De todas as certezas que podemos
ter na vida, a morte é a mais certa delas. Inevitável... chega a qualquer hora
e em qualquer lugar, atingindo, sem pedir licença homens, mulheres, crianças,
idosos, seres vivos em geral, de qualquer idade, crença ou classe social.
O curioso, é que mesmo sabendo
ser este o destino de tudo o que é vivo, fazemos de conta que ela não existe e
que jamais irá nos atingir. Educamo-nos para a vida, mas não o fazemos para a
morte, para sua aceitação quando chegar a nossa vez ou a do outro.
Os motivos que nos levam a cruzar
o além são muitos e impostos pela forma como vivemos. Se negligentes ao
atravessar uma rua, certamente seremos atropelados; se somos hipocondríacos,
poderemos partir por uma intoxicação provocada pelo excesso de medicamentos; se
alcoólatra, partiremos por doenças que acometerão o sistema biológico como a
cirrose e assim por diante, sem esquecer a transposição pelo suicídio.
Chegaremos ao plano espiritual e
seremos amparados de modo mais ágil ou não de acordo com nossas conquistas e
nosso estado mental ditará o local onde habitaremos. Daí advém a necessidade da
educação para a morte, que implica em mudanças de atitudes e comportamentos
diante da vida.
Se morrer não é o fim, então
porque morremos de medo de morrer? A pergunta é redundante, porém necessária, e
a resposta óbvia, morrermos de medo de morrer porque não sabemos o que é a
morte e porque não nos adestramos para morrer. E a assertiva é real inclusive
para o meio espírita, que como justificativa para a falta de educação para a
morte, dizem que não sabem o que encontrarão do outro lado...
Muitos morrem, poucos desencarnam,
pois morrer é ter as sensações vitais paralisadas, mas ter o espírito em agonia
pelo passamento. Desencarnar é agradecer pelo corpo que serviu de abrigo ao
espírito em sua trajetória evolutiva e seguir sem apego àquilo que já não tem
mais funções a desempenhar. É partir livre na certeza de que a vida permanece
ativa.
O historiador Philippe Ariès,
pesquisou durante muito tempo o comportamento do homem diante da morte e mostra
que a forma como a encaramos é algo novo. As mudanças, do período medieval ao
atual foram lentas e muitas vezes não percebidas.
Na Idade Média, a morte era um
evento público que ao ser pressentida fazia com que as pessoas se recolhessem
com seus amigos e parentes para dar cumprimento ao ritual de pedir perdão pelas
faltas e transcrever o testamento onde era expresso todos os desejos inclusive
o de salvação da alma, descrevendo a forma como gostaria que fosse o velório e
o sepultamento bem como declarando os valores que seriam empregados para o
pagamento das missas em favor da própria alma e de outros que fossem lembrados.
A prática era enterrar em local
considerado sagrado, como nas igrejas para os que podiam pagar ou próximo a ela
para os indigentes. Mortos e vivos conviviam pacificamente até que os valores
começaram a mudar e o hábito de se fazer festas e feiras nos adros das igrejas
desapareceu por ter se tornado um incomodo conviver com os falecidos.
Na Idade Moderna europeia
mantiveram-se os mesmos costumes, porém a visão sobre a morte mudou e esta
passou a ser vista como algo que tirava um ente querido. Era uma transgressão
aos sentimentos, a morte de si mesmo deixa de ser temida e passa-se a recear a
morte do outro.
Para evitar o contágio com os
miasmas pestilentos da morte, surgiram os cemitérios e a família passou a ser o
foco das atenções com a adoção do luto eterno como demonstração de respeito e
de profundo sentimento pela “perda”.
Por temer a falta do outro e a
fim de evitar sofrimentos, no período Contemporâneo o estado de saúde do
moribundo passou a ser escondido deste, ele não devia saber que estava prestes
a cruzar a fronteira com o além, porém a intenção era varrer a morte da
sociedade.
A partir da década de 30 do
século XX, não mais se morre em casa e cercado de amigos e parentes, mas em
hospitais e de forma solitária. Para Norbert Elias, esta forma de morrer é
reflexo da forma como se vive nas sociedades modernas, solitariamente.
Os avanços da ciência médica
passaram a permitir o prolongamento ou não da vida, o luto também perdeu o
sentido e o pensamento de que morte chegará sempre para o outro, como dito
anteriormente, permanece vivo bem como o sentimento de que somos os únicos a sofrer
quando chega a termo a vida física de um ente querido.
