segunda-feira, 24 de março de 2014

O Inferno na verdade é um Purgatório, pois na Bíblia ele é temporário.


Tártaro, Geena, Sheol, Hades, Inferos e Limbo designam geralmente o inferno, que é de origem mitológica, quando seu chefe era Plutão e que, no cristianismo, passou a ser Satanás, Belzebu ou Lúcifér. E o inferno cristão tornou-se muito mais terrível do que o mitológico pagão, graças a Dante Alighiere (século 13), que o recriou na sua “Divina Comédia”.
Examinando 1 Coríntios 3: 15, os versículos em torno e outros textos da Bíblia, conclui-se que o inferno não é um lugar, que  ele e seu fogo são figurados e que ele é mesmo temporário. Aliás, a parábola do Filho Pródigo (Lucas capítulo 15); o desejo de Deus de que todos se salvem (Mateus 18: 14; 1 Timóteo 2: 4); a afirmação de Jesus de que há mais alegria nos céus quando um se converte do que pela alegria lá já reinante por 100 já convertidos; a busca da ovelha perdida até ser encontrada (Lucas 15: 4) e outras passagens bíblicas pulverizam as penas sempiternas dos teólogos medievais baseados na poesia do terror infernal de Dante.
“Manifesta se tornará a obra de cada um. O dia demonstrará a boa obra que se revela pelo fogo; e tal como com a obra de cada um, o próprio fogo a provará. Se ela permanecer edificada sobre o fundamento, seu autor receberá galardão. Se a obra de alguém se queimar, ele sofrerá dano; mas esse autor será salvo, como que através do fogo.” (1 Coríntios 3: 15).
Numa linguagem simples, vejamos esse texto até o versículo 17. As obras boas e más estão relacionadas com o fogo. A obra boa e fundamentada, como acontece com a de cada um, é revelada pelo fogo, e se ela permanece no fundamento, o seu autor receberá o galardão. Mas queimando-se a obra de alguém por ela não ser boa, ele sofrerá punição pelo fogo, pois sua obra será queimada, mas ele será salvo pelo próprio fogo destruidor da sua obra má. Se ele se salva, logo a pena é temporária. “Vós não sabeis que sois santuário de Deus, e que o Espírito de Deus habita em vós?” (1 Coríntios 3: 16). E Paulo termina com uma linguagem figurada profética (ameaçadora) aos suicidas: “Se alguém destruir o santuário de Deus, Deus o destruirá; porque o santuário de Deus, que sois vós, é sagrado.” (1 Coríntios 3: 17).
 Kardec elogiou o Purgatório da Igreja, por ser temporário, de acordo, pois, com a justiça perfeita de Deus, que dá a cada um conforme suas obras.
 Nossas faltas são finitas. Puni-las, pois, com penas infinitas ou sempiternas seria um erro de justiça gravíssimo. Assim, atribuir a Deus a criação dessas penas sem fim é até uma blasfêmia!
 O Inferno na verdade é, pois, tal qual o Purgatório temporário da Igreja. O grande santo sábio e bispo da Igreja Primitiva, são Gregório de Nissa (4º século), um dos Padres da Igreja, notável pela sua lógica, já ensinava também que o inferno é temporário. Que os teólogos dogmáticos, pois, se cuidem!

Obs.: Esta coluna é de José Reis Chaves, às segundas-feiras, no diário de Belo Horizonte, O TEMPO, pode ser lida também no site www.otempo.com.br - Clicar “TODAS AS COLUNAS”. Podem ser feitos comentários abaixo da coluna. Ela está liberada para publicações. Meus livros: “A Face Oculta das Religiões”, Ed. EBM (SP), “O Espiritismo Segundo a Bíblia”, Editora e Distribuidora de Livros Espíritas Chico Xavier, Santa Luzia (MG), “A Reencarnação na Bíblia e na Ciência”
Ed. EBM (SP) e “A Bíblia e o Espiritismo”, Ed. Espaço Literarium, Belo Horizonte (MG) – www.literarium.com.br - e meu e-mail: jreischaves@gmail.com - Os livros de José Reis Chaves podem ser adquiridos também pelo e-mail: contato@editorachicoxavier.com.br e o telefone: 0800-283-7147.

