sábado, 19 de abril de 2014

Ponderações em torno da Fé


“O Espiritismo estabelece como princípio que, antes de crer, é preciso compreender.” – Allan Kardec[1] 

A FÉ DO PONTO DE VISTA KARDEQUIANO - Do ponto de vista kardequiano, a fé pode ser compreendida como a confiança que o ser humano tem em suas próprias forças para a realização de determinada coisa, superando os obstáculos das dificuldades, da má vontade e das resistências.
Com fé em seus objetivos nobres e no próprio potencial, o indivíduo faz-se capaz de mover “montanhas” como os “preconceitos da rotina, o interesse material, o egoísmo, a cegueira do fanatismo e as paixões orgulhosas”[2] que, ainda, procuram interpor-se ao progresso da humanidade.
A fé, segundo o estudo proposto pelo mestre Allan Kardec em O Evangelho segundo o Espiritismo, igualmente tem por significado a confiança que se tem na realização de algo, de tal modo que, pelo pensamento, se pode conceber antecipadamente a sua efetivação e os meios para tanto. Nesse caso, essa fé-confiança dá ao indivíduo tranquilidade na realização de seu tentame e favorece o êxito.
Todavia, Kardec não deixa de caracterizar a concepção de fé, à qual ele se refere como calma e geradora de paciência porque se apoia “na inteligência e na compreensão das coisas”[3], bem diferente do que ele chama de fé vacilante, aquela que se ressente de sua própria fragilidade e, motivada pelo interesse, torna-se violenta em uma tentativa irracional de suprir a força que lhe falta.  
FÉ E VIOLÊNCIA - Aliás, isso de alguma forma explica os fenômenos contemporâneos de terrorismo religioso onde, em nome de uma interpretação muito particular da doutrina do Islã, infelizes irmãos integrantes do Talibã se autorizam a explodir escolas no Paquistão[4]. Trata-se de manifesta declaração da insustentabilidade de suas convicções, mediante uma postura fundamentalista frente ao raciocínio e uma resposta obscurantista à liberdade de pensar, corolário do fim da escravidão humana de outros tempos.
Para Kardec, a fé não combina com a presunção e nem com a violência. A fé deve ser humilde porque, sendo raciocinada, compreende os seus limites e reconhece a sua fortaleza na vontade de Deus, “a inteligência suprema, causa primária de todas as coisas.”[5]
A fé presunçosa denota orgulho, imperfeição humana que produz a cegueira intelectual e moral. O orgulhoso fecha-se em si mesmo e crê-se com mais luzes que os outros. Ele cerra os ouvidos ao diálogo e às opiniões contraditórias às suas crenças, desvalorizando a oportunidade de aprender com a leitura do outro sobre as suas convicções pessoais e, quem sabe, robustecer serenamente a própria fé. 
FÉ RACIOCINADA VERSUS FÉ CEGA - Do ponto de vista teológico, segundo Kardec, a fé costuma ser concebida como a crença em dogmas especiais que constituem, desse modo, as mais diferentes religiões no mundo.
Dessa perspectiva, a fé pode ser raciocinada ou cega. A fé cega consiste naquela em que o crente não se ocupa de verificar pela lógica o objeto de sua crença que, muitas vezes, choca-se com as evidências que os fatos lhe apresentam, tanto quanto colide frontalmente com o uso da razão.
A fé cega tende a produzir fanatismo, onde cada crente teria a pretensão de que a sua religião deteria todo o conteúdo das verdades espirituais da vida. O fanatismo, por sua vez, como erro de percepção do cosmo e das Divinas Leis, tende a degenerar em intolerância e violência, como no exemplo assinalado anteriormente.
Por outro lado, a fé raciocinada mantém a liberdade de pensar como premissa de sua efetividade, ela se fortalece no raciocínio sem preconceitos e no livre-exame proporcionado pela dúvida que investiga. Nesse sentido, a fé racional não teme o progresso intelectual da coletividade, muito pelo contrário, a sua capacidade de “encarar de frente a razão, em todas as épocas da Humanidade”[6] é condição que a mantém inabalável, como ensinou o insigne codificador do Espiritismo.        
FÉ NÃO SE PRESCREVE - É de bom alvitre que recordemos que a fé não pode ser prescrita ou imposta a um indivíduo. No que tange aos valores espirituais básicos é uma aquisição pessoal amadurecida a cada reencarnação do Espírito, atualizada sob a influência de questões socioculturais, contudo, é uma questão de foro íntimo.
Por fim, entendamos que a fé, para ser raciocinada, demanda que o seu ponto de apoio se estabeleça na compreensão clara e prefeita daquilo em que se crê, ou seja, em um método de raciocínio que se sustente em um sentido lúcido e profundo para a crença, no exame rigoroso dos fatos inerentes aos princípios filosóficos da escola de fé abraçada, sem deixar margem a nenhum mistério ou superstição.
Em matéria de crença aceitemos somente o que é inteligível à razão e, caso alguém queira nos impor uma fé cega, lembremo-nos da recomendação do Mestre Jesus a dizer-nos em seu Evangelho “Deixai-os; são condutores cegos. Ora, se um cego guiar outro cego, ambos cairão na cova.”[7]


