quarta-feira, 14 de abril de 2010

O super Rico



Sorrio pra valer toda vez que me recordo das “tiradas” do Ricardo, meu sétimo neto, carinhosamente chamado de Rico pelos familiares.
Minha saudosa mãe adorava ouvir suas histórias, respostas ou perguntas sempre apoiadas em lógica irretorquível, presença de espírito e fino humor. Afirmava repetidas vezes ser o Rico um espírito velho que sabia das coisas.
Mamãe recomendava que anotássemos tudo para que nada caísse no esquecimento. Hoje, lamento, muita coisa já não mais lembrada.
Certo domingo, quando tinha cinco anos de idade, sua mãe, a minha filha Vânia, levou-o à praia de Guaxuma, em companhia de sua irmãzinha Natália e de um primo. Na pressa e na euforia de estrear o “buggy”, esqueceu a bolsa com documentos e dinheiro.
Na volta, o vexame. O guarda de trânsito, à falta da apresentação do documento do carro, da carteira de motorista e até da identidade, informava autoritário que o veículo ficaria apreendido.
De nada valeram a justificativa de esquecimento e o apelo patético em nome das três crianças. O guarda estava irredutível, afirmava estar agindo de acordo com as normas vigentes, cumprindo o regulamento, obedecendo a ordens.
A argúcia do Rico manifestou-se no momento próprio, ao interpelar a genitora:
- Mãe, você não está vendo que ele quer um dinheirinho? Dê logo e ele deixa a gente ir embora!
Antes da repreensão materna, veio a resposta da “autoridade”:
- Veja, senhora, que garoto inteligente! Num instante, achou a solução adequada!
E lá se foi à única cédula de cinco mil cruzeiros encontrada na sacola do protetor solar.
De outra feita, na casa de praia na Barra de São Miguel, hospedou-se um casal amigo. Ela alva, ele preto. Um contraste para os preconceituosos e maledicentes.
Na manhã seguinte, meu cunhado chamou o Rico:
- Venha cá, negão! Sente aqui, junto do tio.
A resposta veio na hora e contundente.
Apontando para o pavimento superior, replicou:
- O negão está lá em cima, dormindo.
Assim é o meu neto. Vivo, perspicaz, irreverente, peralta como qualquer menino da sua idade, mas capaz de sustentar uma conversação de adulto.
O Rico parado, imaginativo é um perigo. Pode esperar, vem bomba.
Aos nove anos, revelou mais uma vez toda a sua curiosidade, capacidade de raciocínio e independência de pensamento religioso.
Malgrado, naquela época, estudar no Colégio Santíssimo Sacramento, de rigorosa orientação católica, saiu-se com uma pergunta que gerou um interessante diálogo:
- Mãe, você é espírita, não é?
- Sim, filho, sou espírita por opção, por convicção.
- Papai é católico por quê? Como é possível marido e mulher não serem da mesma religião?
- É, sim, porque há o respeito mútuo ao direito de pensar livremente, sem preconceito, sem intolerância ou intransigência.
Se todos pensassem e agissem desse modo, não teria havido nem aconteceriam mais às perseguições e guerras religiosas. O mundo estaria hoje mais cristianizado.
- Qual a diferença entre católico e espírita?
- Filho, os caminhos são diversos, contudo a meta é uma só - Deus. Na essência, todas as religiões são boas, ensinam o bem e o amor. Em alguns casos, os homens, por ignorância, vaidade, ambição desmedida ou por outros interesses inconfessáveis, mistificam, distorcem o verdadeiro sentido doutrinário de sua crença.
- Sim, mas eu quero saber a diferença. Você não respondeu!