Na TV Mundo Maior, também pelo www.tvmundomaior.com.br, o “Presença Espírita na Bíblia”, com Celina Sobral e este colunista, às 20h das quintas, e às 23h dos domingos. Perguntas e sugestões: presenca@tvmundomaior.com.br E, na Rede TV, o “Transição”, aos domingos, às 16h15.
“O Evangelho Segundo o Espiritismo”, de Kardec, pela Ed. Chico  Xavier. www.editorachicoxavier.com.br (31) 3636-7147 - 0800-283-7147, com tradução deste colunista.
Recomendo “O Despertar da Consciência – do Átomo ao Anjo”, de Sebastião Camargo. www.sebastiaocamargo.com.br, www.odespertardaconsciencia.com.br e www.editorachicoxavier.com.br

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quinta-feira, 13 de março de 2014

A fraternidade esquecida


O ano é 1789. O mundo desperta diferente, com um brado regado a sangue que proclama liberté, égalité e fraternité pela Europa, ressoando em todo o mundo ocidental. O antigo regime, de reis e vassalos, cai pela força dos tempos novos. Burgueses, comerciantes proscritos de outras horas, viram senhores e trabalhadores viram vassalos, na primeira de muitas revoluções que mudariam o mundo de forma profunda. 
Passados mais de 150 anos da bastilha, um mundo dividido entre o Ocidente e Oriente, entre o azul e o vermelho, se digladia entre extremos, de liberdade e igualdade, na guerra que congela as almas, pelo medo de um holocausto nuclear, negado nas frases e filmes, mas presente nas ogivas.
A promessa de liberdade garante a utopia de podermos ser o que quisermos, de seguirmos o nosso caminho e que, pelo esforço individual, podemos vencer na vida, virar presidente, ser o Top of the Hill.
Em um mundo tão desigual, o discurso da igualdade ideologiza nações, na premissa de superarmos as injustiças, padronizando pessoas e vidas, como combustíveis para abastecer o poder.
De um lado, quem não trabalha não come. De outro, quem quer ser igual não pode ser livre. Em extremos, batizados de “ismos”, nos alistamos até hoje em combates ideológicos, em lutas que se replicam nos blogs, comentários, textos, notícias e posts.
Desse desejo de ser livre, desse clamor de ser tratado igual, algo ficou esquecido... A fraternidade que vê um irmão em cada um jaz ausente das discussões de todos os matizes. Afinal, ser livre ou ser igual é focado no “eu” e a fraternidade é focada no “nós”.
Na fraternidade se aliviam as tensões da liberdade e da igualdade, pois não podemos ser livres sem respeitar os outros e não podemos ser iguais sem respeitar a nós mesmos. Mas podemos ser fraternos no respeito ao outro e a nós mesmos.
A mensagem do Cristo, do Cordeiro de Deus, tão deturpada em jogadas religioso-comerciais, é uma síntese da fraternidade, quando deposita no amor ao próximo como a si mesmo a regra áurea do convívio humano, enxergando no outro a si mesmo.
Entretanto, é tão difícil sermos fraternos. É tão difícil enxergar o outro. Bradamos por direitos a iguais oportunidades, direitos de nos expressarmos, mas esquecemos da luta pelos que sofrem, na dor do desvalido, próximo tão próximo.
O ideal da modernidade, consubstanciado no lema da revolução francesa, anda capenga, com a fraternidade esquecida, relegada a ações piegas da responsabilidade social na venda de produtos ou da esmola degradante em bingos televisivos.
O filho do carpinteiro tratou a todos de forma igual, dentro das suas desigualdades. Respeitou as vontades, mas alertou a todos da interdependência da vida. Falou o Mestre da Lei de amor, mostrando que o sonho da liberdade plena pode se converter em puro egoísmo e que a igualdade absoluta pode se transformar em uma camisa de força coletiva.
Livres ou igualitários, respeitando os limites dessas posturas, lembremo-nos do visgo da fraternidade que nos une em uma rede de dependência, de união, de carinho, que nos torna melhores a cada dia. Enquanto a lição esquecida não for vivenciada, nos debateremos entre extremos de insensatez, em discursos estéreis e inúteis, tentando achar na vida um gabarito diferente do amor, palavra que estamos bem distantes de saber o seu real significado.  

