sábado, 7 de junho de 2014

Tempestades em família


Um antigo ditado diz que quando um não quer dois não brigam. Se é fácil entender o significado desse conselho, seu exercício na prática já não se mostra do mesmo modo. Temos observado explosões de cólera desfechadas por um ou ambos os cônjuges, a partir de situações verdadeiramente irrelevantes. Comprovamos, igualmente, a presença de entes invisíveis atiçando o fogo a manifestar-se em labaredas formidáveis, de difícil extinção. Indagamos, então: onde a felicidade conjugal?
Deparamos, noutro dia, com um aconselhamento tão simples quanto embasado em experiência de quem originou: “Se você for solteiro e deseja casar para ser feliz, não case, permaneça solteiro; se você for solteiro e pensa em casar parafazer alguém feliz, então case e você será feliz”.
Fácil deduzir, a partir dessa premissa, a importância da renúncia na obtenção da felicidade por parte de qualquer um, quando coloca o outro no centro de suas cogitações e não poupa esforços em proporcionar-lhe pequenas e constantes satisfações. Nesse clima, difícil a intromissão de seres indesejáveis.
Para o espírita, vale considerar outra questão: é na família que travamos as maiores batalhas: lá encontramos amigos e inimigos do passado, que ressurgem com simpatias e antipatias, proporcionando-nos paz ou desassossego, ensejando estes últimos a ativação de nosso potencial de amor e compreensão, tolerância e perdão, estreitando laços que serão outras tantas asas a nos elevar no espaço imensurável da própria alma.
Sabemos da dificuldade de alguém se revestir da blindagem necessária contra quem tem o hábito mórbido de remoer coisas desagradáveis do passado ou tocar com estilete algum ponto que machuca. O resultado é quase sempre a devolução virulenta à provocação. Costuma-se dizer que não se apaga fogo com gasolina. Quem fere, quem provoca, quem inicia uma discussão deve ser levado à conta de necessitado de paciência e tolerância. O silêncio, em tais casos, é antídoto comprovadamente eficaz.
Presenciou, certa vez, um médium vidente, duas sombras que se punham junto a cada cônjuge, estimulando a contenda. Lembrava jogo de pingue-pongue, onde as ofensas deslizavam céleres de parte a parte, para alegria de um cortejo de outras sombras, que exultavam pelo desfecho que esperavam.
O “orai e vigiai” ainda é a recomendação atualizada de nosso Mestre Jesus. A prece emite ondas de paz a espraiar-se no lar, partindo de quem mantém sintonia com as forças do Bem. 

Everaldo Ferraro
everaldoferraro@gmail.com
Niterói, RJ (Brasil) 

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quinta-feira, 5 de junho de 2014