- Entenda, o catolicismo e o espiritismo abraçam como fundamento o Evangelho de Jesus. As diferenças estão na interpretação e aplicação de alguns textos. O espiritismo é a revivescência da pureza e singeleza do primitivo cristianismo; firmemente apoiado nos três colossais pilares - CIÊNCIA, FILOSOFIA, RELIGIÃO - rejeita o misticismo, questiona o miraculoso, aceita princípios que não se choquem com a razão e possam ser cientificamente comprovados. O espiritismo é o Consolador prometido por Jesus.
- Quais são os textos, quais as interpretações?
- Vamos ao principal. O catolicismo adota como dogma de fé a teoria de que a alma é criada por Deus no momento da concepção, que o espírito tem uma única encarnação, ou seja, apenas uma vida na Terra e, dependendo de como viveu, depois da morte, vai para a ociosidade de um céu de eterna glória e contemplação da divindade, ou para o inferno de sofrimentos sem fim, sem remissão. É a idéia de um Deus rígido, sem misericórdia.
- Um céu só de contemplação deve ser muito chato e esse tal de inferno, uma barra pesada que não tem nada a ver com a bondade de Deus! Como é a versão espírita?
- O espiritismo ensina que os espíritos são criados por Deus, simples e sem sabedoria, aos quais são permitidas inumeráveis vidas neste ou em outros planetas dos bilhões de sistemas planetários que povoam a imensidão do universo.
- E por que viver tantas vezes?
- Para aprendizagem e para a grande busca do aperfeiçoamento até a angelitude. Deus não condena nenhum de seus filhos à perdição, ao contrário, querendo que não se perca um só deles, dá-lhes sempre novas oportunidades de corrigenda. É a lei reencarnacionista. Assim se manifestam a justiça e a bondade de Deus.
- Reencarnação tem lógica!... então, eu sou espírita.
- Quem falou a você de reencarnação?
De onde tirou essa certeza de que é uma verdade?
- Ninguém falou, mas eu sei, está dentro de mim. Se houvesse uma só vida, quem nascesse pobre estaria no prejuízo.
- Gostei, Rico, do seu raciocínio!
- Fale mais, mamãe, também estou gostando.
- Na hipótese de uma única vida, como entender a Suprema Justiça? Uns nascem com todas as possibilidades de uma vida normal, têm família organizada, situação financeira estável, meios de estudar, trabalhar, crescer, melhorar-se.
Outros nascem em completa penúria, falta-lhes o básico, são párias da sociedade. Somente a reencarnação explica tais desníveis, como meios de reparação de delitos cometidos no passado. Deus, por ser justo e bom, oferece-nos renovadas chances; nós, pecadores recalcitrantes, escolhemos as provas para nossas almas endividadas.
Encerrada a conversação, Rico recolheu-se introspectivo como é comum quando as idéias lhe assediam a mente.
Ao despertar, voltou a indagar:
- Mamãe, quando eu for reencarnar, posso nascer seu filho outra vez?
- Em princípio, pode, é uma escolha.
Deus, entretanto, sabe melhor o que é bom para nós.
- Então, eu vou pedir a Deus.
- Você gosta tanto assim da mamãe para querer ser meu filho de novo?
- Gosto, sim, nosso relacionamento é antigo. Vivemos juntos em muitas outras vidas.
Minha mãe tinha razão. O Rico é um espírito velho, vivido, guarda latente nos refolhos da alma um acervo de conhecimentos adquiridos em múltiplas experiências reencarnatórias, esboçado em sua personalidade forte e generosa.
Hoje, Rico, dia 29 de março de 2000, você completa quatorze anos, é o adolescente que transita daquela fase infantil de rara graciosidade para a de adulto responsável, perquiridor.
Continue o bom filho, o bom irmão que você é. Seja o cidadão honesto, ordeiro, trabalhador e fiel operário da Seara de Jesus.
Vovô admira-o, ama-o com ternura.

