O jornalista espírita André Trigueiro, meu amigo-irmão, é
especialista na área ambiental. Tem livros publicados e também faz inúmeras
palestras sobre o assunto, tanto em centros espíritas como em universidades,
igrejas católicas e em todo local onde houver um grupo religioso, estudantil ou
entidade de classe interessada em meio ambiente, assunto de suma importância
para melhor nos situarmos no mundo atual, às voltas com mudanças climáticas,
consumismo e afins.
Certa vez, em Petrópolis, durante o seminário “Ecologia e
Paz”, o André, ressaltando que a Doutrina Espírita aborda várias vezes a
questão ecológica, disse que precisamos deixar de passar batido pelo item “O
necessário e o supérfluo”, de “O Livro dos Espíritos” (terceira parte, capítulo
cinco, questões 715 a 717).
Confesso que não lia essas questões há um tempo. Passei
batido também, como advertiu o André. E fiquei surpreso ao ver que são apenas
três questões que, de fato, devem passar despercebidas para muitos. É como se
as três formassem um item de menor importância, perdido na parte que estuda as
Leis Morais. Como nada nas obras de Kardec é mais ou menos importante (tudo tem
o mesmo e importantíssimo peso) e eu também sou um entusiasta da questão
ambiental, resolvi me debruçar sobre as três. Que Santo André Trigueiro,
padroeiro das causas ecológicas, me ajude!
Na questão 715, Kardec pergunta “Como pode o homem conhecer
o limite do necessário?”. A resposta diz que o homem ponderado conhece tal
limite por intuição. Muita gente, no entanto, só irá conhecê-lo à própria
custa, ou seja, batendo cabeça.
Quando reli essa questão, lembrei-me de uma senhora com quem
dividi algumas sessões de fisioterapia quando torci o tornozelo há alguns anos.
Conversa vai, conversa vem, ela contou que ela e o marido moravam numa casa com
cinco suítes. Uma para o casal. As demais, para os quatro filhos homens. Só que
os filhos já haviam saído de casa por terem casado ou ido trabalhar em outra
cidade. Ficaram ela e o marido morando numa residência cheia de suítes, que ela
mantinha fechadas e nas quais não entrava havia meses. Contou, também, que por
ser uma casa grande, havia demorado a ficar pronta. Por isso, os filhos
aproveitaram pouco das suítes. Perguntei se ela pensava em vender a casa, quem
sabe para alguém interessado em transformá-la numa pousada. A casa, disse a
senhora, estava à venda, mas ainda não havia aparecido comprador.
É claro que se tenho dinheiro e sou pai de quatro filhos,
não vou morar com minha família numa casa apertada. Mas se ajo com ponderação,
como ressalta “O Livro dos Espíritos”, perceberei que, em breve, eu e minha
esposa corremos o risco de ficar sozinhos numa casa imensa. Creio que se os
proprietários tivessem construído uma casa com dois quartos para os filhos
(dois filhos por quarto) e dois banheiros sociais, fora a suíte de marido e
mulher, a casa estaria num bom tamanho. Todos teriam aproveitado mais não só a
casa, mas também a companhia uns dos outros.
Na Região Serrana do RJ, onde vivo, há casas
cinematográficas em profusão. Todas com inúmeras suítes (com closet),
churrasqueira, forno a lenha, salão de jogos, casa de hóspedes, piscina, sauna
seca e a vapor e por aí vai. Muitas delas à venda há meses. Não aparece
comprador. Hoje em dia, muita gente não dispõe de tempo e dinheiro para manter
uma mansão.
Quando “O Livro dos Espíritos” diz que muitos vão conhecer o
limite do necessário pela própria – e muitas vezes sofrida – experiência é
porque não sabemos lidar com a matéria de forma equilibrada. Geralmente,
pensamos que ser materialista é não acreditar em Deus ou na existência de algo
além da morte. Mas materialismo também é não parar para pensar na hora de
construir um imóvel que, mais adiante, se transformará num elefante branco. Não
só pelo tamanho do mesmo, mas pela quantidade de tempo e dinheiro que a casa
mega linda requer para permanecer de pé e arrumada. Estou falando de impostos
altos, número de empregados, material de limpeza... Tudo para dar conta do
número exagerado de quartos, salas e banheiros que a gente inventou. Haja
material de construção! E cimento, barro, madeira e Cia. Ltda. vêm de onde? Da
Natureza, que já demonstra sinais de saturação por causa de tanta
extravagância.
A resposta à pergunta 716 diz que a Natureza deu ao homem
uma organização que lhe traça os limites da necessidade. O homem, porém, tudo
alterou por causa de vícios que o fizeram criar necessidades nada reais.