[1] Revista Espírita de Fevereiro de 1867, Livre pensamento e livre consciência.
[2]  O Evangelho segundo o Espiritismo, Cap. XIX, item 2.
[3] O Evangelho segundo o Espiritismo, Cap. XIX, item 3.
[5] O Livro dos Espíritos, questão 1.
[6] O Evangelho segundo o Espiritismo, Cap. XIX, item 7.
[7]Mateus, 15:14.

Vinícius Lima Lousada
É educador, pesquisador e editor do blog: www.saberesdoespirito.blogspot.com 
Bento Gonçalves-RS. 

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Para Deus tudo é vida!


Talvez tenha sido uma das frases mais importantes que eu já tenha ouvido, não só pelo ensino que ela traz,
mas, também, pelo momento em que foi proferida.
Havia adentrado as fileiras do Espiritismo fazia pouco mais de cinco anos. Nosso querido Hugo Gonçalves, diretor do jornal O IMORTAL, passou a confiar-me entrevistas com pessoas importantes para o movimento espírita: Heloísa Pires, Raul Teixeira, nosso saudoso Renê Pessa e outros.
Certa vez, vivendo um momento muito delicado de minha vida, onde a fé ainda acordava em meu espírito e quando me apresentava diante de uma situação em que o medo da morte assombrava meus pensamentos, fui convocado a entrevistar nosso respeitado expositor e médium baiano Divaldo Pereira Franco.
Divaldo, que já possuía uma extensa ficha de serviço para o Cristo e para o Consolador Prometido, estava acompanhado de uma comitiva de trabalhadores que sempre se reuniam a ele quando vinha aqui para o Paraná; eu, um iniciante no aprendizado do Espiritismo – isso há aproximadamente 25 anos – em uma situação muito assustadora: alguém muito próximo a mim estava entre a vida e a morte... E eu só pensava na morte. De tempos em tempos um gelo percorria meu corpo como se algo ruim fosse acontecer a qualquer momento.
Ansioso e ao mesmo tempo preocupado com a entrevista, voltei-me para o orador e disse-lhe que tinha algumas perguntas para lhe propor. Ele acenou com a cabeça, positivamente... Iniciei a entrevista, gravando naqueles gravadores de fitas cassetes antigas.
Enquanto Divaldo respondia as questões propostas, vez por outra um frio percorria meu corpo anunciando que a morte estava por perto, fazendo-me pensar naquele parente próximo.
Havia preparado sete perguntas. Quando estava na terceira, Divaldo subitamente parou de responder às questões e, tocando-me levemente o ombro, disse-me: “Meu caro amigo, para Deus tudo é vida. A morte não existe. Onde quer que estejamos, estaremos sempre vivos...”.
Senti como se uma brisa suave envolvesse meu espírito e me acalmasse. Aquela frase não só pacificaria meus tormentos naquele momento, mas pacifica-me até hoje. Onde quer que eu esteja falando sobre temas da vida e da morte sempre tenho procurado usar a frase: A vida depois da vida, e não mais a vida depois da morte.

Então, quando nos perguntamos por que Deus permite tantas tragédias em nosso mundo, tantas mortes, me recordo da frase de Divaldo, que bem representa a luz da verdade que nossa doutrina nos apresenta: “Para Deus tudo é vida”. Então, não existe morte, mas provas e expiações... Além disso, tudo é vida. 

José Antônio Vieira de Paula
depaulajoseantonio@gmail.com
Cambé, PR (Brasil) 

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