Felinto Elízio Duarte Campelo
felintoelizio@gmail.com

Extraído do seu livro o Pulo do Gato

terça-feira, 13 de abril de 2010

O dia a dia de um Colunista



COM AS CRÍTICAS CONSTRUTIVAS, OS ERROS PODEM SER CORRIGIDOS


Alguns me acusam de crítico das religiões cristãs! Mas a crítica pode ser até um ato de caridade, pois pode levar à correção.
Eu escrevi sobre um amigo meu arcebispo da Igreja, o qual é médium e faz palestras em casas espíritas, e levou para João Paulo II duas fitas de dois programas espíritas de TV de que ele participou. E fui eu que o indiquei para esses programas. Um teólogo católico desta coluna enviou a esse arcebispo uma carta-e-mail, com cópia para mim, sugerindo-lhe retratar-se, dizendo que eu me equivoquei.
Segundo esse missivista, eu escrevo no estilo literário denominado de mote, e que seria semelhante ao de Kardec. Esse estilo se caracteriza por ser obscuro ou poético, cuja interpretação seria mais subjetiva do que objetiva. Ele, sem querer, até me honrou muito, comparando o meu estilo literário ao de Kardec. Só que ele está enganado, pois Kardec é genial, cujo modo de escrever é perfeito, artístico, erudito e sem deixar de ser também ao mesmo tempo simples e de uma clareza meridiana. Quanto ao meu modo de escrever, eu apenas me esforço para ser simples e claro no que escrevo.. Assim é que um leitor meu disse que meus escritos fazem-no não só pensar como eu penso, mas também até o fazem sentir o que eu estou sentindo quando escrevo.
Mas voltando a Kardec, ele colocou em todos os seus livros e nos seus demais escritos uma riqueza de dados, não deixando nenhuma dúvida nas teses que defendeu. Aliás, ele recebia a colaboração e orientação de espíritos santos altamente iluminados.. E é graças a ele que o mundo passou a estudar, cientificamente e sem superstições, os fenômenos espirituais. Daí que ele tem, hoje, milhões de seguidores em todas as religiões do mundo. Quem me dera, pois, que meu estilo literário fosse mesmo semelhante ao do Codificador do Espiritismo! Coitado de mim!
O objetivo desse missivista foi desprestigiar Kardec e a mim, que sou um humilde discípulo dele. Mas creio que esse missivista não conseguiu atingir-me e muito menos ainda ao grande gênio espiritualista do século 19, o primeiro cientista a se interessar por estudar cientificamente os fenômenos mediúnicos, que, por superstição e ignorância, eram e ainda são denominados por muita gente de milagrosos e sobrenaturais, só porque os espíritos que os provocam estão no outro lado invisível desse nosso mundo visível. Mas ambos mundos são naturais, cujos habitantes daqui e de lá são também naturais, e cujas ações são igualmente naturais e jamais sobrenaturais. Só Deus é sobrenatural. E tudo que acontece é natural, pois são os espíritos encarnados e desencarnados que atuam em nome de Deus.
E eis um outro fato. Eu recebi, por e-mail, dum professor de teologia duma universidade metodista a seguinte informação. Ele tem estudado o fenômeno da reencarnação nesta coluna, e com a leitura da última matéria dela, ele afirma que passou a considerar a realidade da reencarnação. Essa informação emocionou-me, principalmente por vir de um professor de teologia. E até você que me honra com sua leitura desta matéria deve estar achando também interessante esse fato.
As críticas às religiões cristãs podem ser mais um tijolinho na construção dum novo cristianismo, tal qual aquele das primeiras gerações cristãs, sem o que ele, infelizmente, continuará capengando!

Obs.: Esta coluna, de José Reis Chaves, às segundas-feiras, no diário de Belo Horizonte, O TEMPO, pode ser lida também no site www.otempo.com.br - Clicar colunas. Ela está liberada para a publicação, seus livros: “A Face Oculta das Religiões”, “A Reencarnação na Bíblia e na Ciência” Ed. EBM (SP) e “A Bíblia e o Espiritismo”, Ed. Espaço Literarium, Belo Horizonte (MG) – www.literarium.com.br - e meu e-mail: jreischaves@gmail.com - Os livros de José Reis Chaves podem ser adquiridos também pelo e-mail: contato@editorachicoxavier.com.br e o telefone: 0800-283-7147.