Graça, mérito e outros assuntos afetos ao Amor Divino


Por conta da conclusão do ensino médio de pessoa próxima, compareci a um culto ecumênico, no qual, na fala de diversos segmentos religiosos representados, destacou-se uma que tratou da temática da graça, como caminho de salvação e de redenção da criatura humana, a despeito de sua conduta ou dos conceitos mais elementares de justiça.
Defendeu o companheiro, em um discurso conhecido de outras plenárias e atores, a visão de uma salvação que viria pela fé, independente das suas obras. Fé em um conceito difuso, que mistura um sentimento íntimo e de superação com uma crença específica em determinada entidade, no caso Jesus. Uma dita salvação dos filhos de Deus que nega aspectos geográficos e históricos, distribuindo bênçãos de forma segregadora e não universalizante.
De Lutero às indulgências da Idade Média, essas ideias e discussões são antigas, imbricadas nos velhos jogos entre a religião e o poder formal. Surgem às vezes travestidas com roupagens do novo, perambulando por aí, nos discursos, nas ideias sedutoras de sermos salvos por uma opção momentânea, ignorando a grandeza do que pensamos ser uma vida eterna. Causa-nos espanto, mas são posturas concretas e que se materializam em situações tragicômicas do bom ser tomado pelo mau, na desconsideração da sentença cristã que se reconhece a árvore pelos frutos.
Instigante discussão esta, que pode aplacar consciências ao justificar os atos mais reprováveis, dissociando, de forma lamentável, a ação, a intenção do Espírito encarnado e o seu destino futuro, subordinando essa vinculação a crenças determinadas, ao humor divino, em um movimento que fortalece os sectarismos, as lutas e as politicagens que pululam na história das religiões.
Dependeríamos, nessa ótica, da graça, como um bem imerecido, um dom gratuito que Deus concede à humanidade, motivado pela sua misericórdia, em situações que, apesar de parecerem sem lógica, são regidas por regras implícitas, como a fé ou a adoção de determinados ritos, que fariam esse Deus sorrir para nós.
Aí, surge o “pulo do gato” de Kardec e dos Espíritos da codificação. A proposta espírita é diferente! É uma proposta que conjuga a ideia de mérito e a de misericórdia. Alia justiça com amor...
Mérito na Lei de Ação e Reação, na necessidade de reparação do ato que prejudica o próximo pelo próprio autor, na colheita livre, mas que tem a semeadura obrigatória, na Lei de “causa e efeito”, na qual erramos e aprendemos. Segundo Emmanuel, “Jesus a ninguém prometeu direitos sem deveres(1)”. Ideias estampadas nas próprias obras espíritas, nos romances e narrativas do plano espiritual, e que elevam a ideia de justiça a outro patamar. 
O mérito é pedagógico, permite ao Espírito aprender e crescer, com erros e acertos, tornando factível o conceito da vida eterna. Não importa nesse sentido o punir e sim o crescimento, a luta, na justa interrogação de “O Livro dos Espíritos”: “Onde estaria o merecimento sem a luta?(2)”.
Entretanto, Deus é amor e assim também é a sua Lei... O que seria de nós sem a misericórdia divina? É necessário compreender a fragilidade da criatura humana, e a sua luta para superar seus desafios diariamente. A obra evangélica transmite essa compaixão em várias passagens, nas quais Jesus mostrou que conhece bem a natureza do Espírito encarnado, suas fraquezas e possibilidades.
A palavra misericórdia vem da fusão das palavras miserere (ter compaixão), e cordis (coração), ou seja, um novo olhar da realidade com amor no coração. “A misericórdia é o complemento da mansuetude (...). Ela consiste no esquecimento e no perdão das ofensas(3).” Amor com equilíbrio, pois o perdão das ofensas não implica em abandonar o conceito de justiça e a ideia de que o Espírito necessita aprender para crescer.
O psicólogo Erich Fromm tratou bem da questão dessas duas grandezas, quando se referiu ao equilíbrio entre o princípio paternal e maternal, representado o segundo pelo amor incondicional, sem recompensas, e o primeiro pelo amor em razão dos próprios méritos(4). Deus tem os dois princípios em harmonia. Ama seus filhos incondicionalmente, mas exige deles compromissos com o seu crescimento espiritual, na medida de suas capacidades. Esses princípios permeiam toda a evolução da humanidade!
A graça, por esse prisma, seria fruto de um Deus carente, sequioso de servidores para adorá-lo, como eram os deuses da antiguidade que inspiraram alguns desses paradigmas. Voltamos aos deuses antropomórficos! Essa visão teológica tornaria valores, como respeito ao próximo, trabalho e justiça, sem sentido. O mundo seria um paraíso da inação, com todos à espera dessa graça, como ocorreu concretamente na Idade Média, em espetáculos de hipocrisia e de miséria moral.
 Não se trata só de uma questão de justiça, de punir, e sim uma questão de pedagogia, de evolução, de crescimento e aprimoramento, como necessidades intrínsecas do Espírito. Que graça teria sermos criados apenas para acolher um caminho que muitos não têm acesso, para sermos salvos de um pecado que não cometemos, por circunstâncias ao bel-prazer da divindade?
Assim, no paradigma espírita, para todos é possível crescer, nas diversas roupagens reencarnatórias, e esvaziam-se instrumentos de poder e caminhos exclusivistas, pois a justiça e o mérito se fazem para cada um, mas têm como fiel da sua balança o amor, a misericórdia divina que, com seus múltiplos acréscimos, nos conduz diante das provas duras da existência, para a cada dia recomeçar.
O Espiritismo, como se propõe a ser uma doutrina libertadora, de amadurecimento e evolução de Espíritos, nos aponta o crescimento espiritual pela construção de nosso caminho, com os outros, convivendo e vivendo, amando e sendo amado, errando e tentando acertar, mas sob o olhar de um Pai amoroso, que vela por nós, ajudado por outros Espíritos como nós.
 

[1] Caminho Espírita - Psicografia de Francisco Cândido Xavier. Espíritos Diversos.
[2] O Livro dos Espíritos, Pergunta 119.
[3] O Evangelho segundo o Espiritismo.
[4] A Arte de Amar. Erich Fromm. Editora Martins Fontes. 


