terça-feira, 23 de junho de 2015

Existem almas gêmeas? Sim e não


Um dos pontos polêmicos que existem nas obras espíritas é a questão das almas gêmeas. Kardec nega terminantemente a sua existência. Léon Denis e Emmanuel falam que as há. Sempre tive uma postura estritamente kardecista de negar também. Mas ultimamente tenho meditado no assunto e cheguei a algumas conclusões um pouco mais matizadas, que não podem se encerrar apenas no sim ou no não.
Explico-me. Não, não pode haver almas gêmeas no sentido de metades, de seres que se complementam. Isso fere um dos princípios básicos da filosofia espírita, que enxerga com muita ênfase a individualidade (não individualismo) do espírito. Aliás, esse e outros aspectos da visão espírita têm um diálogo surpreendente e fecundo com as ideias de Erich Fromm. Ele também aponta como uma necessidade evolutiva da espécie, e de cada ser humano em particular, o processo de individuação. As relações saudáveis e plenas, portanto, seriam para ele, aquelas em que duas pessoas inteiras, se amam, sem complementaridade, nem submissão, nem perda da identidade de nenhuma das duas. Nesse sentido, portanto, e talvez seja esse o que Kardec entende, não há almas gêmeas - duas metades que se procuram na eternidade e que se encontram e não podem estar uma sem a outra. Isso significaria que há uma falta a ser preenchida, uma lacuna no ser, que não pode ser inteiro, sem outro ser. De fato, essa ideia revela um aspecto de romantismo exarcebado e místico e que se distancia da racionalidade (que vem desde a Grécia e perpassa a cultura judaico-cristã - raízes em que o espiritismo se mantém). A razão anda junto com o princípio da identidade. A razão define, individua, afirma a identidade dos seres. Sócrates e Platão, que têm ideias reencarnacionistas e visão de mundo bastante espiritualista, foram os primeiros a definir o conceito do ser, aliás como alma independente do corpo. As teorias panteístas, por exemplo, são bem menos racionais e quebram com a lógica da identidade, lógica que é socrática, platônica e artistotélica. Que é cristã e que é espírita. Quando Fromm segue por essa linha, também se ancora nessa tradição. Aliás, ele revive os clássicos da filosofia. A psicologia ocidental, com todas as suas práticas terapêuticas, está igualmente radicada no princípio da singularidade de cada um.
Então, em que sentido poderíamos entender, se é que há esse sentido, a existência de almas gêmeas? Eu diria que num sentido a posteriori e não a priori. Ou seja, não há almas que foram criadas pela metade e estão à procura de sua outra metade. Mas há almas que seguiram tanto tempo juntas, em milênios de convivência, cumplicidade, amor (mesmo passando por momentos de distanciamento e conflito naturais em seres imperfeitos), que se identificam mais plenamente uma com a outra do que com outros seres amados. Intimidade, construção conjunta e até quedas e desvios e retornos em sintonia, que proporcionam uma sintonia fina, maior e mais profunda do que com outros seres também afins.
E agora outra questão: essas almas "gêmeas" no sentido amplo da palavra, tiveram relacionamentos sexuais, no sentido terreno? Podem ter tido, mas não só. Aliás, uma constante que tenho observado em reuniões mediúnicas, em que se manifesta junto a espíritos renitentes, aquela alma que é capaz de os tocar, e que geralmente foram espíritos, que já passaram por diversas condições de relacionamento nos séculos. Já foram esposos, irmãos, pai, mãe, filho, filha… de modo que o amor parece assumir todas as dimensões possíveis e ao mesmo tempo transcender o amor carnal, porque esse nível de sintonia está além do exercício da sexualidade terrena.
Outra pergunta ainda: casais que vemos no mundo são almas gêmeas? Rarissimamente, acredito. Porque se forem, têm uma sintonia muito grande. Alguém pode ser casado com alguém, com amor e compromisso, com as dificuldades naturais de uma convivência mútua e com felicidade relativa, mas a alma mais afim pode vir na forma de um filho, por exemplo, ou nem estar encarnada. 
Pode ser ainda que nem todos tenham almas gêmeas, mesmo nesse sentido amplo, porque pode ser construção de alguns espíritos, resultado de algumas experiências específicas. O universo é livre e as almas vão evoluindo no amor, através de múltiplas vivências. 
Na sociedade contemporânea, a descartabilidade das relações, a ênfase no prazer carnal e a rara busca de identificações mais profundas de alma para alma, acaba por deixar as pessoas mais solitárias e mais sedentas de um amor verdadeiro. Isso pode muitas vezes obstruir o fluxo do amor num sentido mais profundo, pode impedir que vejamos nossas almas gêmeas (aquelas que mais se identificam essencialmente conosco, porque se estamos vivendo na superfície, estamos longe de nós mesmos também) ou pode também bloquear a comunicação mental e emocional com possíveis almas gêmeas nossas que estejam em outros pontos do universo e que mandam vibratoriamente seu amor por nós.
Quanto mais vivermos com lucidez espiritual, autoconhecimento, em sintonia com nossa essência divina, mais saberemos distinguir (e portanto não querer) relações de superfície, apenas baseadas em paixões e impulsos primários, e mais saberemos encontrar a pérola de nossas almas. E se ela não estiver por aqui, poderemos ter relacionamentos também amorosos, verdadeiros e responsáveis, mas sempre teremos uma nostalgia oculta da falta de alguém.