  Imagem ilustrativa

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Espíritismo para as crianças



NOTA PRELIMINAR


Há tempos, alguns amigos insistiram para que fizéssemos circular uma obrinha que reunisse, em poucas páginas, lições ligeiras sobre os princípios fundamentais do Espiritismo.
Por falta de tempo e de inspiração nos detivemos no desempenho dessa incumbência que nos parece, de fato, de grande valor para a divulgação da Verdade.
Chegou, agora, o momento de cumprirmos esse dever. Esforçamo-nos tanto quanto possível para reunir neste livrinho, de feitio pedagógico, ao alcance de todos, os princípios mais populares do Espiritismo, para que possam, ao mesmo tempo, em seu conjunto, dar aos leitores uma idéia sucinta desta luminosa e consoladora Doutrina.
Para tal fim, fizemos como o pescador de pérolas, tirando desta e daquela obra de abalizados escritores que em sua passagem pela Terra deixaram o traço luminoso da sua dedicação pela tão grande causa, que assinalou a Missão extraordinária do ilustre Espírito que chamamos AlIan Kardec.
Como aqueles amigos, que nos lembraram a publicação deste livrinho, estamos convencidos de que irá ele prestar bons serviços à propaganda e luzes aos noviços que procuraram se orientar no Caminho da Vida. Que os Gênios propulsores do progresso humano abram a inteligência de todos os que folhearem estas páginas e a Doutrina que elas encerram tenha acesso nos corações, para que o Reino de Deus possa baixar à Terra e o Supremo Diretor do nosso planeta – Jesus Cristo – nos tenha sob suas vistas protetoras.


CAIRBAR SCHUTEL

Disponibilizo todo o livro para download: Espiritismo para as crianças

sábado, 10 de abril de 2010

Momentos de transição

  
OS FIÉIS ESTÃO COMO NEM MACACOS PULANDO DE GALHO EM GALHO



Muitas correntes teológicas cristãs estão contaminadas com o vírus dos erros provenientes dos acréscimos que fizeram na Bíblia. E, como se não bastassem esses erros, aleijaram-na também com cortes de textos, e abusaram de suas interpretações, tudo numa tentativa de adaptarem-na às doutrinas que foram criadas ao longo dos séculos. Assim, hoje, destoa com a realidade e soa mesmo muito mal a conhecida frase: “A Bíblia á a palavra de Deus”. Como pode ser atribuída a Deus a autoria dum livro, que provavelmente seja o mais adulterado do mundo?
A Bíblia está repleta de manifestações de anjos que, na verdade, são espíritos, muitos dos quais nem são bons, mas que foram até tidos como sendo o do próprio Deus, que uma tradição passou a chamar de Espírito Santo.É que os judeus e os cristãos desconheciam o ensino joanino que nos recomenda que examinemos os espíritos manifestantes. (1 João 4,1). E Paulo fala em discernimento dos espíritos e dos que se manifestam em línguas estrangeiras, fenômeno de xenoglossia. 
Para ele se trata de línguas estrangeiras. Assim, se houver alguém presente que fale a língua estrangeira usada pelo espírito incorporado no profeta ou médium, vai entendê-la. (1 Coríntios 14,27). Realmente, o fenômeno a que são Paulo se refere é mesmo de o médium incorporado falar uma língua estrangeira verdadeira. Mas o que acontece com os carismáticos e os evangélicos é médiuns incorporados ficarem num blá blá blá (glossolalia), que não é nenhuma língua estrangeira verdadeira (xenoglossia).
Observe-se que eu usei, a exemplo de são Paulo, a palavra profeta (médium), o que quer dizer que o tempo dos profetas ainda continua entre nós. Digo isso, porque há uma doutrina, pouco conhecida, que diz que as profecias e as revelações só existem na Bíblia e nos concílios ecumênicos. Mas Kardec constatou que o médium é uma pessoa equivalente a um profeta bíblico. E é por meio de espíritos que Deus nos fala em toda a Bíblia, pois Ele tem os espíritos que trabalham para Ele. (Hebreus 1,14). Vejamos o que diz Paulo, citando Isaias, e referindo-se aos que estão participando das reuniões mediúnicas de profecias, revelações e de falar em línguas estrangeiras: “Na lei está escrito: Falarei a este povo por homens (médiuns, profetas) de outras línguas e por hábitos de outros povos, e nem assim me ouvirão”. (Isaias 28,11 e 13; e 1Coríntios 14,21). Recomendo a você, que me prestigia com a sua leitura, que estude os capítulos 12, 13 e 14 de 1 Coríntios, de cujos assuntos fogem os padres e pastores, pois se trata de fenômenos espíritas. Mas Jesus disse que nada ficará oculto, apesar de que se peque muito por omissão. E esses e outros desvios das verdades teológicas bíblicas são como que nem poeiras a infestarem os bancos das igrejas e dos templos cristãos, afugentando muitos de seus fiéis.
Essas irregularidades imperceptíveis pela mentalidade religiosa atrasada do passado têm-se chocado com a evoluída do presente. E coitados dos fiéis! Eles já não sabem mais para onde irem, e estão como nem macacos pulando de galho em galho, de religião em religião, pois desconfiam dos ensinos dos seus líderes religiosos!