Marcus Vinicius de Azevedo Braga
acervobraga@gmail.com
Rio de Janeiro, RJ (Brasil)

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sexta-feira, 23 de maio de 2014

As ressurreições são dos Espíritos e não dos Corpos


A crença tradicional da ressurreição do corpo ou da carne entusiasma as pessoas simples e de baixa escolaridade, mas enfraquece a das de melhor instrução.
É necessário que os líderes religiosos valorizem mais os seus rebanhos de fiéis, pois eles não são rebanhos de quadrúpedes! Enganam-se esses líderes religiosos, às vezes, não muito sinceros, pois o povo, hoje, está cada vez mais sabedor das coisas. Daí que muitas igrejas ou templos estão bem vazios e com saídas constantes de fiéis buscando outras “verdades” em outras igrejas.
Muitos cristãos creem pouco nas suas doutrinas, que ficam fracas para manterem-nos no caminho do bem. É o que acontece no Brasil, a maior nação católica do mundo, mas que é um país de muita corrupção política, com muitos roubos e assassinatos. É mesmo um país sem lei! Falta aqui o verdadeiro cristianismo, que está nos evangelhos e não nas doutrinas, às vezes, fantasiosas, criadas pelos teólogos antigos e sustentadas pelos que vieram depois deles e até pelos de hoje. É triste dizer isso, mas o digo justamente porque é verdade!  
A ressurreição do próprio corpo físico dá um impacto muito grande, no sentido de que é um fato miraculoso ou sobrenatural. E isso é um prato cheio para a confirmação da existência do milagre, que tradicionalmente é tido como sendo causado pela interferência direta de Deus, o que não é bem verdade. E as próprias igrejas cristãs definem o milagre como sendo um fato para o qual a Ciência não tem explicação. Então, se pensarmos bem, o milagre é fruto da ignorância, pois só existe enquanto não haja uma explicação para ele. Acontece que a Ciência, cada vez mais avançada, vai explicando as causas desses fenômenos tidos como miraculosos. E nisso, a Ciência Espírita é pioneira, pois ela é uma religião científica. Assim, por exemplo, o fenômeno tido como milagroso e chamado pela Igreja de bilocação (presença de um indivíduo em dois locais diferentes ao mesmo tempo), hoje, é explicado pela Parapsicologia e pela Doutrina Espírita como sendo causado pelo dom espiritual ou mediúnico da pessoa, que pode ser até ateia. E seu novo nome dado por Kardec e a Parapsicologia é desdobramento.  E assim, um fato que, por superstição, no passado era tido como sobrenatural, na verdade é um fato natural.
Do que acabamos de ver, podemos até concluir que os ateus não creem em milagres, mas creem nos fenômenos mediúnicos. Que reviravolta! 
Existe uma doutrina de que Jesus ressuscitou ou subiu aos céus pelo seu próprio poder e que, com isso, Ele é também Deus. Duas inverdades juntas, pois vejamos o que ensina o apóstolo Paulo: “Deus ressuscitou ao Senhor e também nos ressuscitará a nós pelo seu poder.” (1 Coríntios 6: 14).“Semeia-se corpo natural, ressuscita corpo espiritual. Se há corpo natural, há também corpo espiritual.” (1 Coríntios 15: 44). “Carne e sangue não podem herdar o reino dos céus.” (1 Coríntios 15: 50). Por acaso os santos da Igreja e os espíritos angélicos puros dos espíritas vão ter corpos lá no mundo espiritual?
Realmente, as ressurreições, inclusive a de Jesus, são dos espíritos e não dos corpos. Aliás, no mundo espiritual não há lugar para a matéria densa do nosso mundo físico, caso contrário, ele não seria espiritual!

José Reis Chaves
Escritor, prof. de português pela PUC-Minas, jornalista, biblista,  teósofo, pesquisador de parapsicologia e do Espiritismo na Bíblia,  radialista, palestrante no Brasil e exterior, estudou para padre  Redentorista.
Tel/Fax  (31) 3373-6870. 

Obs.: Esta coluna é de José Reis Chaves, às segundas-feiras, no diário de Belo Horizonte, O TEMPO, pode ser lida também no site www.otempo.com.br - Clicar “TODAS AS COLUNAS”. Podem ser feitos comentários abaixo da coluna. Ela está liberada para publicações. Meus livros: “A Face Oculta das Religiões”, Ed. EBM (SP), “O Espiritismo Segundo a Bíblia”, Editora e Distribuidora de Livros Espíritas Chico Xavier, Santa Luzia (MG), “A Reencarnação na Bíblia e na Ciência”
Ed. EBM (SP) e “A Bíblia e o Espiritismo”, Ed. Espaço Literarium, Belo Horizonte (MG) – www.literarium.com.br - e meu e-mail: jreischaves@gmail.com - Os livros de José Reis Chaves podem ser adquiridos também pelo e-mail: contato@editorachicoxavier.com.br e o telefone: 0800-283-7147.