Dora Incontri 
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sábado, 20 de junho de 2015

Artigo importante, vale refletir.


Uma falsa noção de humildade


Trago aos leitores página preciosa do estudioso Deolindo Amorim (1906 – 1984), que foi jornalista, sociólogo, publicitário e escritor, nascido na Bahia. Pelo oportunismo do texto, bem adequado aos dias que vivemos, onde muitos nos escondemos em diferentes máscaras e diante da crise moral que se abate sobre o país, sempre é bom refletir sobre essas questões. Peço ao leitor atenta leitura, embora a transcrição abaixo seja parcial:

 “(...) Muita gente pensa que ser humilde é não ter personalidade. O próprio Cristo, que foi o Cristo, o bom, o justo por excelência, não abriu mão de Suas ideias, não recuou diante das dificuldades... Se Ele não tivesse personalidade, naturalmente ficaria acomodado à situação e não teria suportado o que suportou em defesa do ideal que O iluminava. No entender de muitas pessoas, o que, aliás, está muito errado, ser humilde é dizer amém a tudo, é ficar bem com todos, ainda que tenha de sacrificar as mais fortes razões da consciência. Não foi isto o que o Cristo ensinou. Nem foi isto o que Ele praticou.
Veja-se bem que o Evangelho reprova o procedimento dos que, calculadamente, ocultam os seus pensamentos, isto é, não dizem o que pensam nem o que sentem, porque preferem agir na sombra! Tanto é certo que o Cristo valorizava a personalidade, que ele mesmo disse, e de modo direto, que a criatura deve ser quente ou fria; ninguém deve ser morno. Que significa isto? Significa ter personalidade, no mais alto sentido humano e espiritual. Ficar morno é ficar indeciso, de caso pensado, é não se definir de propósito, para tirar algum partido próximo ou remoto. Isto, porém, não é procedimento compatível com a ética cristã. Não tenho receio das pessoas que tomam atitudes francas, para um lado ou para outro; mas tenho muito cuidado com os que ficam mornos, pois foi para estes que o Cristo chamou a atenção de Seus seguidores.  
Se o Cristo disse que o nosso falar deve ser sim-sim-não-não, é claro que, com isto, reconheceu que o homem deve ter personalidade. Vejo e ouço, constantemente, citar-se o Evangelho, mas também noto que muita gente ainda não compreendeu o sentido de certas máximas fundamentais do Evangelho. Vou dar um exemplo disto: quando alguém toma atitude, porque tem personalidade, e não está conformado com isto ou aquilo, logo se diz que é um antifraternista, que é um demolidor, etc. Pouco falta para se chamar o companheiro de um herético ou pecador público, simplesmente porque é sincero, é idealista, e diz o que pensa.
É preciso que se compreenda a situação de cada um de nós, em face da responsabilidade própria. Tomar uma atitude contra qualquer coisa venha de onde vier, não quer dizer que se pretenda destruir seja o que for. É agir sinceramente, de acordo com a consciência. Já é tempo de se acabar com a suposição ou com o sofisma de que, para praticar a humildade, é necessário curvar-se a tudo ou abdicar do direito de pensar e falar abertamente. Há, entre nós, uma noção muito falsa de humildade, para encobrir muita coisa ruim.”. 

Coincidência ou não, o texto foi publicado em 1964 e parece-nos precisa ser republicado novamente, face à excessiva valorização de valores transitórios, com desprezo aos valores reais e morais, aqueles que permanecem.

