista publicada nesta mesma edição, a qual nos foi concedida por Otaciro Rangel Nascimento, doutor em Física pela PUC do Rio de Janeiro, atualmente professor e pesquisador no Instituto de Física da USP São Carlos.
Uma das perguntas propostas ao ilustre professor foi:  – Quais os principais pontos de ligação entre a ciência convencional, com suas pesquisas e busca do entendimento dos fatos na formulação de leis e princípios, e o Espiritismo?

Eis sua resposta:

“Já o disse anteriormente. Os pontos de ligação estão justamente nos métodos de análises utilizados por ambas. A Doutrina Espírita é uma ciência de observação e como tal não podemos ter domínio sobre os fatos, pois que os Espíritos têm vontade própria e não se submetem ao mando do cientista. Neste sentido ele é parecido com a Astronomia cujos fatos são observados, mas não realizados em laboratório, como outras áreas da Ciência material.”

Na resposta dada à pergunta subsequente, Otaciro Rangel afirmou:

“O estudo da Ciência e da Doutrina Espírita para mim são recursos educadores de minha alma. As estruturas de raciocínio lógico da Ciência e da Doutrina Espírita são equivalentes, e o entendimento de uma e outra me ajudam a viver com mais equilíbrio e serenidade. Saber-se imortal e saber que aprenderei sempre é uma grande felicidade.”

(1) Sobre o método adotado por Kardec na codificação da doutrina espírita, leia o editorial intitulado “A insensatez e seu antídoto”. Eis o link: http://www.oconsolador.com.br/ano3/122/editorial.html 

Matéria extraída da Revista Semanal de Divulgação Espírita: O Consolador 

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sábado, 19 de outubro de 2013

Casa Espírita Amazonas Hércules


Há 28 anos a serviço do próximo  
A instituição atua desde 1985 em Jacarepaguá-RJ, às 
margens do Canal do Anil

      Canal do Anil em 2009
Às margens do Canal do Anil, em Jacarepaguá, segue desde 1985 a Casa Espírita Amazonas Hércules, atendendo materialmente e espiritualmente aquela comunidade
“Como se vê, sofre os meus, sofre os teus, cuidemos deles são todos filhos de Deus.” Embalado por essa canção e por tantas outras, nos idos de 1990, as minhas manhãs de domingo eram presenteadas pelo trabalho do Canal do Anil, na então “Casa Espírita Filhos de Deus”, um casebre simples à beira de um rio já maltratado pela ação do homem, que surgia após quase dois quilômetros de caminhada em uma estrada de barro ladeada por palafitas simples.  
Ali trabalhei integrado à Mocidade Mariana do Centro Espírita de Jacarepaguá, a “Casa de Agostinho”, na evangelização de jovens e crianças da comunidade, alternando o evangelho a aulas de higiene, tudo com muita música e fraternidade.

     Festa de Natal na CEAH
Inspirados pelo exemplo de nossos dirigentes, Moacyr  e Isabel Cristina (Isabig), essa experiência tão marcante me levou a escrever, dez anos depois, o livro “Alegria de Servir”, publicado pela editora da FEB, que apresenta em uma breve historieta a importância da realização do trabalho social pelo jovem.
Já contextualizados do meu envolvimento com a casa e com a causa, vamos conhecer junto um pouco o trabalho e a história da Casa Espírita Amazonas Hércules. O nome da casa se deve ao seu idealizador, o companheiro Amazonas Hércules, um herói das lutas espíritas no hospital de hanseníase do Curupaiti, situado também em Jacarepaguá, à frente de outra instituição de nome similar, o Centro Espírita Filhos de Deus. 

           Estudo na CEAH 
Como era o trabalho nos primeiros anos – Fundada em 13/5/1985 com o nome de “Casa Espírita Filhos de Deus” por um grupo de pessoas abnegadas da região de Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, o trabalho à beira do Canal do Anil consistia na palestra, na evangelização e na ação social no sábado à tarde, culminando com a famosa peregrinação, na qual os tarefeiros, destacando-se entre outros os amigos Vitor, Sérgio, Alípio e a Tia Terezinha, visitavam as casas com seu inseparável violão, oferecendo a palavra amiga e a oração, dentro daquela comunidade tão carente.
Nos meados de 1990, os dirigentes da Mocidade Mariana (já citados) do Centro Espírita de Jacarepaguá perceberam a necessidade de iniciar a vivência da prática da caridade entre os jovens. Moacyr, um dos dirigentes, trouxe a sua experiência com jovens no trabalho realizado em Rezende-RJ com os alunos da
Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN) e iniciou-se ali, de forma ousada e inovadora, um trabalho no domingo de manhã; e, após o trabalho, seguiam todos para o estudo na juventude, em uma fraterna caminhada ensolarada pelos quase dois quilômetros da Avenida Canal do Anil até o ponto do ônibus.