Nesse percurso histórico, a morte
foi encarada como a ida para o nada e no mesmo período surge o Espiritismo
colocando por terra os dogmas explicando que para salvar-se é preciso praticar
a caridade, pois, fora desta não há salvação, o que significa, de acordo com o
Espírito da Verdade, na questão 886 de O Livro dos Espíritos: benevolência para
com todos, indulgência para as imperfeições dos outros, perdão das ofensas.
O Espiritismo esclarece os
meandros temidos da morte, mostrando-a como um processo natural na vida do
espírito em seu processo evolutivo. Deixa claro que apenas o corpo vira pó e
que o espírito vai encarar a jornada em um novo plano.
Muitas vezes já morremos e ainda
tememos o passar para o outro mundo, um medo justificado apenas pela falta de
estudo e de conhecimentos sobre o assunto, visto que educar-se para a morte faz
parte do processo de transformação moral do indivíduo.
Se o Espiritismo esclarece os
temores da morte e tem os mecanismos adequados que promovam uma educação neste
sentido, porque o espírita ainda treme diante de sua “aparição”? Medo do
fantasma de preto segurando uma foice, temor de que o mito da finitude seja
verdadeiro ou medo de descobrir a sua verdadeira essência enquanto espírito?
Em 1959, Chico Xavier fazia uma
viagem, de avião, que enfrentou uma grande turbulência. Em meio ao pânico
geral, Chico também começou a gritar e todos já esperavam não sair vivos.
Emmanuel o repreende dizendo que a cena demonstrava falta de fé na imortalidade
da alma.
De acordo com Kardec em O Céu e o
Inferno, o temor da morte parte do instinto de conservação do homem, necessário
enquanto não temos esclarecimentos sobre a vida após a morte e também para
impedir que sejamos negligentes com a vida corporal e, à medida que tenhamos
uma melhor compreensão sobre o seu sistema, o medo desaparecerá.
Porém, apesar dos
esclarecimentos, a morte permanece envolta em mistérios e crenças como o virar
santo. As frases direcionadas para os que partem como “olhe por nós daí de
cima”, são claras demonstrações de que ainda não sabemos o que é a morte e qual
deve ser o nosso procedimento diante do fato, mas também revela a ignorância
sobre as condições do espírito.
A morte não é uma novidade na
vida do homem, ao contrário, é um processo natural, tanto quanto nascer. Porém
nos escusarmos a entender e até mesmo a falar sobre a morte e segundo Kardec,
este comportamento não nos permite penetrar o pensamento no mundo espiritual e
por isso temos dele uma visão distorcida que impõe o medo e a falta de
informações não deixa que percebamos as condições espirituais de quem parte,
pois por melhor que tenha sido quando encarnado, poderá não seguir em paz e,
portanto não estar em condições de olhar por nós.
Cada um encontra-se em um degrau
na escala evolutiva carregando o fardo das próprias ações que determinará a
realidade da vida no mundo espiritual. Lembrando que a mente culpada projetará
sofrimentos e se afinará com outros que estiverem no mesmo patamar energético;
a mente em paz consigo mesma e certa de que viveu procurando fazer o bem e em
consonância com as Leis Divinas, granjeará benesses. Portanto, este não teme a
morte e nem procura justificativas vãs mesmo porque, sabe bem o que é o mundo
espiritual e o que lhe aguarda ao cruzar o véu.
O espírito André Luiz nos diz que
a maior surpresa da morte é nos confrontarmos com a nossa consciência, pois é a
partir dela que construímos o céu, paramos no purgatório ou nos precipitamos
aos planos inferiores.
Conforme colocou Herculano Pires,
a educação para a morte começa no exato momento em que tomamos conhecimento
dessa realidade e despertamos para uma noção profunda que nos leva a
compreender as implicações e proporções da morte, a perceber a imortalidade
como uma benção e uma oportunidade de reencontrarmos os que amamos e dar
continuidade à vida com maiores possibilidades de acerto, com liberdade e com a
consciência de que somos Espíritos.
Referências:
ARIÈS, Phillippe. História da
morte no Ocidente. Da Idade Média aos nossos dias. Trad. Priscila V. de
Siqueira. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003.
ELIAS, Norbert. A solidão dos
moribundos. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 2001.
KARDEC, Allan. O Céu e o Inferno.
Trad. Albertina Escudeiro Sêco. 1ª Ed. Rio de Janeiro: CELD, 2008.
XAVIER, Francisco Cândido e LUIZ, André
(espírito). Nosso Lar. Brasília: FEB, 2014.
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