Orson Peter Carrara
orsonpeter92@gmail.com
http://orsonpetercarrara.blogspot.com.br/

quarta-feira, 27 de maio de 2015

Resignação: uma virtude valiosa


Há virtudes difíceis de serem adquiridas ao longo da vida, e cujo exercício é pouco compreendido entre os homens; a resignação é uma delas. As criaturas levianas nem a veem como algo apreciável. Presas em suas ilusões, consideram a resignação apenas falta de força ou de coragem. Entendem que o homem sempre deve reagir violentamente contra qualquer circunstância que contrarie seus desejos.
A resignação geralmente se refere a experimentar uma situação sem a intenção de mudá-la. Já a aceitação não exige que a mudança seja possível ou mesmo concebível, nem necessita que a situação seja desejada ou aprovada por aqueles que a aceitam. De fato, a resignação é frequentemente aconselhada quando uma situação é tanto ruim quanto imutável, ou quando a mudança só é possível a um grande preço ou risco. Em O Evangelho segundo o Espiritismo lemos que “quando sofremos uma aflição, se procurarmos a sua causa, encontraremos sempre a nossa própria imprudência, a nossa imprevidência, ou alguma ação anterior”. Nesses casos, como se vê, temos de atribuí-la a nós mesmos, pois se a causa de uma infelicidade não depende absolutamente de nenhuma das nossas ações, trata-se de uma prova para a existência atual, ou de uma expiação de falta cometida em existência anterior.
Vemos em geral apenas o mal presente, e não as consequências vindouras e favoráveis que ele possa ter. O bem é frequentemente a consequência de um mal passageiro, como a cura de um doente resulta dos meios dolorosos que se empregam para obtê-la. Independentemente dos casos, devemos submeter-nos à vontade de Deus, suportar corajosamente as atribuições da vida, se quisermos que elas nos sejam creditadas em nossa jornada espiritual. Muitas vezes, nossos sonhos mais pretendidos não se concretizam, ou, então, nossa tranquilidade, tão duramente conquistada, é atingida por um infortúnio. Há dificuldades ou contrariedades que podemos vencer, mas algumas vezes a vida responde a nossos apelos com sombra e dor e nessas circunstâncias alguns encontram em seu íntimo forças para se resignarem.
Jesus, em sua curta passagem pela Terra, alimentou ainda mais as esperanças dos homens ao dizer: “Bem-aventurados os aflitos, porque eles serão consolados”, indicando aí o prelúdio da cura aos que sofrem com resignação. Essas palavras, segundo o Evangelho, devem ser entendidas de uma forma simples, em que nós, homens, devemos considerar-nos felizes por sofrer, porque nossas dores neste mundo decorrem de dívidas de nossas faltas passadas, e essas dores, suportadas pacientemente na Terra, nos poupam séculos de sofrimento na vida futura. Devemos, portanto, estar felizes por Deus reduzir nossa dívida, permitindo-nos quitá-la no presente, assegurando-nos a tranquilidade para o futuro.
Em face de situações constrangedoras e dolorosas, a resignação é uma atitude que apenas os bravos conseguem adotar. O resignado não é um covarde, mas alguém que compreende a finalidade da existência terrena. O homem nasce na Terra para evoluir, para vencer a si mesmo e acumular virtudes, pois a vida é uma escola, na qual passamos da ignorância e da barbárie à angelitude, e justamente por isso as dificuldades se apresentam em seu caminho.
O progresso, diz Santo Agostinho, é lei da natureza, em que todos os seres da Criação, animados e inanimados, foram submetidos pela bondade de Deus, que quer que tudo se engrandeça e prospere. A própria destruição, que aos homens parece o termo final de todas as coisas, é apenas um meio de se chegar, pela transformação, a um estado mais perfeito, visto que tudo morre para renascer e nada sofre o aniquilamento. Já nascemos inúmeras vezes e renascemos outras tantas. Somente na vida futura podem efetivar-se as compensações que Jesus promete aos aflitos da Terra. Se a vida nos reclama serenidade em face da dor, concordemos. A rebeldia de nada nos adiantará, pois a criatura rebelde perante as Leis Divinas apenas torna seu aprendizado mais lento e doloroso. Resignar-se não significa desistir da luta, porém implica reconhecer que a luta interiorizou-se. A resignação é uma conquista do Espírito que vence suas paixões e atinge a maturidade, mantendo a alegria e o otimismo, mesmo em condições adversas.
Joanna de Ângelis, no livro “Convites da Vida”, diz que “se estiveres sob o jugo de dores e padecimentos, ingratidões e perseguições injustos, serão injustos somente na aparência, pois que procedem do teu ontem, em regime de cobrança, para melhor estabilidade do teu amanhã. Submete-te, portanto, paciente, resignadamente, às situações atuais e, insistindo nos bons propósitos, construirás o porvir de bênçãos que agora ainda não podes fruir”.
Devemos, pois, ser conscientes de nosso papel de aprendizes e dedicar-nos a fazer a lição do momento. Vivemos em um mundo de provas e expiações. Nele a dor reina soberana, em virtude de o mal ainda sobrepujar o bem. Embora conscientes dessa inegável condição, é nosso dever lutar contra a adversidade, pois sofrer sem reagir aos males da vida seria uma covardia. Léon Denis diz, no livro “Depois da Morte”, que a adversidade é uma grande escola, um campo fértil em transformações. A ignorância das leis universais é que nos faz ter aversão aos nossos males. Se compreendêssemos quanto esses males são necessários ao nosso adiantamento, eles não mais nos pareceriam um fardo.
Em nossa cegueira, estamos quase sempre prontos a amaldiçoar as nossas vidas. Mas, quando formos capazes de discernir o verdadeiro motivo de nossas existências, compreenderemos que todas elas são preciosas. A dor é capaz de abrandar o nosso coração, avivando os fogos da nossa alma. É o cinzel que lhe dá proporções harmônicas, que lhe apura os contornos e a faz resplandecer em sua perfeita beleza. Quem se resigna enobrece lentamente seu íntimo, ao desenvolver novos propósitos de vida. 