Na TV Mundo Maior, também pelo www.tvmundomaior.com.br, o “Presença Espírita na Bíblia”, com Celina Sobral e este colunista, às 20h das quintas, e às 23h dos domingos. Perguntas e sugestões: presenca@tvmundomaior.com.br E, na Rede TV, o “Transição”, aos domingos, às 16h15.
“O Evangelho Segundo o Espiritismo”, de Kardec, pela Ed. Chico Xavier. www.editorachicoxavier.com.br (31) 3636-7147 - 0800-283-7147, com tradução deste colunista.
Recomendo “O Despertar da Consciência – do Átomo ao Anjo”, de Sebastião Camargo. www.sebastiaocamargo.com.br, www.odespertardaconsciencia.com.br e www.editorachicoxavier.com.br

Seicho-No-Ie, “Seminário da Luz”, em 8-6-2014. Orientadora: Preletora da Sede Internacional, Marie Murakami. Local: Chevrolet Hall, Av. Nossa Senhora do Carmo, 230, Savassi, das 10h00 às 16h30. Contato: (31) 3411-7411.
    
Notícias do Movimento Espírita: : http://ismaelgobbo.blogspot.com.

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domingo, 18 de maio de 2014

Culpa e perdão a si mesmo


Entrevistei a psicóloga clínica Cláudia Gelernter, de Vinhedo-SP, sobre a severidade do remorso, uma das causas das angústias humanas. A entrevista, na íntegra, ainda está inédita, mas seleciono trechos de duas das respostas:  

7 - Que caso marcante gostaria de transmitir aos leitores?

Certa vez, uma avó me procurou, sofrendo a perda de sua netinha, que desencarnou na piscina de sua casa, então com dois anos de idade. O caso já era grave por si só, mas ainda mais complexo porque foi ela quem esqueceu o portão da grade de proteção da área da piscina aberto. Como aliviar aquela dor? Palavras raramente fazem algum sentido nestes casos, então foi preciso permitir que a dor viesse com toda a sua intensidade a fim de aliviar o represamento da angustia daquela pobre senhora. Depois, sentindo-se amparada, acolhida, pôde falar sobre o seu remorso, sobre a vontade de se auto punir, pelo erro cometido. Já não conseguia mais dormir, não queria se alimentar e pensava em suicídio, constantemente. Fizemos diversos testes de realidade, a fim de demonstrarmos, em conjunto, que o ato não fora intencional, mas que aconteceu por esquecimento. Outro teste servia para resgatarmos a questão de sua vontade, pois autopunir-se não traria a neta de volta ao convívio familiar. Depois de alguns meses, já melhor em seus sintomas, surgiu um presente que jamais esquecerei. Uma daquelas dádivas que Deus nos permite experimentar, a fim de mostrar sua Misericórdia infinita para conosco. Ela conseguiu receber uma mensagem psicografada em Uberaba, com 47 páginas, na qual a menina contava que ela não tivera culpa alguma neste caso, pois estava previsto o desencarne e que a neta nada sentira ao cair na água, pois sua alma “saltou” para o colo de Maria Dolores, enquanto que o corpo se jogara na piscina, já sem vida. Recordo-me que a carta continha dados confiáveis, que só ela e poucos parentes conheciam, como, por exemplo, o nome de uma tia que desencarnou muitos anos antes e que estava ajudando a cuidar dela, no Mundo Espiritual. Surgiu, então, uma nova vida para aquela senhora, com um novo sol a brilhar, mais forte e iluminado ainda: estava provado para ela tanto a questão da imortalidade da alma como a possibilidade de um reencontro, no tempo certo.

8 - Como podemos ajudar alguém em gradativo processo de autopunição por remorsos ou sentimento de culpa?

Escutando a dor do nosso próximo, amorosamente, sem julgamentos nem distrações. Doando nosso tempo, nossa alma, nossas preces em seu favor. E, acima de tudo, demonstrando que estar no mundo engloba erros e acertos, dores e alegrias, tropeços e reerguimentos. Se desejamos mudar o que fizemos, é imperioso saber que não o conseguiremos pelas vias do remorso, mas através do amor que passarmos a irradiar no mundo.
Agora, nem sempre as pessoas possuem as ferramentas necessárias para darem conta desta difícil demanda. Recordemos que muitos pais encucam em seus filhos o remorso como estratégia [equivocada] de educação. Entendamos as diferenças entre todos e sigamos apoiando os que sofrem, em qualquer situação, inclusive aqueles que se encontram presos nas difíceis redes da autopunição. (...).

Orson Peter Carrara 

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