Hoje em dia, é farta a oferta de confeitarias, restaurantes
de comida a quilo, lanchonetes de comida rápida... Comida saborosa, farta e
acessível. Mas será que temos necessidade de, todo santo dia, tomar
refrigerante, comer brigadeiro, se entupir de batata frita?
Em 16 de dezembro de 2013, o pediatra carioca Fábio Becker
deu entrevista ao programa “Roda Viva”, da TV Cultura. Ele abordou a questão da
comida pronta de hoje em dia. Nos Estados Unidos, paraíso do alimento
industrializado, a comida é feita com sabor, crocância e consistência ideais
para que a criança rejeite o alimento natural quando o provar. Dessa forma, diz
ele, corremos o risco de ter crianças que só aceitam comida fabricada e
rechaçam a couve, o chuchu, a beterraba... Vícios que alteram nossa
constituição e criam necessidades irreais, conforme observa o sempre atual “O
Livro dos Espíritos”.
O André Trigueiro é inimigo do closet. Em suas palestras,
ele sempre fala da desnecessidade de fazermos um cômodo estilo sala de troféus
para exibir a coleção de sapatos, gravatas, lingerie, camisas, toalhas felpudas
e sabe lá Deus o quê. E esse cômodo supérfluo tem, ainda por cima, iluminação
especial, feita por um “light designer”. Haja energia elétrica!
Se o André elegeu combater o closet, eu escolhi a varanda
gourmet como inimiga. Tenho visto, em recentes lançamentos imobiliários no RJ e
SP, apartamentos com as tais varandas, que vêm equipadas com churrasqueiras.
Será que precisamos de churrasqueiras em varandas de apartamentos? Fico
imaginando o fumacê se todo mundo resolver fazer churrasco no mesmo dia.
Sabemos que uma das grandes causas de desmatamento na Amazônia é a criação de
pastos para o gado. Portanto, a fumaça do exagero churrascal é a mesma das
queimadas na Amazônia. Será que precisamos consumir tanto churrasco assim? Será
que virou um item de primeira necessidade, a ponto de novos apartamentos já
virem com a tal da varanda gourmet? Além disso, a área de serviço teve o espaço
bastante reduzido para dar lugar à dita cuja gourmet. Há lugar para tanque,
máquina de lavar e um pequeno armário. Nada mais. Será que só eu lavo e seco
roupa em casa?
Todos nós sabemos que o dia a dia doméstico não é varanda
gourmet. É, entre outros itens, um local para secar a roupa que foi lavada.
Digo isso porque já vi apartamentos de condomínios luxuosos cheios de varais de
chão na varanda gourmet. Ou seja, não há local para secar a roupa. E quando
chove, os varais de chão repletos de panos de pratos, meias e afins molhados
ficam na sala. Eu particularmente prefiro uma boa área de serviço a uma varanda
gourmet. Abaixo a varanda gourmet!
Por fim, a questão 717, que diz que os homens que se
apropriam dos bens da Terra para ter o supérfluo enquanto muitos não possuem o
necessário terão de responder pelas privações que causam. Estas palavras me
fazem lembrar Madre Teresa de Calcutá. Uma vez, ao desembarcar nos Estados
Unidos para uma conferência, ela ficou horrorizada ao ver a quantidade de
comida que estava sendo jogada fora no aeroporto. Comida industrializada, cheia
de gordura. Mas ainda assim, comida. Comida feita de trigo, carne, leite, milho,
batata e outros itens, que foram tirados na Natureza (Olha ela aí novamente!),
para alimentar um bando de gente que come em excesso e joga fora toneladas de
alimentos todos os dias. Até quando?
No livro “Mundo Sustentável”, o André Trigueiro, referindo-se
ao desenho animado “Mogli, o Menino Lobo”, cita a música cantada pelo Urso
Balu, amigo do personagem-título: - Necessário, somente o necessário. O
extraordinário é demais.
Sei que às vezes é difícil estabelecer o limite entre o
necessário e o supérfluo. Mas como diz o André Trigueiro, um bom indício é
evitarmos fazer coleção. Todos sabem quantos sapatos, celulares, automóveis,
toalhas e peças de roupa devem ter. É questão de foro íntimo. Mas se alguém
começa, por exemplo, a fazer coleção de sapatos, é melhor acender o sinal de
alerta. Afinal, como diz o adendo à questão 717, “Tudo é relativo, cabendo à
razão regrar as coisas”.
Marcelo Teixeira
Imagem ilustrativa