Marcel Bataglia
Balneário Camboriú, SC (Brasil)

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quinta-feira, 21 de maio de 2015

A semente do homem de bem


Certa feita, em uma reunião de início de ano de um trabalho assistencial que contava com quase trinta anos, determinado dirigente, que labuta desde o início naquela seara, comentou em tom avaliativo que o trabalho de evangelização infantil rendera frutos naquele longo período, pois entre outros sinais, verificava-se que os meninos que frequentavam aquela casa espírita, incrustada em uma comunidade carente, repleto de tensões e pressões, não tinham bandeando para o caminho da criminalidade. 
Difícil avaliarmos os frutos dos trabalhos espíritas nas plagas assistenciais, com pessoas que se abeiram ali muitas vezes à busca apenas da cesta básica que será pega em outra denominação no dia seguinte... Difícil, pois temos carência de material didático voltado a pessoas de baixa escolaridade e de produção literária que nos ampare a lidar com famílias em condições de vulnerabilidade, às vezes refletidas em desagregações familiares com o alcoolismo e outros problemas comuns a comunidades carentes, em especial na cidade do Rio de Janeiro, e suas mazelas já conhecidas. 
Ainda que muito frequente na prática, os trabalhos assistenciais não gozam de uma discussão robusta e de produção que os permitam avançar sobre os paradigmas vigentes, com raras e valorosas colaborações que surgem por aí... Essa falta de discussão, por vezes, nos leva ao desânimo e à valorização do “bem quantitativo”, refletido na soma de benefícios distribuídos, de forma descontextualizada, social e espiritualmente. 
A evangelização infantil, comum em trabalhos de natureza assistencial, necessita de uma discussão profunda sobre currículo, pressupostos, abordagens e visões pedagógicas que percebam ali, em sala de aula, Espíritos, em verdade imersos em um ambiente de carência material, mas Espíritos sequiosos de conhecimento que os console, liberte e ampare. 
Nesse contexto, temos, sim, objetivos programáticos de melhoria a um longuíssimo prazo daquele grupo humano, ainda que nos vejamos, ocasionalmente, frustrados pelas forças presentes na capacidade de perpetuação de hábitos tristes, como a gravidez precoce, constantes a cada geração, em um ciclo de difícil rompimento. Mas a feliz fala desse amigo dirigente nos aponta para interessantes indicadores de nossos trabalhos espíritas no campo da infância, na percepção da importância de plantarmos as sementes do homem de bem, em qualquer espaço, seja ele carente ou não no campo material. E o homem de bem se fará percebido no futuro! 
Jesus na parábola do semeador fala que um homem saiu a semear, a espalhar sementes por diversos terrenos, que, diante das diversidades, buscavam crescer. Todas falharam, mas a que “caiu em boa terra, deu boa colheita, a cem, sessenta e trinta por um”, indicando-nos uma profunda reflexão que pode nos servir ao direcionamento das finalidades de nossos trabalhos assistenciais. Uma reflexão do nosso papel de semeadores e do crescimento no ato de semear. 
Amparamos aquelas famílias materialmente pela bolsa, pelo material escolar, pelas roupas... Buscamos instrumentalizá-las a caminhar sozinhas pelas oficinas, que possam com dignidade permitir a elas ganhar algum dinheirinho... Apoiamos as suas iniciativas no campo escolar, pretendendo que a nova geração transcenda a miséria material da anterior. As abordagens assistenciais clássicas aqui estampadas cuidam do emergencial, da impossibilidade de se falar de Jesus para quem tem fome, mas necessitam de um complemento, de um pão mais sublime, que emancipe espiritualmente aquelas pessoas, na reflexão de sua condição de Espíritos encarnados, na chamada resignação produtiva, que converte dor em amor. 