       Mocidade na CEAH
Inicialmente, o objetivo desse trabalho realizado pela juventude era despertar os laços de carinho pelas crianças, trabalhar o nosso coração. Não havia  planejamento, nós fazíamos simplesmente a recreação com música e brincadeiras. Com o passar do tempo, os laços se estreitaram e surgiu a necessidade de iniciar atividades com planejamento e foco na Doutrina Espírita.
Devido ao fato de a Casa ser um barracão de madeira que não comportava todas as turminhas, as atividades eram realizadas na calçada, ao ar livre,  ou ainda nas casas das crianças.  
A Casa Espírita Amazonas Hércules hoje – O trabalho foi amadurecendo, os trabalhadores também, e em 2007 aconteceu a união com as atividades que eram também realizadas aos sábados, integrando e fortalecendo aquela que deixava de ser apenas um posto avançado do Centro Espírita Filhos de Deus (Hospital do Curupaiti), para se tornar realmente uma casa espírita autônoma, incrustada naquela comunidade. 

Canal do Anil - Domingo manhã       
As carências de estrutura representam um capítulo à parte na história da Casa. A despeito das enchentes frequentes, em 1998 iniciou-se a construção de uma sede de alvenaria, que veio a ceder em 2000, como uma prova da resistência e fé dos trabalhadores. Posteriormente em 2002, no terreno ao lado do que cedeu, iniciou-se a construção da sede que está em uso atualmente, concluída em 2010. Com o desencarne de Amazonas Hércules, a casa recebe seu nome em uma justa e fraterna homenagem.
A Casa hoje funciona com ações sociais de cestas básicas e bazar, além da evangelização infantojuvenil (com atendimento fraterno), alfabetização de adultos, reunião de estudo doutrinário e de mediunidade, culto no lar e peregrinação, tendo cerca de 150 frequentadores, entre adultos e crianças.
Curiosamente, muitas daquelas crianças da década de 1990, e que eram alunos, hoje trabalham na casa e trazem seus filhos. Da mesma forma, alguns daqueles jovens da Mocidade Mariana se tornaram adultos atuantes no trabalho.
Mais do que uma casa espírita em uma comunidade materialmente carente, a Casa Espírita Amazonas Hércules representa o enlace de Espíritos no trabalho no bem, no amadurecimento na seara do Cristo. Uma geração ali cresceu e a comunidade entendeu que ali era mais do que um local de distribuição de cestas, e sim um espaço de emancipação na questão espiritual e de entendimento das questões da vida por outro prisma.  
A Casa cresceu com a própria comunidade – Da mesma forma, de maneira emblemática, o trabalho no Canal do Anil representa o resgate do trabalho de cunho social na seara espírita, em baixa cotação nos dias de hoje e que nos permite, com sua dimensão, mexer no nosso coração diante da dor material do próximo, em um exercício de caridade que nos amadurece para a vida mais além.
Apresentou esse trabalho também, a despeito do medo e das críticas, a necessidade de o jovem mergulhar de forma autônoma e protagonista na seara do bem, forjando em seu caráter aquele espírita amadurecido que promoverá outros trabalhos na fase adulta. Como diziam os dirigentes da Mocidade Mariana, se não rompermos essas dificuldades do trabalho no bem como jovens, como adulto o verniz e o papel social tornarão esse desafio muito mais complexo.
Além disso, a casa que cresceu com a comunidade (que se potencializou em função das ações da competição do Pan no Rio de Janeiro) representa um espaço de estudo e de trabalho no campo da espiritualidade daquelas pessoas, sendo um exemplo de iluminação, de respeito às peculiaridades do local e, ainda, de valorização das atividades educativas.
Reproduzindo as palavras do próprio Amazonas, saudoso companheiro, sobre o trabalho no Canal do Anil: “Reflitamos sobre a grande importância de cada trabalhador que aqui atua... O compromisso já existe e é preciso que vocês, ferramentas de trabalho, estejam atentos aos chamados. Contamos com a colaboração de cada um de vocês. Cada um aqui é um ponto de amor, de esperança e de luz”. Essas palavras nos remetem à existência de grande seara invisível às nossas mentes, ocupadas com coisas inúteis. Entretanto, a soma desses trabalhos, como pontos de luz, é que fazem do nosso céu estrelado, a guiar-nos pelas estradas da encarnação.

Marcus Vinícius de Azevedo Braga
acervobraga@gmail.com
Brasília, DF (Brasil)