Diante do guichê do Departamento de Trânsito, a Professora
Universitária, a frente de volumosa fila, chama pelo gerente aos berros,
indagando-o se sabe o preposto ser ela uma famosa pesquisadora, com muitos
livros escritos, e que não pode perder ali seu precioso tempo.
Na delegacia, diante de um acidente com vítima não fatais,
militar de alta patente clama por tratamento diferenciado frente a suas
prerrogativas, no famoso “fiz por merecer”, em relação ao entregador de pizza
envolvido na contenda.
Alto funcionário público, diante do posto de devoluções de
um supermercado, invoca o gerente no famoso “você sabe com quem está falando?”
e a discussão por pouco não termina em uma voz de prisão.
Abonado empresário, saindo de luxuoso shopping center,
tromba em funcionário do estabelecimento e em fúria desmedida, ameaça buscar a
supervisão para pedir a sua demissão, exalando sobre o funcionário impropérios.
Exemplos fictícios, muitas vezes ocultos, mas que se
materializam com diversos atores nas páginas de jornais e nos comentários de
corredor. Revelam uma cultura de hierarquias, de privilégios, de exceções e de
tantas outras práticas que esquecem a transitoriedade da vida, em uma verdade
que a reencarnação vem trazer a nós espíritas, de forma límpida e inconteste.
Invocamos exceções e submissões por conta de cargos e
posses, movidos por sentimentos de insegurança e de orgulho, que nos fazem
temer pela injustiça e pensar-nos com mais direitos que os outros,
respectivamente, em uma lógica de grosserias, desrespeitos e opressão,
esquecidas as muitas voltas na roda gigante da vida. O medo, nosso velho
inimigo, nos faz reagir agressivamente…O orgulho, nosso companheiro de todas as
horas, nos traz um sentimento de superioridade, a alimentar nossa insegurança.
Aí está a raiz dessas atitudes.
Seres interdependentes, gregários, sociais, dependemos de
nosso próximo. E mais, pela ótica cristã, temos o dever de amá-lo como a nós
mesmos. Para além de uma discussão democrática, de cidadania, falamos de uma
discussão de amor, de cristandade, na percepção, humilde e realista, da nossa
vida social, seus inúmeros percalços e de que devemos contribuir para uma vida
com urbanidade e não atribular a existência dos que nos cercam.
E isso vale para toda ordem de destaque e evidência, considerando,
obviamente, que no movimento espírita não estamos livres dessas questões,
diante do médium, do palestrante e do dirigente, transladando essa cultura
patrimonialista, de personalismo, para a nossa prática religiosa, com
hierarquias e endeusamentos.
Os diversos papeis que desempenhamos na vida terrena são
provas, experiências de aprendizado, nos quais importam as nossas entregas, e a
maneira que fazemo-las. Não valemos pelo que somos…Somos o que nós fazemos, e
como fazemos, e nos importa o que isso reverte para um mundo melhor, e
consequentemente, um espírito melhor. Lembrando de Kardec, não nos basta sermos
bons e sim, fazer o bem!
André Luiz, na Obra Sinal Verde, falando das profissões,
indica que “O essencial em seu êxito não é tanto aquilo que você distribui e
sim a maneira pela qual você se decide a servir”, apontando a importância do
que fazemos e do como isso se dá. Essa é a medida de Deus sobre nós….
Da mesma forma, o Livro dos Espíritos, na Pergunta 804, no
estudo da Lei de Igualdade, aponta que “(…) O que um não faz, fá-lo outro.
Assim é que cada qual tem seu papel útil a desempenhar(…)”, valorizando essa
interdependência, na qual cada um tem a sua devida importância e merece
respeito, na vida comum.
A despeito de todo sacrifício, justo e merecido, para
galgarmos uma posição profissional, a doutrina espírita nos lembra que ali
estamos para produzir o melhor, com as ferramentas que aquela posição nos
oferta e que, aquela oportunidade de hoje contou com a colaboração de inúmeras
pessoas, encarnadas e desencarnadas.
Faz-se necessário refletirmos essa nossa prática de
alimentarmos modernas realezas individuais, entendendo que os cargos, as
posses, as hierarquias, todos esses aspectos são ferramentas a viabilizar
nossas entregas, no privilégio de ser útil, de servir ao próximo, fortalecendo
a nossa melhoria como espíritos, na dinâmica da vida terrena, como espaço de
aprendizado. Finda essa reencarnação, retornamos ao pó comum, como corpo, e a
pátria espiritual, como espírito, carregando na nossa bagagem espiritual a
grandeza de nossas atitudes.
Marcus Vinicius de Azevedo Braga
Residindo atualmente na cidade do Rio de Janeiro, espírita
desde 1990, atua no movimento espírita na evangelização infantil, sendo também
expositor. Vinculado a Casa Espírita Amazonas Hércules (www.ceah.org.br). É
colaborador assíduo do jornal Correio Espírita (RJ) e da revista eletrônica O
Consolador (Paraná). É autor do livro Alegria de Servir (2001), publicado pela
Federação Espírita Brasileira (FEB) e do Livro "Você sabe quem viu Jesus
nascer" (2013), editado pela Editora Virtual O Consolador.
Imagem ilustrativa
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