PS:
1) 3º Congresso Espírita Brasileiro, de 16 a 18-4-2010, Brasília (DF). Tema: “Centenário de Chico Xavier com Jesus e Kardec”. (61) 2101-6171 - Begin of the skype highlighting (61) 2101-6171 end of the skype highlighting – inscricao@febnet.org.br
Obs.: Esta coluna é de José Reis Chaves,  que às segundas-feiras, no diário de Belo Horizonte, O TEMPO, pode ser lida também no site www.otempo.com.br Clicar colunas. Foi liberada pelo autor para a publicação.  Seus livros são: “A Face Oculta das Religiões”, “A Reencarnação na Bíblia e na Ciência” Ed.EBM (SP) e “A Bíblia e o Espiritismo”, Ed. Espaço Literarium, Belo Horizonte (MG) – www.literarium.com.br - seu e-mail: jreischaves@gmail.com - Os livros de José Reis Chaves podem ser adquiridos também pelo e-mail: contato@editorachicoxavier.com.br e o telefone: 0800-283-7147.

Imagem ilustrativa 

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Macaco Jiló



Mais um belo domingo de verão vivido intensamente em Reinópolis.
Na praça, ornamentada com flores silvestres, em singular profusão de cores e perfumes, pessoas e bichos misturavam-se numa explosão de alegria, enquanto aguardavam o início de mais um certame promovido pelo rei.
No palanque real, Sua Majestade observava a movimentação da grande massa de súditos e confidenciava aos seus conselheiros:
- Esta é uma terra abençoada, gente e animais convivem amistosamente, cantam, riem, confraternizam-se. Raros são os que não compartilham desta harmonia por serem portadores de deformações morais e, em conseqüência, descambaram para os vícios ou para a violência. Sinto-me feliz.
Instantes depois, a um sinal do soberano, rufaram os tambores anunciando a esperada disputa.
Majestoso, o rei levantou-se do trono, uma vez mais perpassou o olhar pela multidão em grande expectativa e falou à platéia que o olhava com admiração e respeito:
- Hoje, confrontam-se o muriqui, o maior macaco das Américas, representado pelo Macaco Jiló, nosso conhecido por suas diabruras e o sagüim, único primata do litoral, o menor indivíduo da espécie. Os dois tomem seus postos na marca de saída. Sagüim à esquerda, buriqui à direita.
Mestre no ofício de provocar, o Macaco Jiló, em vez da habitual reverência, com três cambalhotas pôs-se em pé diante do rei, abriu largo sorriso de desdém, debochou do sagüim atingindo-o com pedrinhas e apresentou-se afetado:
- Eis aqui, senhor rei, o virtual campeão da jornada de hoje. Como bem declarou Vossa Majestade, sou o macaco de porte mais avantajado das Américas, mas não fica somente aí a minha superioridade sobre o meu mísero oponente, sobram-me inteligência, sagacidade e, sobretudo, esperteza.
- Venerável soberano - sussurrou o sagüim após fazer tímida mesura - veja em mim um fiel servo que tudo fará, dentro da ordem e da ética, para merecer o título de vencedor.
Sereno, sem transparecer ter-se agastado com as impertinências do Macaco Jiló, o rei fez as devidas recomendações, arrematando:
-  Em determinado trecho, os dois caminhos se confundem numa única via para, em seguida, separarem-se e de novo juntarem-se, à vista de todos, no declive da reta de chegada.
Muita atenção na sinalização, a troca de pista significa eliminação do infrator.
Ao soar o gongo, ambos partiram em disparada.
Na praça, a agitação era marcante.