Marcus Vinícius de Azevedo Braga
acervobraga@gmail.com
Brasília, DF (Brasil)  


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sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

A resiliência barata


Antigo conto infantil, a Dona Baratinha, narra a história de um personagem que se posta humildemente, todos os dias, na sua janela, com um laço de fita na cabeça e uma moeda no bolso, cantando “Quem quer casar com a senhora Baratinha, que tem fita no cabelo e dinheiro na caixinha (...)”.
Após recusar vários pretendentes, a exigente baratinha aceita se casar com Dom Ratão e, marcado o casório, o noivo vem a falecer no caminho da igreja, precipitando-se na panela de feijoada que esquentava na cozinha da Dona Baratinha, como quitute principal das bodas.
Apesar de desconsolada, a Dona Baratinha, após um momento de choro, coloca novamente a sua moeda em uma caixa, prende a fita na cabeça e volta à sua janela, para cantar a sua cantiga: “(...) Quem quer casar...”.
Essa singela historieta infantil, narrada entre outras obras, no livro “Lembranças amorosas”, de Francisco Gregório Filho (2000, Editora Global, SP), tem como tema central a resiliência, uma importação de conceitos da física para a psicologia, na adaptação do indivíduo com sucesso a experiências de vida difíceis ou desafiadoras, ou seja, a capacidade de superar as mazelas humanas e retornar à “vida que segue”, como faz a corajosa baratinha da história.
A virtude da resiliência é cara, uma rara ferramenta para o enfrentamento dos múltiplos e naturais desafios da vida encarnada que, ainda que sejam planejados ou fruto de resgates, trazem traumas à criatura. Por vezes, nós nos “congelamos” diante dos problemas pontuais e inesperados e ficamos em estado letárgico diante desses fatos momentosos, sem conseguir retornar ao nosso “estado natural”. 

A caixa – Após uma situação traumática, muitas vezes entramos em uma caixa mental, absortos que ficamos naqueles problemas, sem enxergar uma solução, uma fresta de luz que nos guie à superfície, à maneira de uma pessoa presa em um caixa. Nesse processo, os problemas se tornam maiores do que são e as soluções se apresentam cada vez mais distantes e impossíveis.
Esse processo de internalização no problema ocorrido leva o indivíduo à depressão, ao insulamento e até ao suicídio. Afogado nos problemas, se entrega aos vícios, reduz a sua autoestima e vive da piedade própria. A falta de aceitação do que houve, a negação e a reclamação inconteste fazem com que o indivíduo se esqueça de si e do mundo, preso em um castelo de ilusão, construído no alicerce da dor sofrida.
É preciso sair da caixa!

Tocando em frente – Nas diversas lutas da vida, é preciso seguir em frente, superar, contornar, enfrentar... Sacudir a poeira e dar a volta por cima. Mas, em que pese a simplicidade desse discurso motivacional, o desafio é bem mais complexo no plano real.
O primeiro passo para “sair da caixa” é enxergar o nosso problema com o devido afastamento, dando a ele o tamanho que merece. Conta-se uma história de Buda em que este, ao ser abordado por uma mulher que perdeu seu filho, entregou a ela sementes de mostarda, pedindo que as entregasse em uma casa na qual ninguém tivesse perdido algum ente querido, exemplificando a necessidade de olhar a dor de nosso irmão, para ver como a nossa é pequena.
Outro ponto é a presença de nossos amigos. Como amigos de fé, irmãos camaradas, devemos estar atentos para perceber no cotidiano aqueles que pela força dos problemas começam a entrar na caixa e não conseguem seguir o caminho da resiliência, retomando a vida. Nessa hora, a palavra amiga, o ouvido companheiro e o ombro reconfortante operam milagres.
Por fim, diante dos problemas, o cultivo da fé que sustenta é fundamental para o reerguimento dos que sofrem. A crença na vida futura, na justiça divina e na bondade de Deus é essencial ao bem sofrer, que permite sentir, mas também se libertar.
A resiliência não é uma virtude barata e revela a maturidade dos Espíritos e uma profunda confiança em Deus. Como a baratinha, passado o luto, é necessário voltar à luta diária, à esperança que nos impulsiona a seguir em frente.
Entretanto, a Lei é de amor e, nos momentos de bonança, devemos nos recordar daqueles que sofrem aprisionados nas caixas mentais. Eles necessitam de uma mão externa, que os auxilie a romper esse desafio, na visão de que a nossa evolução se dá no coletivo.
As dores são inevitáveis e as sentimos de formas variadas, reagindo de diversas formas, como os galhos de uma frondosa árvore diante do vento. É preciso, no entanto, voltar à nossa posição original, como galhos fortes e amadurecidos por mais uma prova vencida na longa estrada da evolução, à espera de outras ventanias, naturais, de chuvas de verão.

Marcus Vinícius de Azevedo Braga
acervobraga@gmail.com
Brasília, DF (Brasil) 

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