Insta desenvolver, com igual força, as nossas atividades doutrinárias nos trabalhos assistenciais, a evangelização, a palestra, o estudo, que para além de um caráter proselitista e catequizador, visem, por meio dessa interação, diria “filosófica", trabalhar valores morais, pela ótica da imortalidade da alma e da reencarnação, levando aos chamados, erroneamente a meu ver de assistidos, uma reflexão que os permitam adotar disposições renovadas, diante das provas da carência material e dos desafios morais da vida encarnada. 
A atividade de discussão, de interação intelectual-moral na área assistencial, tem um caráter emancipador, que liberta aqueles Espíritos de armadilhas morais, indicando o caminho do estudo, do trabalho e do esforço na superação de suas dificuldades e apontando que a dor é uma mola para despertar o nosso amor. E nessa construção, nós, ditos trabalhadores, amadurecemos, pois a falação bonita e vazia não encontra eco diante dessas dores, nos fazendo amadurecer na vivência do Cristo. 
A parte boa do trabalho atinge a todos os atores, como oportunidade bendita de amadurecimento e reflexão, representando muito mais do que ir lá ensinar o evangelho para as pessoas pobres. O pão material que dá o peixe, a oficina que dá a vara e ensina a pescar são polos fundamentais da equação da assistência... Entretanto, a discussão doutrinária, o fortalecimento filosófico, lastreado pelos pilares da doutrina espírita, traz a reflexão que faz a pessoa entender o peixe, a vara, o rio e os seus braços, convertendo todos em pescadores de almas, como disse Jesus. Não queremos fazer daquelas pessoas espíritas no sentido de que elas leiam avidamente as obras básicas e tenham um conhecimento formal. Necessitamos de uma abordagem pedagógica que mostre esse conhecimento espírita na prática, no mundo concreto, sentido, como forma de espalhar as sementes em cada coração, tornando-os sim, eles e nós, pessoas melhores, fim maior. 
Essa abordagem robustece a bolsa e a oficina, contribuindo para um caráter consolador, diante da dor, é verdade, mas também de superação, fazendo que a pessoa venha à busca do alimento e saia com a sua alma revigorada, com novos horizontes. Para isso, precisamos nos adaptar... Nossas palestras, nossos estudos, nossos currículos, para que vejam nesse contexto a melhor forma de passar o Espiritismo e todo seu valor transformador de atitudes, em sua expressão mais simples, nesses trabalhos, em especial na infância. 
A reencarnação liberta, pois mostra a nossa situação como transitória e que pode mudar pelo esforço cotidiano, na busca de construir o homem de bem naquele espírito imortal que hoje enverga uma roupagem de carência. O livre-arbítrio, a prática de bem são valores espíritas que possibilitam construir uma vida melhor, em um sentido amplo. Tesouros morais que podem e devem colaborar na superação de situações de carência material, fortalecendo aqueles Espíritos na sua prova, buscando a senda do bem. 
Fica a reflexão para os que trabalham na seara espírita na evangelização de crianças que padecem de miséria material e que por esta são influenciadas, sim, no aspecto moral, podendo essa dor servir de trampolim que as impulsione ou de buraco que as afunde. Para além do peixe que mata a fome, demandamos ouvir o convite de Jesus no chamado milagre dos peixes, para falar de pães e peixes que se multiplicam e aplacam a fome do espírito. 

Marcus Vinícius de Azevedo Braga
acervobraga@gmail.com
Rio de Janeiro, RJ (Brasil) 

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