Poucos acreditavam no sagüim, a maioria apostava no Macaco Jiló.
Em conversa com amigos, o tatu argumentava:
- Impossível o sagüim levar a melhor na disputa. Além da diferença física, o Macaco Jiló é astuto, inescrupuloso.
- Conheço-o muito bem, fui vítima de suas intrigas - considerou a anta. 
Pondo à mostra toda a sua revolta, a raposa esbravejou:
- Você só sofreu intrigas? Pior ocorreu comigo! Fui trapaceada cinicamente! Jiló é vil, nocivo à coletividade. Deveria ser preso e passar por um processo de ressocialização.
-  Concordo plenamente com vocês, o mau elemento não perde oportunidade de promover-se, mesmo com o sacrifício de alguém - comentou o guará.
- Suas intromissões deixam sempre um gosto amargo nos outros. Faz jus ao apelido! - ironizou a jaguatirica. Enquanto, na praça, discutia-se e apostava-se, o Macaco Jiló chegava primeiro à junção das estradas. Maliciosamente, inverteu as setas indicadoras da direção, tomou o caminho apropriado e procurou ocultar-se no mato para ter a certeza de que o sagüim caíra no logro. Prelibava com a situação vexatória do adversário e a possibilidade de tripudiá-lo à frente de todos.
Conhecedor, no entanto, das trampolinagens do antagonista, o sagüim detevese em cuidadoso exame do terreno, observou os rastros deixados, convenceu-se, enfim, das modificações introduzidas na sinalização. Dispunha-se a seguir o rumo certo quando sua atenção foi despertada por um grito de susto seguido de gemidos de dor. Aqueles guinchos eram-lhe conhecidos!
A pouca distância, Macaco Jiló havia caído numa esparrela armada por caçadores. Estava preso e com o braço quebrado.
A evidente intenção de prejudicá-lo com as trocas efetuadas na sinalização não estimulou o sagüim à desforra. Assim, ajudou Jiló a livrar-se da armadilha, providenciou uma tala e imobilizou seu braço fraturado. De nada, porém, valeu aquele gesto de desprendimento. Insensível ante o sentimento de solidariedade, o vilão desferiu violento golpe no sagüim deixando-o desacordado e partiu confiante para a consagração. Grande alvoroço agitou os espectadores. Macaco Jiló despontou sozinho no topo da ladeira de acesso ao ponto final.
Todavia, para surpresa geral e satisfação da maioria, o sagüim, vendo Jiló já na metade do lanço derradeiro, enroscou-se em forma de uma bola, rolou ladeira abaixo para cruzar vitorioso a linha de chegada.
Delírio contagiante envolveu os presentes que não pouparam aplausos ao vencedor.
Jiló, inconformado, reclamava do meio ilícito usado pelo oponente; entretanto, o rei, homem justo, validou o feito do sagüim declarando enfático:
- Expedientes escusos foram empregados pelo derrotado. Meus fiscais informaram que o Macaco Jiló tentou ludibriar o concorrente alterando a sinalização. Depois, agrediu fisicamente aquele que, como um bom samaritano, o socorrera. O insensato deliqüente retribuiu com o mal o bem recebido.
Por sua conduta abominável, condeno-o a dois anos de reclusão. Que esta lição sirva de exemplo e esteja sempre em suas lembranças o Salmo 32.2: “Bem-aventurado o homem a quem o Senhor não imputa maldade e em cujo espírito não há engano”. Atentem todos também para o ensinamento de Jesus contido em Mateus 5.48: “Sede, pois, perfeitos, como vosso Pai Celestial é perfeito“.

Felinto Elízio Duarte Campelo
felintoelizio@gmail.com


Extraído de seu livro o Pulo do Gato